A Manuel Rodrigues Lapa (No Centenário do seu Nascimento)

Anadia
19 de Abril de 1997


É para mim uma honra e um prazer participar nestes actos que evocam a memória do Prof. Manuel Rodrigues Lapa e lhe prestam homenagem no centenário do seu nascimento. Agradeço o amável convite que me dirigiram para estar convosco.
O monumento agora inaugurado e a placa toponímica com o seu nome tornam mais presente e viva a lembrança do Mestre junto do povo da sua terra, que ele tanto amava. Felicito, por isso, a Câmara Municipal da Anadia e o seu Presidente, Saúdo calorosamente os familiares de Rodrigues Lapa cuja presença dá a esta homenagem um alcance excepcional.
O Colóquio Internacional “Filologia, Literatura e Linguística” constitui uma iniciativa do maior nível científico e significado cultural, que contou com a participação de ilustres especialistas destas matérias e de personalidades do maior relevo, que conheceram e foram amigos de Rodrigues Lapa.
Pode, assim, dizer-se que o Colóquio acolhe, de certa maneira, o fundamental da sua herança afectiva e recebe a lição da vida, da obra e da acção do homenageado, cujas características essenciais são a exigência e o rigor científicos, o cuidado pedagógico, a qualidade de investigação e a capacidade de criar novos conhecimentos, a preocupação ética.
Saúdo, com muito apreço, as Comissões Científica e Executiva do Colóquio, pelo trabalho realizado, e ponho em destaque o apoio concedido por instituições de índoles diversas, com natural menção das Universidades envolvidas.
Rodrigues Lapa foi um homem de fidelidades: fidelidade à Pátria e à sua terra natal, à Língua Portuguesa e ao seu estudo, à Liberdade e ao Povo, fidelidade a si mesmo e à dignidade que punha em tudo o que fazia.
Era um homem de raíz e de raízes, autor de uma obra notável, erudito e culto como poucos, com uma rara capacidade de abrir os conhecimentos à inovação, torná-los acessíveis sem os simplificar ou desvirtuar, acrescentá-los e fecundá-los com o novo e o actual. A “Estilísticas da Língua Portuguesa” permanecerá como uma referência exemplar dessas virtudes pedagógicas, que conciliavam a divulgação e a didáctica com o rigor metodológico e o elevado nível científico.
Aquele a quem Vitorino Nemésio chamava “um sábio” era um homem integro, vigoroso, inflexível nos princípios, independente nos juízos e opiniões, austero e exacto, corajoso e desassombrado, de “antes quebrar que torcer”. Não era uma personalidade fácil nem submissa, mas sabia ser solícito, disponível e era um cultor da amizade, amigo do seu amigo. Era um homem que gostava do que gostava e que detestava o que detestava - afirmando-o frontalmente.
Foi, logo nos primeiros tempos da ditadura, demitido da cátedra, preso, mais tarde exilado. Tudo aguentou estoicamente, sem nunca ceder ou transigir, e reagia com uma dignidade excepcional frente à adversidade.
Depois do 25 de Abril, regressado do Brasil, a sua voz não deixou de interpelar incómoda e polémica.
A sua intervenção cívica e a luta que travou, desde jovem, pela valorização e dignificação da Universidade Portuguesa, razão pela qual foi dela afastado, mantém uma enorme actualidade.
Socialista independente, como sempre se afirmou, democrata defensor de uma cidadania activa e preocupado, até morrer, com o destino do País, apóstolo da valorização cultural do Povo, Lapa foi um português excepcional, um cidadão exemplar, um homem de bem.
Os seus trabalhos sobre a língua portuguesa, as suas origens e sobre os seus vários ramos, nomeadamente o galego e o brasileiro, são modelares e as suas concepções pioneiras tornam-no numa referência intelectual da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Neste centenário do seu nascimento, atentemos no exemplo e estudemos a obra daquele que foi um homem de palavra e da palavra.
Estou aqui, já o disse, com muita honra e muito gosto, a prestar esta homenagem à sua memória. Faço-o pessoalmente e faço-o como Presidente da República, em nome de Portugal.