A António Duarte (No Dia do Município das Caldas da Rainha)

Caldas da Rainha
15 de Maio de 1997


Permitam-me em primeiro lugar que agradeça à Câmara e à Assembleia Municipal caldenses o convite para presidir às celebrações do dia do município e a distinção com que acabam de me honrar.
Coincidem nesta dia do município circunstâncias que não me não deixam indiferente. Em primeiro lugar, a evocação da personalidade que patrocina a data, a Rainha D. Leonor. Figura de excepção na história de Portugal, a obra desta "princesa perfeitíssima", como lhe chamou o seu cronista, modificou o panorama da assistência na época e projectou-se duradouramente no futuro. As Caldas, justamente da Rainha, são um exemplo vivo dessa capacidade, a um tempo empreendedora e antecipadora, de que D. Leonor deu provas em múltiplos domínios da vida portuguesa.
Em segundo lugar, a homenagem que o município quis prestar a Mestre António Duarte, por ocasião da passagem do seu 85º aniversário, e à qual tenho o maior gosto em me associar.
Ligam-me, como se sabe, a António Duarte, laços familiares e, por seu intermédio, trechos de memória juvenil a esta cidade onde nasceu. Seria talvez motivo compreensível para justificar esta visita. Mas o lugar que Mestre António Duarte ocupa no panorama artístico português do nosso século foi há muito reconhecido e dispensa bem a admiração familiar (que aliás lhe não é regateada). Acaba de ser exemplarmente analisado por quem de direito, seu par de academia, António Valdemar.
Acresce porém que o reconhecimento que a cidade das Caldas lhe tributa não decorre apenas do orgulho da terra pela projecção do mérito de um dos seus filhos. António Duarte legou à sua cidade um espólio valiosíssimo, na base do qual se ergueu uma instituição cultural, ela própria projectada em múltiplas realizações: simpósios e bienais de arte que rapidamente ultrapassarem fronteiras, outros ateliers-museu que colocam as Caldas no roteiro da grande escultura portuguesa do século XX, uma escola que procura singrar no exigente panorama das artes.
Não se trata pois de exaltar o contributo artístico de António Duarte, mas de valorizar, 13 anos decorridos sobre a sua inauguração, a vitalidade criadora de uma outra obra que concebeu, o Atelier-Museu, onde foram acolhidos os seus desenhos e maquetes, peças de colecção pessoal, correspondência, a biblioteca, e, de mistura com os materiais, os sonhos de um dos grandes operários da arte portuguesa contemporânea.
Quero felicitar vivamente o Mestre António Duarte e os que têm sabido interpretar e desenvolver os seus sonhos, aqui nas Caldas, a partir do Atelier-Museu que tem o seu nome, quero felicitar vivamente.
As cidades, cujo papel histórico nos processos de modernização é conhecido, suscitam hoje uma crescente preocupação dos responsáveis políticos, Não é apenas a qualidade de vida dos seus habitantes que está em causa, mas também o papel que podem desempenhar na qualificação de uma região e, por extensão, do país.
Daí a prioridade que se atribui à definição de políticas exigentes para os centros urbanos, ou seja, um quadro de opções estratégicas que permita definir as oportunidades e mobilizar todos os agentes que intervêm na vida da cidade para as transformações do futuro.
São complexos os desafios que enfrentam: atrair os investimentos necessários para o seu crescimento; dispor de uma rede de acessibilidades e telecomunicações adequada; proporcionar serviços de qualidade aos cidadãos e às empresas; oferecer emprego e habitação renovados. Por outro lado, os factores qualitativos, ligados à preservação da identidade histórica, à garantia de acesso dos seus habitantes a produtos culturais, e às condições de exercício da cidadania, são determinantes na valorização das cidades num contexto de competitividade alargada
O desenvolvimento exige pois, cada vez mais insistentemente, fixação de recursos que assegurem a formação aos diversos níveis, que acolham a imaginação e a criatividade, que favoreçam a predisposição para a mudança e que conduzam à abertura ao exterior, à curiosidade, ao gosto pela aprendizagem e pela comunicação.
As cidades são o espaço humano adequado para gerar e gerir estas práticas que exigem uma relativa especialização de técnicas e equipamentos. e que se traduzem na criação de um clima favorável á inovação. Um clima propício à inovação repercute-se não apenas no tecido intelectual, mas no tecido produtivo.
As Caldas, que este ano perfaz 7 décadas de existência enquanto cidade, não pode descurar esta tarefa, que exige a participação de empresas e associações, Estado e sociedade civil, escolas, autarquias, com a Câmara, naturalmente à cabeça. Como não me canso de dizer, as Câmaras não podem recusar desafios, principalmente os novos desafios da modernidade. Não podem adoptar para o exterior aquele mesmo comportamento que recusam no interior: a lamúria em vez da proposta, a queixa em vez do arregaçar de mangas, a descrença em vez da ousadia, a desconfiança em vez da mobilização de esforços.
Sei que há problemas, repito esta frase com frequência, e registei Senhor Presidente da Câmara, alguns ecos que me fez chegar. E permita-me em jeito de graça, porque já o conheço há muitos anos, que desconte na sua veemência a aragem dos ventos do calendário que sopram lá do fim do ano... As Caldas têm bons motivos para enfrentar com confiança os reptos da modernidade. Eis um dos pontos do país onde o discurso da esperança não precisa da voz do Presidente da República: Caldas goza de uma posição geográfica vantajosa, certamente valorizada num futuro próximo por um novo eixo viário estruturante, uma área económica dinâmica, uma rede de ensino e formação diversificada, jovem e ainda em expansão, uma imagem externa forte, elites experimentadas.
À entrada deste edifício descerrei uma placa assinalando esta visita e já neste salão nobre foi-me imposta a distinção máxima do concelho. Ao fim de várias dezenas de deslocações a municípios, pode parecer que se trata de um mero ritual.
Asseguro-vos que não é assim. Encaro sempre estes momentos como actos de alto valor simbólico. Não é o Dr. Jorge Sampaio apenas que neles está envolvido, mas o Presidente que é de todos os portugueses, que está apostado em garantir a coesão nacional e dar voz a todos, independentemente das suas opções partidárias ou outras.
Precisamente porque a Presidência da República é um órgão unipessoal, eleito por sufrágio directo, é que lhe cumpre ser um referencial de unidade, de continuidade e espero também que de proximidade. Não me desviarei deste compromisso.
É bom poder prová-lo aqui nesta cidade na hora de homenagem a António Duarte.