A José de Azeredo Perdigã (Na Inauguração do Memorial no Jardim da Fundação Calouste Gulbnkian)

Lisboa
21 de Julho de 1997


Homenagear a memória de quem muito estimámos e admirámos é querer que a lembrança do que foi se renove e o exemplo do que fez se fortaleça e perpetue. É acreditar que a memória prevalecerá sobre o esquecimento e a presença sobre a ausência, pois, como disse André Malraux, a arte é a presença nas nossas vidas daquilo que conseguimos furtar à morte.
Muitas homenagens foram prestadas, em vida e depois que nos deixou, a José de Azeredo Perdigão - das mais públicas e solenes às mais simples e espontâneas. De todas elas, porém, esta que hoje aqui nos reúne é, decerto, das que mais gratas lhe seriam. Isso é evidente para todos e essa evidência é já, em si-mesma, muito eloquente e significativa.
Esta homenagem ser-lhe-ia muito grata, antes de mais, porque é feita por iniciativa da Fundação com cuja existência ele confundiu as últimas décadas da sua vida, tornando a acção que por ela e nela desenvolveu em exaltante destino pessoal.
Ao cumprir-se este acto na presença daqueles que foram seus amigos e colaboradores confere-se-lhe a marca do afecto e da gratidão, mais se pondo em relevo a dedicação total de Azeredo Perdigão ao que foi a grande obra da sua vida.
Depois, porque a homenagem tem como lugar da sua realização esta Sede e este espaço que ele tornou num símbolo de cultura e qualidade, de criatividade e inovação, de beleza e conhecimento. São estas as referências em que ele se reconhecia e é a elas que a sua evocação ficará perenemente ligada.
Mas esta homenagem agradar-lhe-ia sobretudo porque se concretiza numa obra de arte que dá testemunho do nosso tempo e que foi criada por um artista ainda jovem, mas cujo trabalho é reconhecido pela sua originalidade, ousadia e novidade, qualidades que, como sabemos, eram muito apreciadas pelo homenageado. Saúdo Pedro Cabrita Reis e desejo-lhe as maiores felicidades.
A evocação que este memorial faz de Azeredo Perdigão quer representar alguns dos atributos maiores da sua personalidade e da sua acção: a firmeza, a solidez, a permanência, a abertura.
De facto, o dr. Azeredo Perdigão foi um espírito livre e independente, um homem que gostava das coisas belas da vida e que, no essencial, foi fiel às suas convicções e princípios. A longa experiência do Mundo, o trato com homens e mulheres tão diferentes, o conhecimento da relatividade das coisas, a reflexão que foi realizando, deram-lhe uma grande sabedoria que era imediatamente apreendida por quem dele se aproximava. Essa sabedoria era feita de prudência e coragem, perseverança e flexibilidade, argúcia e generosidade, empenhamento e distância.
Foi graças a ela que, na sua vida, enfrentou com estoicismo desgostos e adversidades, glórias e triunfos. Foi com ela que encarou e resolveu tão complexos problemas e tão diversas situações que as mudanças dos tempos e as vicissitudes da história lhe puseram.
De todas as qualidades e atributos que enaltecemos e ilustraram o homem, gostaria, neste lugar e nesta ocasião, de lembrar sobretudo aqueles que tornam o seu exemplo tão vivo e actual. Aberto à diversidade e à mudança, Azeredo Perdigão era uma personalidade vivíssima, um espírito jovem, curioso de conhecer o que não conhecia e de experimentar a novidade.
Homem de uma geração marcada por seguras referências culturais, ele soube, ao longo da vida, evoluir nos gostos e nas concepções, abrir-se ao que aparecia e tinha valor, dinamizar e reconhecer a criatividade e o talento. Tudo isto representava nele um movimento autêntico de abertura e radicava no seu amor pela vida e pela inteligência. Esta é, talvez, a lição mais importante da sua acção e a que mais devemos reter.
Portugal tem para com a sua memória uma enorme dívida de gratidão. Sem a Fundação que Gulbenkian instituiu e a que ele deu forma a nossa paisagem cultural seria bem mais fechada e sem horizonte, sobretudo numa época sem liberdade.
Advogado ilustríssimo, gestor seguro, homem de cultura, a sua vida foi uma vida bem vivida e o que dela nos legou é imenso.
Felicito a Fundação Gulbenkian nas pessoas do seu ilustre Presidente e dos seus Administradores, por esta iniciativa. Agradeço o convite que me dirigiram para estar convosco e a que correspondi com muito honra e gosto.
Azeredo Perdigão escreveu um dia que “a arte não é um fruto estável da criação do homem (...), mas uma actividade em constante evolução ou transformação e nisso está um dos motivos do seu grande encantamento”.
Estas palavras estão inscritas no átrio do Centro de Arte Moderna que tem o seu nome e constituem também a mais bela legenda para este monumento em que o evocamos.
Saibamos, como ele soube, estar abertos ao tempo e atentos às mudanças, nascidos “a cada momento para a eterna novidade do Mundo”, como um dia disse Fernando Pessoa, de quem Azeredo Perdigão foi amigo na juventude e se conservou admirador por toda a vida.