A Herberto de Sousa (Betinho) - (No acto de agraciamento a titulo póstumo)

Rio de Janeiro
11 de Setembro de 1997


Não conheci pessoalmente o Betinho. E só acompanhei, a espaços largos, o seu percurso depois de ele ter alcançado a notoriedade que o inscreveu como uma referência na vida brasileira e internacional.
Ao decidir atribuir-lhe uma condecoração pensei na notável obra feita e no que nela é símbolo de valores que importa publicamente distinguir.
Ao atribui-la hoje, porém, quero dedicar também esta homenagem, ao homem que antes de ser símbolo já era o homem que símbolo foi. Quero dedicá-la à obra que antes de ser noticia já era a obra que noticia foi. E assim louvar nele, e em todos, os percursos anónimos, invisíveis porque não são notícia, mas realidade porque são obra diariamente feita. Quero que este meu gesto, por isso, possa ficar, para a memória dele, como um tributo a toda a sua vida, e, para os outros, como um estímulo ao empenhamento desinteressado em causas, em princípios e em valores.
Ele dedicou o melhor de si a procurar novos caminhos para a solidariedade, a apelar à sociedade para que olhe para si própria e que encontre, em si, mesma, recursos humanos e materiais para que, para além do papel do Estado, ela possa contribuir para minorar o problema da exclusão social. Gostaria, assim, que este meu gesto pudesse ficar também associado a uma homenagem ao trabalho decisivo que em todo o Mundo desempenham as organizações não governamentais.
Hoje, tenho-o dito no meu país, e defendo-o, naturalmente, como um princípio irrenunciável, não há cidadãos dispensáveis, mas também acho que não há esforços dispensáveis. Todos são precisos e todos têm o seu papel a desempenhar, com o seu trabalho, para que outros não vivam como dispensáveis na sua sociedade.
Estas minhas palavras dirigo-as, por isso àqueles a quem ele dedicou a sua vida e a sua obra, e àqueles que, como ele, felizmente, a continuam, aqui e em tantos outros lados, fazendo do seu esforço um esforço indispensável.
Curvo-me, respeitosamente, perante a sua morte e à vida que para além dela fica ofereço o símbolo deste meu gesto. Espero que ele possa ser um contributo para fazer do seu trabalho um exemplo a seguir.
Esta é uma tarefa sem fim, mas ele contribuiu com o seu esforço para por fim a esta nossa convicção fatalista. Ele escreveu com a sua vida o último dia dessa tarefa. Cabe a todos nós que lhe sobrevivemos, no exercício das nossas múltiplas funções, desempenhar o resto da tarefa, assegurar o caminho até esse dia. Foi sua a parte mais difícil: fazer renascer uma esperança.
Eu tenho esperança.