Sessão Solene comemorativa do Dia Internacional da Mulher

Leiria
07 de Março de 1999



Entendi escolher este ano Leiria como sede destas Comemorações Oficiais. Cidade calorosa, de ricas tradições históricas. Cidade dinâmica virada para o futuro e para as exigências que ele hoje nos impõe. Distrito empreendedor, com uma riquíssima actividade empresarial que tem procurado sempre encontrar as formas necessárias de reconversão e modernização do seu tecido produtivo. Onde, por isso mesmo, a temática da “Conciliação entre vida profissional e vida familiar das mulheres e dos homens” encontra exemplos tão ricos.
Quero começar por manifestar a minha gratidão a todos aqueles que contribuíram para a preparação das realizações que vão ter lugar. Devo uma palavra de reconhecimento muito especial à Sr.ª Presidente da Câmara Municipal de Leiria que, com entusiasmo e generosidade, acolheu esta iniciativa e peço-lhe que transmita a todos os trabalhadores da autarquia o meu bem haja pela sua ajuda.
Quero também louvar o conjunto de iniciativas que sobre esta temática estão a desenvolver a Alta Comissária para a Igualdade e a Família, a Presidente da Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres, a Presidente da Comissão de Coordenação do Fundo Social Europeu e a Presidente da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego.
Minhas Senhoras e meus Senhores.
É importante comemorar o Dia Internacional da Mulher olhando, em primeiro lugar, para o Mundo. Isso ajuda-nos a não esquecer que milhões de mulheres vivem sem direitos cívicos nem políticos, nas mais diversas regiões do globo, sob a égide de práticas tradicionais e religiosas que consideramos inaceitáveis.
A diversidade caracteriza a Humanidade e é uma riqueza preciosa. É o reconhecimento da diversidade do outro que faz com que seja hoje possível o convívio em sociedades, como as nossas, cada vez mais multiculturais e multiétnicas.
Mas os direitos humanos fundamentais não são um dado da natureza, nem estão necessariamente pressupostos nas tradições históricas ou religiosas. Os Direitos Humanos corporizam um conjunto de valores que garantem a dignidade individual da pessoa humana. Esses valores devem ter um carácter universal e com eles se devem procurar compatibilizar evolutivamente tradições e práticas culturais. Sempre foi assim. A luta pela consagração desses valores é, por isso, um dever.
Ninguém espere que esses valores se afirmem por si. A sua transformação em direito foi fruto de uma longa e difícil luta, num percurso evolutivo que ainda não está concluído. Encontrou resistências, esbarrou em atavismos culturais. Só uma persistente pedagogia e a necessária coragem legislativa permitem a evolução dos direitos humanos.
Esta realidade é válida quer para lembrar aos Estados que os não consagram o seu dever e a nossa insistência permanente, quer para, no domínio interno, ter consciência do muito que há ainda a fazer.
Podemos, no ano em que se comemoram os 25 anos do 25 de Abril orgulhar-nos do percurso já percorrido. A lei consagra já amplos direitos. A realidade cultural e social, porém, obriga-nos a ter consciência dos desfasamentos entre a realidade do direito e a realidade social.
Esta é uma evidência que só chamo aqui para sublinhar a necessidade de olhar para estas questões não apenas pelo prisma da consagração legal dos direitos.
Práticas sociais dominantes necessitam, para evoluirem, de pedagogia pública, e estas Comemorações são um dos momentos em que a fazemos, tal como necessitam também, de educação cívica e de formação para a cidadania. As escolas, desde muito cedo, devem contribuir para despertar as crianças para os valores de que depende a mudança de atitudes no relacionamento entre os sexos.
Há aqui, em Portugal, um longo caminho a percorrer. Sem ele o desfasamento entre o Direito e realidade social dificilmente diminuirá.
É a par de um trabalho feito neste domínio que o Direito deve continuar a evoluir. O acto de legislar deve ser sempre corajoso porque lhe cumpre encontrar formas inovadoras - e estas nem sempre podem ser consensuais - de consagrar no direito formas de luta contra a desigualdade entre mulheres e homens.
O tema escolhido para as Comemorações deste ano: “Conciliação entre Vida Profissional e Familiar” refere-se a uma realidade a que importa dedicar a maior atenção.“
A “conciliação” é uma nova atitude de empresários e trabalhadores que rompe com a concepção da unidade produtiva fechada sobre si própria e a abre a novas preocupações nas relações com a comunidade e a família.
Porém, não pode ter como pressuposto nem objectivo introduzir práticas que apenas contribuam para aumentar a produtividade das empresas. E deve dirigir-se em condições de igualdade quer às mulheres quer aos homens.
Ela corresponde a uma perspectiva humanista. Ao conciliar melhor a família com o trabalho e a empresa com a comunidade, essas práticas contribuem para um reforço da família, para a possibilidade de dar melhor atenção à educação dos filhos, para novas relações entre trabalhadores e empregadores e para o desenvolvimento do papel não apenas produtivo, mas também social das empresas.
Em Portugal, são ainda poucas as empresas com práticas claras de “Conciliação”. A atenção que vou dedicar ao tema ao longo deste dois dias e o trabalho que tem sido desenvolvido pelo governo, servem como estímulo ao desenvolvimento de práticas empresariais diversificadas e imaginativas que contribuam para novas atitudes nas relações de trabalho e para uma diferente forma de inserção das empresas nas comunidades.
Vivemos com estabilidade política e social e há uma nova percepção de que o desenvolvimento não depende apenas de condições objectivas de produção. Sou realista na constatação do muito que há a fazer. Mas, creio ser possível ir mais além com determinação e rasgo. É necessário aqui, lucidez de todos os membros da comunidade empresarial.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Portugal tem hoje um regime democrático amadurecido e instituições que se consolidaram nestes 25 anos. Tenho procurado chamar a atenção ao longo do meu mandato para duas realidades em que convictamente acredito. Tenho confiança nas instituições da República. Tenho confiança na capacidade de realização dos portugueses.
Entendo, por isso, que é com serenidade que devemos olhar para a conjuntura, reconhecendo, com objectividade, que as instituições estão consolidadas. Este ou aquele episódio não pode pôr em causa o balanço positivo que 25 anos depois do 25 de Abril é possível fazer.
Há sem dúvida, sempre como em tudo, a necessidade de evoluir para que melhor se estabeleça a ligação e reforce a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas. Mas é importante que esse saudável e necessário debate se traduza na criação efectiva de mecanismos que aperfeiçoem o já existente. A ausência de qualquer evolução terá como consequência o maior alheamento do cidadão da participação política.
A forma serena e o rigor institucional com que todos devem exercer as suas funções são condição necessária à dignificação da democracia republicana. Só assim se assegura a isenção. Só assim se dignifica o exercício de funções públicas.
A exigência de transparência em todos os actos do estado e de equidade no acesso aos meios necessários à afirmação dos ideais políticos é cada vez maior. Ainda bem.
Crescente deve ser também a exigência na gestão da informação de que se dispõe em sede de investigação ou instrução de processo. Só assim se assegura o cumprimento da lei. Só assim se salvaguardam os direitos fundamentais a que todos os portugueses, sem excepção, têm direito, seja quais forem as funções, públicas ou privadas, que exerçam.
Aproximamo-nos de um ciclo eleitoral longo, onde os partidos, cumprindo a sua função insubstituível, procurarão afirmar programas, propostas e candidatos. Período em que naturalmente o debate político será mais intenso, cruzando-se estratégias, projectos, exigências e dúvidas. É natural que assim seja. As virtudes do debate aberto são sempre maiores do que os riscos inerentes à confrontação livre e pública de posições opostas.
Fora desse debate está o Presidente da República que não é nem nunca dele será parte. Mas podem também ter a certeza que dele não estou, nem nunca estarei, alheado. Estou atento. Tenho uma magistratura a desempenhar, apelando à serenidade. Existem instâncias próprias consagradas na Constituição e nas leis, com competências específicas para agir nessas circunstâncias. Os aperfeiçoamentos que seja necessário introduzir-lhes dependem dos partidos políticos e da Assembleia da República. E, se o entenderem necessário, haverá tempo para o fazer.
Sei que prevalecerá, como sempre tem prevalecido, a serenidade.
Ao fim de 25 anos fomos capazes de realizar o que muitos então julgaram ser impossível. As nossas instituições estão consolidadas. Os problemas com que se confrontam não resultam de nenhum desfasamento específico do regime português, antes, são comuns às sociedades europeias e às democracias modernas. Isso não lhes diminui a importância. Nem torna menos urgente a necessidade de agir. Mas aconselha também a que não se dramatize desnecessariamente uma realidade que só se transforma com o contributo de todos.
Quando nos reunimos para Comemorar o Dia Internacional da Mulher celebramos uma história de coragem e actos determinados na defesa de direitos fundamentais. Mas comemoramos também o muito que já se fez, para que não se cometa a injustiça, ao sublinhar o que falta, de ignorar o balanço positivo introduzido pelo regime democrático.
Minhas Senhoras e meus senhores,
Este ano, à semelhança do que tenho feito nos anteriores, distinguirei um conjunto de mulheres, através da Imposição de Insígnias das Ordens Honoríficas. Procuro, assim, dar maior visibilidade e valorizar o trabalho das mulheres portuguesas. Espero que este meu gesto sirva de estímulo a uma crescente afirmação individual das mulheres.
Este ano, a par da homenagem prestada a mulheres com carreiras já consolidadas, quis também sublinhar a importância de que se reveste a atenção que devemos prestar às gerações mais novas, aos valores que despontam, a novas áreas de actividade. No fundo, é também para isso que servem as Ordens Honoríficas, para estimular inícios de carreira onde é notória já a afirmação de mérito, para sublinhar sucessos alcançados nacional e internacionalmente ao longo dos anos, ou para consagrar carreiras já consolidadas. Normalmente tende-se mais à consagração dos valores nacionais já afirmados. É um acto de justiça que se faz. Mas entendo que não devo deixar de estimular novos valores e de, assim, contribuir para olhar para o futuro e para aqueles que com a sua determinação e mérito o construirão.
Em nome da República, quero sublinhar o trabalho e mérito que têm evidenciado nas vossas carreiras. Sei que Portugal poderá continuar a contar convosco.