Sessão Solene de Boas-Vindas na Assembleia Legislativa Regional da Madeira

Funchal
21 de Março de 1998


Agradeço sentidamente, Senhor Presidente da Assembleia Legislativa, a recepção que me foi prestada e as palavras de calorosas boas vindas que Vossa Excelência me dirigiu.
Permita-me, Senhor Presidente, que deposite nas suas mãos e na de todos os senhores deputados que representam a população da Madeira e do Porto Santo, o testemunho da minha alegria e prazer pela detalhada visita que nos próximos dias vou ter a oportunidade de fazer a esta Região Autónoma.
Entendo-a e peço-vos a todos que a entendam, não como um momento excepcional de interesse do Presidente da República pela Madeira, mas como uma ocasião de consolidação do interesse constante que dedico à evolução desta Região e uma oportunidade vibrante de contactar e ouvir a sua população.
Outra poderia ser, sem dúvida, a forma de expressar o meu empenho em acompanhar o desenvolvimento da Madeira. Mas, o caracter oficial, a dimensão e solenidade que quis conferir a esta visita são intencionais. Quero que este meu gesto fique como o testemunho formal do significado nacional que o Presidente da República atribui à importantíssima realidade das Autonomias Regionais.
O 25 de Abril, ao implantar o regime democrático, criou condições para consagrar na Constituição da República um Estado unitário regional, permitindo, assim, que os Arquipélagos dos Açores e da Madeira encontrassem na forma de governo autónomo as condições para o seu desenvolvimento.
Os resultados estão à vista. Quem, como eu, sempre se reconheceu na solução autonômica congratula-se redobradamente com os resultados alcançados.
A Autonomia Regional, consagrada na Constituição de 1976, foi condição imprescindível de coesão nacional. Outro Estatuto que não o da autonomia política, em territórios com descontinuidade geográfica com o Continente, teria sido um factor de gravíssimas tensões, que essas sim, minariam a coesão nacional e, no limite, a unidade do Estado.
Creio ser possível dizer que o orgulho de ser português que por todo lado sempre encontrei, quer nos Açores quer na Madeira, se consolidou com a existência de órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas.
É importante olhar serenamente para a história e para o futuro. É útil procurar ultrapassar o tumulto das circunstâncias, que tantas vezes nos fazem tomar o acessório pelo essencial.
Não é vantajoso confundir as vicissitudes do processo de consolidação das Autonomias Regionais com o seu valor intrínseco e com a sua importância para o futuro de Portugal. Não serei eu a iludir as tensões que, aqui e ali, por vezes desnecessariamente, pontuaram o processo de evolução das Regiões Autónomas. Todavia, olhando serenamente para a historia, convém lembrar que a herança política e cultural da ditadura era a de um Estado fortemente centralizador. É ao arrepio dessa tradição e entre a complexa situação político-económica que o país viveu nas décadas de setenta e oitenta que o regime autonômico teve de se impor.
Afirmo, por isso, sem hesitações: na sua essência, e é isso que importa, o processo de consolidação das Autonomias regionais e a evolução do seu Estatuto é francamente positiva.
A revisão constitucional de 1997 consagra uma nova realidade política fruto de uma evolução de vinte anos. Tal com a entendo, a nova Constituição marca um ponto de viragem que é preciso ser plenamente entendido e interpretado por todos.
A nova Lei Fundamental introduz o princípio da subsidiariedade, como critério orientador da repartição de competências entre o Estado e as regiões Autónomas, o reconhecimento expresso do caracter ultraperiférico dos Açores e da Madeira, o alargamento do poder legislativo regional, novas soluções em matérias de finanças regionais, a consagração do referendo regional, um novo estatuto para o Ministro da República e amplia os poderes do Presidente da República, conferindo-lhe a faculdade de dirigir mensagens às Assembleia Legislativas Regionais.
São alterações de enorme alcance e significado. A distribuição de poderes e competências é hoje mais clara e mais equilibrada. Não quero com isto dizer que esta revisão marca um ponto final de chegada. Sempre fui de opinião que os processos de articulação entre poder central e poderes regionais têm de ser flexíveis e dinâmicos, permitindo acomodar gradualmente os diversos patamares de evolução dos Estados e de desenvolvimento das sociedades. È esse caracter dinâmico e só ele, que permite amortecer as tensões regionais e preservar a coesão nacional.
Nada pior do que as perspectivas imobilistas que consideram que a resistência à evolução e à mudança são o que melhor acautela o interesse de Portugal. Mas nada pior, também, do que a perspectiva daqueles que entendem que o que melhor consolida a identidade autonômica é o seu conflito permanente com o Governo da República. Quer uns, quer outros, prestam um mau serviço ao país. Reconheço, felizmente, que são cada vez menos aqueles que assim pensam. E esse é um sinal positivo.
Entendo que a fase de consolidação das autonomias está concluída e que se iniciou uma outra, onde o novo figurino constitucional deverá ser serenamente posto em prática.
Só uma perspectiva aberta, sensatamente contratualizada, permitirá que o poder central e os poderes regionais, sem perspectivas fechadas de parte a parte, aprofundem, na prática, os grandes princípios enunciados na nova Constituição. Creio que só essa perspectiva aberta permitirá desenvolver uma nova geração jurisprudencial sobre a interpretação e extensão dos poderes agora consagrados na Constituição.
Quero saudar o Senhor Ministro da República, que há poucos meses iniciou as suas funções num novo quadro constitucional que ninguém melhor do que ele, constitucionalista exímio, conhece.
Como se tem verificado, o ponderado desempenho das importantes funções que lhe estão confiadas é factor fundador de um relacionamento moderno, assente no diálogo aberto com todos, que só poderá trazer proveito à Região e à República. Os meus sinceros votos, Senhor Ministro, do maior sucesso para o exercício da suas funções.
Quero prestar, com a solenidade que esta cerimónia permite a minha homenagem ao Povo da Madeira e do Porto Santo.
Homenagem à sua tenacidade e esforço, à persistência com que lutaram para procurar ultrapassar, nos últimos vinte anos, tantas e tantas carências que marcavam a vida destas terras à data do 25 de Abril. Era uma vida dura e sacrificada, com limitados horizontes de progresso que levou tantos madeirenses e portosantenses a procurarem na emigração a esperança de um futuro melhor. Foram muitos milhares os portugueses que daqui foram forçados a partir, constituindo, na Venezuela, na África do Sul e noutros países, importantes Comunidades Portuguesas de que todos legitimamente nos devemos orgulhar.
Tive, aliás, a oportunidade e o prazer de poder contar com a presença de V.Exa, Senhor Presidente, a título próprio, mas também em representação desta Assembleia, na viagem de Estado que fiz á República da Venezuela e em todos os contactos que durante ela tive com a Comunidade Portuguesa. Quero aproveitar estar oportunidade para vos dar testemunho da importância que para o Presidente da República teve a possibilidade de dispor da presença do mais alto representante dos Órgãos de Governo próprio da Região.
A emigração quase nunca é uma opção de quem pode livremente escolher. A emigração é uma condenação imposta por um país aqueles a quem esse país não é capaz de garantir horizontes de vida digna para si e para a sua família. Devemo-nos orgulhar do prestígio que as Comunidades Portuguesas grangearam pelo mundo fora, mas devemos igualmente prestar homenagem àqueles que pelo seu esforço e dedicação, contribuem para ultrapassar as condições adversas que forçaram tantos a partir.
Honra ao povo da Madeira que nas últimas décadas tanto fez para ultrapassar o precário estádio de desenvolvimento vigente antes do 25 de Abril.
Serei o último a ignorar que subsistem ainda desigualdades profundas, carências extremas, problemas por resolver e novos desequilíbrios, fruto, entre outras razões, de taxas elevadas de concentração urbana e da retracção do sector primário tradicional.
Quero, por isso, transmitir a V.Exa, senhor Presidente do Governo Regional, a expressão do meu incentivo a todos os esforços que o governo esteja ou venha a desenvolver para ultrapassar os problemas que subsistem. Pelo empenhamento de V.Exa fala uma obra de vinte anos, repetidamente sufragada pelo sufrágio popular, pela qual tenho a maior consideração e que transformou decisivamente a realidade económica e social da Madeira.
A vitalidade de um povo e a qualidade de um regime são também feitas da possibilidade de dispor de escolhas plurais e da capacidade de as interpretar, para melhor compreender as múltiplas opções que se podem oferecer ao desenvolvimento de uma sociedade. É aos partidos que cabe assegurar a pluralidade de perspectivas para o governo da Região e, nesse sentido, contribuir para a qualidade da democracia e para o desenvolvimento.
Saúdo, por isso, todos os grupos parlamentares. Faço-o com a responsabilidade do Chefe de Estado que deve incentivar e assegurar condições de pluralismo e estimular a qualidade do debate político, como condição da preservação dos valores democráticos junto dos portugueses. A democracia é, também ela, um processo evolutivo que deve estar em aprofundamento constante, sob pena de o regime se transformar, aos olhos da população, numa liturgia onde não importa participar porque a escolha e a alternância não têm condições de livre exercício.
Mas saúdo-vos, também, com a saudade do ex-parlamentar que viveu anos vibrantes da sua vida no hemiciclo da Assembleia da República e que aqui vem encontrar hoje deputados do Parlamento nacional, a quem quero agradecer o interesse que manifestaram em acompanhar a minha visita.
Senhor Presidente da Assembleia Legislativa,
As minhas últimas palavras são para si. Para lhe agradecer, uma vez mais, a saudação que me dirigiu. Mas, sobretudo, para sublinhar a importância pessoal e política que a ela atribuo.
V.Exa revelou, como sempre, uma fina sensibilidade humanista, onde tão bem me reconheço, ao chamar à atenção para o facto de que o que importa, mais do que o valor do dinheiro e da meritocracia, é a possibilidade de cada indivíduo se poder libertar, permita-me que o cite, “dos entraves ao direito de viver dignamente e em segurança, de ter trabalho, de poder ser feliz”.
Esta deve ser efectivamente a preocupação de quem governa. Por isso, me associo ao alerta que V.Exa aqui deixou expresso e que me permito sublinhar: “Não nos podemos quedar apenas na contemplação ou na interiorização dos ideais autonomistas” alheados das vulnerabilidades a que estamos expostos e que exigem um esforço permanente que assegure às novas gerações um desenvolvimento equilibrado e sustentado.
Confio no povo da Madeira e ofereço, no trabalho de assegurar esse futuro, o estímulo que possa representar o meu interesse empenhado e a proximidade que procurarei sempre ter em relação aos seus anseios, problemas e realizações.
Viva a Madeira!
Viva Portugal!