Sessão Solene de Abertura do Ano Académico do Instituto Politécnico de Viseu

Viseu
13 de Novembro de 1998



É com muito prazer que me associo a esta cerimónia que marca a abertura do ano académico 1998/1999. Quero nesta ocasião felicitar o Instituto Politécnico de Viseu e as suas escolas pelo trabalho que têm realizado. Quero também sublinhar a importância que o ensino superior politécnico adquiriu no nosso país, em particular nas regiões do interior.
Habituámo-nos durante muitos anos a considerar o ensino superior como um privilégio reservado a uma minoria. No meu tempo de estudante, nas décadas de 50/60, éramos cerca de 20.000 alunos, concentrados nas Universidades de Coimbra, Lisboa e Porto. Hoje, este número aproxima-se dos 400.000 alunos, inseridos em 14 universidades públicas, em 15 institutos politécnicos e em mais de uma centena de instituições do ensino superior particular e cooperativo.
Estes indicadores traduzem uma evolução de enorme significado, e insere-se num quadro de transformações possibilitadas e aceleradas , é importante dizê-lo, pela Revolução do 25 de Abril de 1974, de que se começam agora a comemorar os 25 anos.
A referência ao 25 de Abril de 1974, que aqui associo à reflexão sobre as perspectivas actuais do ensino superior, tem duas justificações que gostaria de enunciar.
Reside a primeira no facto tantas vezes enunciado de à maioria dos jovens portugueses, como é natural, a Revolução que nós vivemos intensamente, lhes surgir como coisa antiga, apenas revisitada em imagens de televisão a preto e branco - o que certamente contribui para reforçar o o caracter remoto dessa data do 25 de Abril. E, por isso, se perde, frequentemente, o nexo essencial que existe entre essa data e a efectiva modernização, em todos os aspectos, da sociedade portuguesa contemporânea.
A segunda justificação pode resumir-se do seguinte modo: entendo que o Ensino Superior, Universidades e Institutos Politécnicos, estão em condições de desempenhar um papel essencial na construção de uma visão moderna e aberta das Comemorações dos 25º aniversário do 25 de Abril. E este desafio julguei oportuno deixá-lo aqui no Instituto Politécnico de Viseu.
Quero, por isso, deixar aqui um apelo a todas as instituições do ensino superior para que encarem esta comemoração como uma prioridade do seu trabalho de investigação e um instrumento pedagógico essencial para os próximos anos. Mas não ficaria bem com a minha consciência se, ao lançar aqui este apelo, não partilhasse convosco igualmente um pouco do modo como gostaria que se vivesse esta comemoração.
Gostava, em primeiro lugar, que as comemorações fossem participadas e organizadas, em grande medida, pela sociedade civil, e pelas suas organizações.
É sem dúvida ao Estado que cabe a responsabilidade maior de promover a celebração desta data. Mas deverá fazê-lo com espírito aberto, respeitando iniciativas autónomas e, sobretudo, apelando a Universidades e Politécnicos, Organizações e Parceiros Sociais, Partidos políticos, autarquias, empresas, associações cívicas, o conjunto das escolas, as Comunidades Portuguesas, para que participem na celebração dessa data, com os olhos postos no futuro, ou seja, nas novas perspectivas da democracia, dos direitos e do desenvolvimento, no quadro da transição de Portugal para o próximo milénio
Gostava, por isso que essas Comemorações decorressem ao longo de dois anos e não se concentrassem num só dia.
Agrada-me a ideia de um ciclo amplo, que ao longo dos próximos dois anos se desdobre em inúmeras iniciativas, estudos e publicações, que contribuam para dotar o país de uma reflexão partilhada sobre os desafios que se nos colocam nos próximos vinte e cinco anos e a forma de os enfrentar.
Gostava que estas comemorações habilitassem o país a formar um olhar sobre o futuro, e não apenas a organizar um elenco de reflexões e documentos sobre esse fascinante passado de há 25 anos.
Porquê? Porque a melhor homenagem aos homens que fizeram a Revolução é criar ao país uma nova oportunidade reflexiva sobre o futuro nacional, tal como há 25 anos eles nos permitiram a nós a oportunidade de rasgar os horizontes da democracia e da modernização de Portugal.
Gostava, por último, que este fosse o momento de passagem do testemunho para as novas gerações.
Proponho que estas comemorações se debrucem sobre o tema "Portugal a Democracia e o Desenvolvimento".
E que num Mundo, abalado por incertezas e atravessado por perspectivas contraditórias sobre a globalização, nós pudéssemos, em Portugal, apurar um consenso em torno de um conjunto de valores que assegurem a qualidade da democracia, a constância do esforço de desenvolvimento e o reforço das práticas de solidariedade social. É essencial reflectir sobre os novos desafios do desenvolvimento e da democracia.
O panorama do ensino superior transformou-se profundamente nas últimas duas décadas. Mas é preciso reconhecer que estas mudanças têm trazido novos problemas para os quais é urgente encontrar as soluções mais adequadas.
Nesta minha intervenção, farei referência a três aspectos principais relativos à evolução e momento actual do tema: a expansão do ensino superior, o modo como se desenvolveram as redes do ensino universitário e do ensino politécnico e a necessidade de reforçar os dispositivos de avaliação.
Já coloquei em destaque a relevância social da expansão do ensino superior, que abriu as Universidades e os Politécnicos a novos públicos, em particular a estudantes oriundos de famílias menos favorecidas. Uma presença muito mais significativa das mulheres e a diminuição dos desequilíbrios regionais constituem elementos positivos desta mudança.
Hoje em dia, a população escolar no ensino superior corresponde a cerca de um terço dos jovens portugueses com idades compreendidas entre os 18 e os 24 anos. Estamos perante uma realidade nova, que altera a face deste nível de ensino, o qual deixa de ter apenas objectivos de formação das elites e tende a constituir uma etapa no percurso de formação da maioria dos jovens.
É um processo que importa prosseguir com determinação. Apesar das transformações recentes, Portugal possui ainda grandes défices educativos, nomeadamente em comparação com os restantes países europeus.
É indispensável continuar o esforço nacional em curso de investimento na formação de bacharéis, de licenciados, de mestres e de doutores.
O Estado tem um papel essencial a desempenhar ao nível da definição de políticas e do financiamento do ensino superior. Mas, a par do esforço do Estado, é essencial o contributo dos estudantes e das famílias.
Para além do acolhimento de alunos jovens, o ensino superior deve também receber novos públicos, proporcionando às gerações adultas uma "segunda oportunidade" educativa. É preciso adaptar a estrutura do ensino superior à filosofia de uma "educação ao longo da vida". As conclusões da Conferência Mundial da UNESCO sobre o Ensino Superior, realizada em Paris no passado mês de Outubro, apontam claramente para uma maior abertura e flexibilidade do ensino superior.
É essencial, por isso, que se encontrem novas modalidades de organização e de funcionamento que garantam elevados níveis de exigência, mas que permitam uma maior flexibilidade na frequência dos cursos, nos percursos de formação e nos modos de ensinar e de aprender.
No nosso país, os fenómenos de repetência e de abandono têm ainda uma expressão inaceitável no ensino superior.
Torna-se, por isso, imprescindível estimular formas inovadoras de ensino, designadamente através da utilização das novas tecnologias de informação e de comunicação, mas também do recurso a práticas de orientação e de enquadramento académico dos alunos, da melhoria do acesso a laboratórios, bibliotecas e centros de investigação.
Não consigo conceber a vida estudantil sem uma referência constante aos valores da humanização e sem uma participação regular em actividades associativas, artísticas e culturais. O tempo de estudante é essencial para o nosso futuro como pessoas e como cidadãos. O ensino superior é um espaço de cultura, no sentido mais amplo do termo: cultura científica e tecnológica, cultura humanista, cultura artística e literária.
As instituições estão hoje colocadas perante uma questão de fundo: como conceber uma formação de elevado nível científico e profissional, que tenha em conta os interesses, capacidades e a diversidade cultural de um número cada vez maior de estudantes?
A questão exige naturalmente de todos o maior empenhamento e o maior rigor na preparação e na execução das respostas.
Em segundo lugar, gostaria de manifestar, uma vez mais, reconhecimento pela acção realizada no âmbito do ensino politécnico em Portugal.
Nele têm ocorrido de inovações de grande significado, designadamente no que diz respeito às relações entre o ensino, a ciência, a tecnologia e o desenvolvimento.
Também ao nível da estruturação dos cursos é importante valorizar as experiências nele promovidas de ligação ao mundo do trabalho e de integração de estágios práticos na formação inicial. São processos que contribuem para uma formação de cariz mais prático e mais adequado ao desenvolvimento de competências profissionais.
Albergando cerca de um terço dos alunos do ensino superior público, o ensino politécnico tem contribuído, de forma muito significativa, para o alargamento da oferta de formação. Registo, em particular, as novas possibilidades que se abriram para alunos das regiões do interior, e para muitos jovens oriundos de famílias com menores recursos económicos.
No momento da sua criação, há cerca de vinte anos, o politécnico afirmava objectivos claramente distintos do universitário. A sua vocação dirigia-se para formações profissionalizantes e para uma maior ligação às regiões e ao seu desenvolvimento.
No entanto, é preciso reconhecer que estas diferenças se atenuaram consideravelmente nos últimos anos. Os objectivos iniciais do ensino politécnico tendem a ser hoje assumidas pelo ensino superior em geral.
Em Portugal com excepção da investigação científica e da pós-graduação, as Universidades e os Politécnicos aproximaram-se, no que diz respeito ao perfil dos cursos e à concessão dos graus académicos. Esta proximidade tem, por vezes, efeitos positivos, ainda que conduza a um esbatimento das fronteiras.
Na minha opinião, é muito importante que se reforce a identidade do ensino superior politécnico, no quadro de objectivos específicos designadamente através da valorização de experiências positivas e de modalidades próprias de organização.
As alterações à Lei de Bases do Sistema Educativo introduzidas em 1997, contribuíram sem dúvida para a dignificação do ensino politécnico. Durante o último ano lectivo desenvolveu-se um trabalho intenso ao nível do Governo e das instituições para a aplicação dessas alterações. Importa seguir com atenção as novas soluções encontradas visando designadamente reforçar a especificidade das licenciaturas do ensino politécnico.
A definição de novos rumos exige um melhor conhecimento do ensino superior e, em particular, das inovações introduzidas pelo ensino superior politécnico. Processos como a formação em alternância, a inserção no mundo do trabalho ou a ligação às realidades regionais que fazem parte do quotidiano de muitas escolas politécnicas deveriam ser objecto de estudo e divulgação.
O tempo actual é pois de balanço e reflexão sobre o futuro.
É importante concertar esforços para a definição da rede do ensino superior de modo a potenciar e articular recursos humanos e físicos existentes.
É urgente realizar estudos que dêem a conhecer a situação do ensino universitário e do ensino politécnico, que justifiquem a pertinência de manter o "sistema binário", que tracem um diagnóstico rigoroso do estado das instituições públicas, particulares e cooperativas e concordatárias.
Hoje, mais do que nunca, precisamos de um ensino superior de grande qualidade, actualizado, de professores dedicados e competentes, de escolas que contribuam para a formação integral dos jovens, no plano científico, cultural e cívico.
Hoje, mais do que nunca, precisamos de instituições que contribuam para um desenvolvimento equilibrado do país, diminuindo as desigualdades entre as diversas regiões, de forma a que haja uma maior igualdade de oportunidades no acesso ao ensino superior.
As referências anteriores conduzem-me ao terceiro ponto da minha intervenção, sobre a necessidade de reforçar uma cultura de avaliação no ensino superior.
Nas últimas décadas, a expansão do ensino superior obrigou a um esforço muito importante do Estado e dos portugueses. Apraz-me salientar o investimento realizado em estruturas físicas, bem como o cuidado posto em novas construções e na recuperação de edifícios antigos. Gostaria também de chamar a atenção para os meios financeiros que foi indispensável canalizar para este nível de ensino, para o desenvolvimento da Acção Social Escolar, bem como a atenção concedida à realização de mestrados e de doutoramentos.
Agora, impõe-se consolidar uma cultura de avaliação, que permita corrigir erros e desvios, contribuindo para a definição de uma política adequada de desenvolvimento do ensino superior.
- Nesta ocasião, quero referir-me à necessidade de reforçar os dispositivos de avaliação dos professores, em ligação com uma melhoria da sua formação pedagógica e científica e com uma revisão do seu estatuto que possibilite uma maior dedicação ao ensino e à pesquisa;
- A avaliação dos cursos é também uma exigência inadiável, no sentido de compreender a sua pertinência, os métodos pedagógicos adoptados e as formas de acompanhamento dos alunos, pondo cobro a situações sistemáticas de repetição e de abandono. É importante que as instituições assumam os resultados dos processos de avaliação e os integrem em dinâmicas de mudança;
- A organização e o funcionamento das instituições têm de ser objecto de uma rigorosa avaliação interna e externa. Parece-me que chegou o momento de fazer um balanço do actual modelo de gestão, com quase vinte anos, bem como das leis da autonomia;
- Finalmente, não podemos deixar de encontrar formas de regulação do ensino superior no seu conjunto, que contribuam para um desenvolvimento mais equilibrado das redes do universitário e do politécnico.
Entendo a avaliação como um elemento essencial de responsabilização na vida das escolas do ensino superior. É importante que ela seja assumida como um processo participado, que leve cada um a melhorar a sua acção científica, profissional e institucional.
A democratização do ensino superior é um motivo de regozijo para todos nós. Mas não podemos esquecer que, neste processo, nem sempre se respeitaram as lógicas de formação, se definiram prioridades regionais ou se adoptaram os critérios científicos mais adequados. Percorreu-se um longo caminho, talvez num tempo demasiado curto. Temos de construir o futuro tirando lições da avaliação, valorizando experiências positivas e articulando recursos.
É necessário um compromisso de todos na dignificação do ensino superior tanto público como privado.
Programada há meses, esta deslocação a Viseu ocorre poucos dias após a realização de uma importante votação popular.
Esta ocasião e este local, com a agenda que lhe está associados, constituem uma oportunidade indicada para dirigir algumas palavras a propósito do acto referendário que convoquei e cujo papel na vida política portuguesa sublinhei insistentemente. Permitam-me que o faça, por breves instantes.
Em primeiro lugar desejo pôr em relevo que democracia funcionou. Os portugueses entenderam a importância da questão que lhes foi posta, votaram e deram uma indicação clara sobre a sua vontade.
Os órgãos representativos tiraram da votação e do seu alcance as necessárias consequências.
Entendo que do debate intenso e plural efectuado há porém que reter duas notas de grande valor político.
A primeira é o acordo manifestado em torno da reforma do Estado, tanto no sentido da descentralização administrativa como no da desconcentração dos serviços periféricos. Essa reforma foi reclamada em nome do combate contra as desigualdades e pela aproximação entre a administração pública e as populações.
Os municípios deverão preparar-se para receber novas competências, na sequência natural do fortalecimento do poder autárquico local que se tem afirmado como uma peça essencial da democracia e do desenvolvimento.
Acredito no entanto que os passos a dar o devem ser sem precipitações. Qualquer medida reformadora deve ser precedida da criação de condições indispensáveis para um largo consenso.
Não podemos desperdiçar o consenso obtido. Mas também não podemos transformar estas matérias em arma de arremesso da disputa política. Não o compreenderiam as populações e os territórios que exigem mais equidade. Não seria justo para todos aqueles que todos os dias se encontram na primeira linha do esforço pela promoção das gerações e pela valorização dos recursos disponíveis.
Regresso aos temas que abordei na minha intervenção. Quis transmitir-vos algumas das minhas preocupações sobre o ensino superior. Assinalei o ciclo de expansão deste sector, iniciado há cerca de trinta anos. Procurei situar alguns problemas de articulação da rede das instituições universitárias e politécnicas, tal como se desenvolveram nas últimas duas décadas. Finalmente, interroguei-me sobre o exercício da autonomia, tal como foi aprovada há dez anos, e sobre a necessidade de consolidar uma cultura de avaliação.
São três ciclos que se fecham no ensino superior em Portugal. A hora é de reflexão e de balanço mas também de grande esperança.
Grande parte do futuro do nosso país joga-se nas decisões que tivermos a coragem de tomar quanto à concepção do ensino superior, à gestão das instituições, à definição da carreira docente e à consolidação de processos de avaliação.