Reunião do Senado da Universidade da Madeira

Funchal
24 de Março de 1998


É com muito prazer que me encontro no Senado desta Universidade que dentro de poucos meses completará dez anos de existência. Com a minha presença, pretendo manifestar o apreço que tenho por esta instituição e pela acção que tem realizado em prol do desenvolvimento científico na Região Autónoma da Madeira.
O ensino superior tem um papel decisivo na democratização da sociedade, no desenvolvimento económico e na valorização da identidade cultural.
Ao contribuir para o reforço da autonomia regional, esta Universidade consolida-se ela própria no espaço do ensino e da ciência, reconhece-se como parte de um espaço regional, comprometendo-se no seu desenvolvimento.A sua importância é, por isso, acrescida.
A criação em 1988 da Universidade da Madeira faz parte do processo de democratização do ensino superior que teve lugar nas últimas décadas. Muito se fez já no sentido de uma maior abertura social no acesso ao ensino superior, de uma redução das desigualdades regionais ou de uma presença mais significativa das mulheres no espaço universitário. São movimentos que é preciso continuar, tomando medidas que tenham em atenção a mudança do perfil socio-económico dos estudantes.
A Acção Social Escolar é, a todos os títulos, uma área particularmente importante para a criação de condições para que todos os jovens possam frequentar o ensino superior.
Apesar das transformações recentes, Portugal possui ainda taxas relativamente baixas de escolarização no ensino superior e continua, portanto a ter um défice de qualificação académica da população trabalhadora. Importa, por isso, prolongar um esforço nacional de investimento e de expansão deste sector. O esforço do Estado nesta área tem de continuar. Mas a par deste problema, subsiste a questão de saber se as formações oferecidas pela Universidade correspondem às necessidades económicas e sociais do país. Este é um debate mais difícil, mas que não pode ser evitado.
Há sinais preocupantes sobre a forma como tem evoluído a relação entre as instituições públicas e privadas. Há situações difíceis na definição das redes do ensino politécnico e do ensino universitário. Há uma pulverização de cursos (cerca de 2000), o que acarreta problemas complicados aos estudantes e aos empregadores. Há aspectos graves no exercício da docência universitária, nomeadamente no que diz respeito à acumulação de funções em várias instituições.
Algumas destas evoluções têm facilitado uma expansão da rede do ensino superior sem critérios claros e pertinentes. E têm contribuído para uma menor identidade de muitas instituições, nomeadamente por via de uma diluição dos compromissos académicos dos seus docentes.
A Universidade não é, apenas, um lugar onde se dão e onde se recebem aulas. É uma comunidade de trabalho e de pensamento.
Conheço e aprecio os esforços que têm sido feitos pelo Governo e pelas Universidades. Mas não posso deixar de vos confessar a minha preocupação e de convidar este Senado, tal como já o fiz noutras Universidades, a uma reflexão de fundo sobre o sentido do trabalho universitário.:
Como é que hoje, ultrapassadas as perspectivas de perfis de formação demasiado especializados, se assegura uma formação global, de alto nível cultural e científico, aos jovens que frequentam a Universidade?
Como é que se podem abrir as portas do ensino superior, de modo a dar uma “segunda oportunidade” a muitos adultos, melhorando assim os níveis de escolaridade dos portugueses?
Como é que se reforçam as dimensões de investigação e de produção do conhecimento, numa altura em que o quotidiano universitário está invadido por um frenesim de tarefas e de actividades?
Como é que se reforçam as lógicas de estudo individual, de partilha do saber, de acesso à informação e de acompanhamento pedagógico, de forma a dar respostas adequadas às novas populações estudantis?
Como é que se harmonizam as relações entre a Universidade e o mundo do trabalho, sem cair num puro “economicismo”, o que obriga a mudanças no plano universitário mas também a alterações de fundo na organização das empresas e da vida económica?
Estas são apenas algumas questões, entre tantas outras que é urgente não perder de vista. O contexto desta visita, não é o momento mais propício para debater um diagnóstico exaustivo. Terei muito gosto em aqui voltar, um dia, para vos ouvir detalhadamente sobre estas questões.
Hoje o regime vigente é o da autonomia universitária. Tratou-se de uma decisão histórica, que tem permitido importantes evoluções nos últimos dez anos. Mas chegou um tempo de balanço.
Quero chamar a atenção para a necessidade de consolidar práticas de avaliação das Universidades. Todos sabemos que em Portugal não há uma cultura de avaliação solidamente firmada. Tradicionalmente, o controlo era exercido de forma administrativa ou burocrática por um poder estatal centralizado.
Hoje em dia, com a autonomia universitária, é urgente criar dispositivos de avaliação e de regulação que substituam os tradicionais controlos administrativos. E que criem condições para uma avaliação participada, interna e externa, das Universidades. Sob pena de o desenvolvimento da rede do ensino superior se fazer ao sabor de interesses corporativos, locais ou económicos sem qualquer relação directa com estratégias de desenvolvimento do país.
Quero, aliás, aproveitar a grata oportunidade de me encontrar neste Senado para sublinhar a importância nacional que tem atribuo ao esforço realizado por esta Universidade no domínio das Matemáticas. Esse trabalho é reconhecido no país precisamente através de um processo de avaliação. Portugal tem um grave défice neste campo científico.
Permitam-me que individualize a qualidade do trabalho aqui realizado neste domínio, sem desdouro para nenhum outro departamento. Faço-o pela dimensão que atingem as nossas carências nesta área, é como estímulo ao trabalho nacional que é necessário fazer. Este é um factor acrescido de valorização desta universidade.
Termino com uma palavra muito especial de apreço para com a Universidade da Madeira. Sei que continuarão a cumprir a vossa missão científica e cultural. Sei que continuarão a ser um esteio da autonomia e a participar no desenvolvimento desta Região. Em nome do país, quero exprimir-vos o meu reconhecimento e manifestar-vos o meu apoio e a minha solidariedade.