Sessão de Encerramento das Jornadas Empresariais da Associação Industrial Portuense

Santa Maria da Feira
20 de Novembro de 1998


No encerramento destas Jornadas Empresariais Portuguesas gostaria, em primeiro lugar, de felicitar a Associação Industrial Portuense pela iniciativa que em tão boa hora decidiu efectivar, e também pelo patente êxito que esta realização obteve.
Tiveram lugar debates de elevado nível com peritos nacionais e estrangeiros de grande qualidade e, o que infelizmente não é regra no nosso País, houve tempo suficiente para se amadurecerem ideias de forma a que os debates finais pudessem beneficiar do intenso trabalho realizado durante os meses anteriores.
Enquanto Presidente da República, não posso deixar de me regozijar com a constatação, que mais uma vez faço, de que os empresários portugueses estão bem conscientes dos desafios que enfrentamos e das oportunidades que se nos oferecem.
Estamos hoje efectivamente num momento histórico de grande significado para o futuro do nosso desenvolvimento económico. Por razões externas e internas.
Do ponto de vista externo convém recordar as enormes mudanças realizadas desde a nossa adesão à então Comunidade Económica Europeia, há pouco mais de doze anos.
O impacte que, no imediato, terá sido o mais significativo foi o que se fez sentir nas nossas relações económicas com a Espanha.
Até aí vizinhos, mantendo excelentes relações, mas de costas voltadas neste domínio, passámos a ter um relacionamento económico muito mais estreito e normal entre países vizinhos: a Espanha passou a ser o nosso maior fornecedor e um dos nossos maiores clientes.
Empresas e grupos portugueses investiram significativamente em Espanha, e o mesmo sucedeu com empresas e grupos espanhóis.
O caminho foi aberto e os resultados quase imediatos. No entanto, doze anos é um período curto na história dos povos, o que significa que temos à frente ainda muito mais oportunidades de intensificação das nossas relações económicas com Espanha, e, espero, a intensificação do investimento português em Espanha.
Mas não foram só as relações bilaterais com numerosos países que sofreram uma transformação profunda.
Desde há doze anos, que caminho não foi percorrido pela Comunidade Económica Europeia e pela nascente União Europeia!
Foi a realização do mercado interno, com as liberdades de circulação de pessoas, bens, serviços e capitais.
E especialmente esta última obrigou a transformações de grande significado no nosso sistema financeiro e na própria forma de conceber e executar a política económica em geral.
Foi a criação da União Europeia, com objectivos de grande alcance a nível político sustentados pela realização de uma verdadeira união económica e monetária baseada numa moeda única europeia.
Foi, finalmente, o processo de convergência que permitiu a decisão final sobre a moeda única e a nossa entrada no primeiro grupo de países que a vão adoptar, a partir já de Janeiro próximo.
As mudanças não se fizeram sentir apenas no espaço europeu.
A globalização da economia deu passos acelerados na última década e os acordos do Uruguay Round e a criação da Organização Mundial do Comércio consagraram definitivamente a liberdade de comércio a nível mundial.
Tudo isto sucedeu num contexto político internacional completamente transformado pelo fim da guerra fria e pelo desagregar do bloco soviético.
Raramente se encontra um período histórico em que as mudanças sejam tão rápidas e tão profundas, pondo em causa não só o modo de funcionamento das economias, como levantando questões de âmbito mais vasto, de política geral, como sejam a redefinição do papel dos estados nação e dos processos de integração regional na nova arquitectura política que se pretende construir a nível mundial.
E, como sempre sucede quando as mudanças são rápidas, surgem situações de instabilidade e naturais perplexidades a nível dos agentes económicos e dos cidadãos em geral.
No curto prazo atravessamos uma dessas situações instáveis. Tenho, no entanto, para mim que um reforço da cooperação entre os países da União Europeia, e destes com os restantes países mais prósperos, permitirá encontrar um conjunto de acções concertadas que possibilitará a reposição da estabilidade necessária para um são desempenho das economias.
Detive-me até agora nas mudanças externas, que criam, para o nosso País, uma envolvente nova. Mas também a nível interno atravessamos hoje um período particularmente significativo.
Atingimos com efeito uma situação, também ela nova, no que respeita às nossas potencialidades.
O desenvolvimento operado no País nas duas últimas décadas permitiu um salto qualitativo de grande importância na transformação da nossa posição competitiva.
Esgotámos as vantagens que decorriam da nossa condição de país subdesenvolvido. Não mais podemos confiar num crescimento baseado em mão de obra barata e pouco qualificada. E ainda bem.
Começamos hoje a dispôr, principalmente a nível das novas gerações, de trabalhadores qualificados e mais aptos a poder aprender durante toda a sua vida activa, característica essencial no período de grande mutação tecnológica que atravessamos.
Os nossos sistemas de ensino e formação profissional são frequentemente criticados e algumas vezes as críticas serão, porventura, justificadas.
Mas isso não nos pode levar a criar uma perspectiva errada, esquecendo o enorme progresso que representou atingir taxas de escolaridade próximas do nível médio europeu, ou omitindo o intenso esforço de formação profissional, sendo certo que, ainda num passado recente, a maior parte da nossa mão de obra era analfabeta, ou quase, e que a formação profissional era praticamente inexistente.
Julgo ser também patente uma enorme mudança a nível da nossa classe empresarial.
E não falo apenas de acontecimentos como estes, que tão bem expressam essa mudança.
Desde que exerço estas funções, como sabem, tenho percorrido incessantemente o País e não deixo, em cada região que visito, de avaliar o estado da actividade empresarial.
É uma norma que a mim próprio me impus e que tenho seguido à risca.
Pois tenho verificado que, mesmo em zonas supostamente mais deprimidas ou isoladas, existe hoje uma abertura para a inovação empresarial e uma consciência da necessidade de mudança que constitui, a meu ver, uma enorme transformação de atitudes e um trunfo que devemos aproveitar.
Temos, portanto, condições para encontrar e desenvolver novas vantagens competitivas que substituam as que se esgotaram devido ao nosso próprio êxito no processo de desenvolvimento.
Um outro aspecto digno de realce na mudança de atitudes empresariais tem a ver com o número crescente de empresas que desenvolvem iniciativas que decorrem da responsabilidade que assumem na área social.
Longe de ser um factor inibidor da melhoria da produtividade, a adopção pelas empresas de práticas de solidariedade social a nível interno será certamente indutora de estabilidade e, portanto, de benefícios evidentes no domínio da competitividade.
A cidadania empresarial é, por isso, um tema que merece uma atenção renovada de todos, autoridades, empresários e trabalhadores.
Mas não ignoro que persistem factores negativos que urge ultrapassar.
Com efeito, apesar dos esforços realizados - e que encaro com muito apreço - não conseguimos ainda modernizar e descentralizar o nosso Estado de modo a ele poder realizar de forma eficaz as funções que constitucionalmente lhe cabem.
Não podemos ter ilusões sobre esta matéria: as formas anacrónicas de actuação em alguns aspectos cruciais da acção estatal, em particular nos que afectam a actividade económica, e que relevam alias da nossa cultura tradicional, são hoje um factor que nos dificulta a criação das novas vantagens competitivas que a evolução da sociedade permite e exige.
As transformações no Estado, como aquelas que necessitamos, tenhamos também isto presente, não se fazem de um momento para o outro, nem são tarefa apenas do governo.
Exigem uma orientação de médio ou até de longo prazo e um amplo consenso político que permita dar gradualmente, mas seguramente, os passos necessários, sem que a pressão dos grupos de interesse ou a luta política conjuntural afectem a necessária coerência de um processo que se exige continuado para ser eficaz.
Estou convicto que saberemos encontrar esses consensos e que, modernizando e descentralizando o nosso Estado, nos tornaremos mais aptos para aproveitar as grandes oportunidades que as transformações externas e internas a que fiz referência nos oferecem.
Pelo que me foi dado parecer das comunicações e discussões havidas nestas, Jornadas muitas das vossas preocupações são também preocupações do Presidente da República.
Ressaltam igualmente desse trabalho análises e sugestões de grande interesse que, estou certo, não deixarão de ser ponderadas pelos órgãos competentes.
Renovo por isso as minhas felicitações à Associação Industrial Portuense, na pessoa do seu Presidente, Engº Ludgero Marques, por todo o trabalho desenvolvido nestas Jornadas, que, para mim, são bem a demonstração dos novos rumos que os empresários portugueses estão determinados a seguir