Cerimónia de Agraciamento da Liga para a Protecção da Natureza

Palácio de Belém
28 de Julho de 1998


Falar de Ambiente e Natureza corresponde, na realidade, a falar na postura cívica do Homem face aos seus co-habitantes da Terra e, em última análise, face a si próprio, como Espécie. Falar de Ambiente é falar do bem estar dos seres humanos, é falar de eficácia dos seus sistemas produtivos, é falar de equidade dos seus sistemas sociais, é falar da preservação e promoção da capacidade do meio natural para satisfazer plenamente essas necessidades.
O Ambiente é hoje, como aliás sempre o foi, um factor de custo e de benefício que temos de enquadrar claramente nos nossos orçamentos individuais, nacionais e globais.
O Ambiente é, para todos os efeitos, a globalidade em que estamos inseridos e de que a nossa existência, como Espécie, como Sociedade e como Cultura dependem.
Não podemos mais aceitar que o benefício de alguns se baseie na socialização dos custos por ele originados, como também não podemos aceitar mais que a alegada preservação do Ambiente se materialize na restrição arbitrária ou na interdição inadequadamente compensada do direito à propriedade e ao uso do solo.
Torna-se urgente, no domínio ambiental, ultrapassar os preconceitos e os oportunismos demagógicos para, urgentemente encararmos de frente os imensos problemas que a questão ambiental nos coloca, de modo a encontrar a síntese que permita o desenvolvimento equilibrado da qualidade de vida das sociedades humanas.
Num contexto construtivo, importa reconhecer as limitações do nosso conhecimento e identificar as medidas para a sua correcção. E elas são conhecidas:
 Planeamento prospectivo
 Horizontalidade na consideração das interacções ambientais, económicas e sociais
 Transparência e envolvimento público e do cidadão
 Eficácia e eficiência na produção e utilização dos recursos
 Solidariedade activa e inventiva
 Conhecimento crescente do nosso meio e das suas funções e processos
 Criatividade
Temos pois, de caminhar no sentido de uma nova cultura, de uma nova jurisprudência, de uma nova prática sócio-económica, em suma, de uma nova ética, em que o respeito pela capacidade do nosso Meio seja tão óbvio como o respeito pelo direito à Vida Humana.
Num universo crescentemente globalizante, onde o indivíduo e mesmo os governos parecem perder cada vez mais poder, um dos grandes desafios da Democracia de hoje é o de encontrar novas formas de concretizar as relações entre os indivíduos e destes com o seu Meio.
Trabalhemos, pois, para que a evolução vá no sentido de:
- generalizar e horizontalizar o planeamento, colaborar inter-institucionalmente no sentido da busca atempada e concertada das melhores soluções para os diferentes planos e projectos;
- integrar a avaliação ambiental nos processos de planeamento e concepção e não, como agora acontece, quando todas as decisões estão tomadas, envolvendo custos crescentemente inaceitáveis;
- desenvolver normativos claros que permitam uma jurisprudência eficaz e fundamentada liberta de interesses ou pressões conjunturais;
- integrar no processo de licenciamento a consideração de todas as variáveis ambientais, não como factores de custo, mas crescentemente como factores de eficácia;
- desenvolver, cada vez mais o conhecimento do nosso território, das suas potencialidades e limitações de modo a terminar a sua depredação, mas também a limitação infundada do seu uso devido a preconceitos decorrentes da ignorância.
Impõe-se, em suma, generalizar uma cultura, uma ética individual e política equacionada no longo prazo, em termos de custos e de benefícios e do princípio de que a herança que recebemos tem de ser transmitida valorizada às gerações que nos sucederão.
Aos cidadãos coloca-se o desafio de saberem ultrapassar os seus interesses individuais e de, construtivamente, se entre-ajudarem na procura das melhores soluções para o uso dos escassos recursos do nosso Planeta. Têm de ter presente que os valores e potencialidades que o nosso meio actualmente nos disponibiliza são como que uma “garantia bancária” do nosso futuro e do dos nossos filhos.
Temos de compreender a necessidade de abandonar os preconceitos individuais e colectivos, de ouvir os argumentos contrários, de, às convicções, saber sobrepor a capacidade de aceitar as argumentações fundamentadas, enfim, de aprender que nenhum de nós detém a verdade ou o interesse absoluto, mas apenas parcelas deles e que apenas a concertação, num plano não de cedência, mas de construção de novas mais valias, permitirá construir o futuro equilibrado, concertado e sustentável que todos desejamos.
Conflitos existirão sempre, mas a história da Vida é a da construção na ultrapassagem das contradições, no desaparecimento das soluções inadequadas, na permanente criação de novos caminhos e soluções, mesmo quando eles pareciam catastróficos para o status-quo existente. A história do Homem é semelhante.
A lição que os fundadores da Liga nos deram há 50 anos mantém-se: temos de aprender a viver num mundo onde à Liberdade, à Igualdade, à Fraternidade se impõe que acrescentemos a eficácia e o respeito pela capacidade de sustentação do nosso Meio.
Estamos a conseguir vencer o desafio da produtividade na economia, lutamos pela equidade nos domínios sociais e pela igualdade na diferença nos domínios culturais. Temos agora de aprender a vencer o desafio da eficácia e do respeito pela capacidade no domínio da utilização e transmissão às gerações vindouras dos recursos da nossa Terra.
As convicções fortes e o radicalismo contribuíram inegavelmente para a mudança do mundo, o preconceito nunca. O preconceito destrói a inteligência e a consciência individual e colectiva e como tal, questiona a essência da Democracia no que ela tem de mais profundo e concreto.
O ambientalismo e a sua expressão política, têm de saber ultrapassar este risco ou essa fase da evolução natural de cada nova visão global do mundo, se querem realmente contribuir para criar um mundo verdadeiramente novo e um futuro efectivamente profícuo.
Por isso, ao atribuir a Ordem do Mérito à Liga Para a Protecção da Natureza pretende-se homenagear todos os cidadãos públicos e anónimos que contribuem, em Organizações Não Governamentais no domínio do Ambiente e em todos os domínios dos valores cívicos, para a construção de um nova cultura eticamente mais diversificada, afirmando a nossa identidade humana, pela capacidade de ultrapassar o nosso interesse egoísta do dia a dia no sentido de construção de um melhor futuro para as gerações que nos seguirão. Aí está o fulcro da Liberdade e da afirmação da Cidadania consciente, que tem de constituir o fundamento da nossa prática quotidiana.
Homenageamos também aqueles que na Protecção da Natureza do seu País e do Globo sabem reconhecer a sua Nacionalidade e a sua Humanidade. Porque é o reconhecimento e a transmissão da herança da nossa Terra que, simultaneamente nos dá identidade cultural e nos une como habitantes dum mundo global concretizado e apenas viabilizado pela riqueza da sua diversidade humana, cultural, biológica e física.
Homenageamos enfim, todos aqueles que, em momentos e conjunturas muitas vezes difíceis, nos fizeram ver que, ao falar de Ambiente o que está em causa é a saúde e o bem estar actual e futuro da humanidade, o objecto, desde sempre, da “Polis” - “a coisa pública”.