Sessão Solene Comemorativa do 25ª Aniversário da DECO

Lisboa
12 de Fevereiro de 1999


Neste dia em que se celebram os primeiros 25 anos de actividade da DECO, mais importante do que falar sobre a sua enorme contribuição para o progresso da defesa do consumidor em Portugal, pareceu-me oportuno aproveitar a comemoração do aniversário desta associação para prestar uma homenagem e fazer um duplo apelo quanto ao papel das organizações cívicas na sociedade portuguesa.
A primeira palavra é de homenagem.
A DECO tem sensivelmente a idade da democracia portuguesa. É bem o exemplo de uma associação que foi capaz de criar um novo espaço de intervenção cívica.
Criou meios para avaliar os produtos e os serviços sobre que se pronuncia; identificou problemas e omissões da legislação; denunciou práticas lesivas dos direitos dos cidadãos; combateu abusos dos agentes económicos; propôs soluções alternativas, mobilizou e desenvolveu a consciência cívica e interventiva dos cidadãos. Contribuiu decisivamente para que a administração central e a local sentissem a necessidade de passar a responder melhor à reclamação de direitos de cidadania que, antes, eram por vezes encarados com menosprezo, indiferença ou distanciamento.
Portugal deve-lhe um reconhecimento público pela contribuição que deu para que o País disponha hoje dum Direito do Consumidor evoluído como o que temos.
Fez tudo isto e conseguiu a credibilidade que hoje todos reconhecemos. Ao longo destes 25 anos, privilegiou o rigor à facilidade da demagogia ou do sensacionalismo, afirmou a sua independência relativamente aos agentes públicos e privados com que a sua actividade se relaciona, fundamentou as suas tomadas de posição em estudos detalhados e tecnicamente credíveis.
Por tudo isto, a DECO conseguiu que as suas críticas sejam consideradas com atenção e com cuidado, e consegue habitualmente que as suas propostas de solução, porque são responsáveis e fortemente fundamentadas, sejam tidas em consideração
De algum modo, a DECO credibilizou a reivindicação consumista entre nós. Olhada primeiro como proveniente de utopistas vistos como ignorantes da “realidade” (a tal identidade difusa que tudo parece justificar) a DECO é hoje uma parte activa para um quotidiano mais saudável, mais exigente e também mais verdadeiro.
A minha segunda palavra é um apelo, que dirijo quer aos cidadãos e às associações cívicas, quer à administração pública.
A democracia precisa que os cidadãos se empenhem crítica e construtivamente no funcionamento diário da sociedade. Exige que esse empenhamento não se reduza à denúncia empolgada em casos pontuais ou possa ser confundido com a manipulação por grupos de pressão do mais diverso tipo.
A participação cívica pressupõe quase sempre uma forte motivação e, nalguns casos, não excluirá sequer uma paixão que se fundamenta na relevância das opiniões ou dos interesses em causa. Mas, para que possa ser consistente, tem de ser uma actividade diária, voluntária e cada vez mais generalizada de todos os cidadãos, em todos os domínios, com mais informação e mais conhecimento.
Daí que o meu apelo se dirija em primeiro lugar aos cidadãos, para que se manifestem e se organizem em permanência em torno de objectivos claramente assumidos. E que não o façam apenas nas situações extremas em que consideram existirem motivos para questionar decisões concretas ou para criticar os agentes económicos ou a administração pública por decisões já tomadas.
Uma democracia adulta pode e deve beneficiar da crítica a soluções que estão a ser encaradas. Pode e deve enriquecer-se com o debate de alternativas que visam minorar inconvenientes e que resultam da mobilização dos interessados e da sua cooperação com os especialistas. O aperfeiçoamento da democracia e a modernização de Portugal só ganharão com isso.
Apelo também aos agentes económicos e à administração pública para que não se refugiem em atitudes autistas e reconheçam o papel incontornável que têm os movimentos e as associações cívicas. Sem o seu empenhamento na melhoria do acesso dos cidadãos à informação, sem que sejam activamente promovidos genuínos processos de consulta e participação, abre-se, mesmo quando se está perante decisões devidamente fundamentadas, o campo para a dúvida e para o equívoco.
O aperfeiçoamento dos sistemas de decisão exige que as críticas e as propostas dos cidadãos sejam séria e atempadamente consideradas, e isso ajudará a impedir que a demagogia fácil, a violência gratuita ou a pressão ilegítima minem a credibilidade das decisões e das instituições.
Precisamos que a democracia portuguesa seja cada vez mais capaz de integrar a crítica que vai de par com a proposta alternativa.
Precisamos que os poderes fácticos articulem cada vez melhor a defesa dos seus pontos de vista e dos seus interesses, com a responsabilidade, que também têm, perante o nosso futuro colectivo.
Portugal tem de ser, cada vez mais, um País solidariamente responsável, onde se é tanto mais cidadão quanto mais se intervém e se participa.
Portugal não é só o Estado ou a administração. Portugal são os Portugueses, todos os Portugueses. Sem eles, sem a sua intervenção activa diária, crítica e construtiva não haverá progresso e a nossa Democracia não poderá progredir.
A DECO merece o respeito e a estima dos portugueses.