Sessão de Abertura do Seminário Euro-Iberoamericano “A Cooperação nas Políticas sobre as Drogas e as Toxicodependências”

Palácio da Bolsa - Porto
08 de Outubro de 1998


Quero, em primeiro lugar, dar as boas vindas a todos os que nos concederam a honra de aceitar o nosso convite para participar neste seminário euro-iberamericano.
E permitam-me que sublinhe o privilégio de contarmos com a presença de representantes pessoais dos Chefes de Estado dos países ibero-americanos e de prestigiados peritos de vários continentes.
Quero, ainda, saudar as organizações internacionais aqui representadas, que têm desempenhado um persistente e valioso trabalho neste domínio.
A todos agradeço e faço votos para que encontrem aqui o ambiente necessário para cumprir o nosso objectivo comum: melhor cooperar no domínio das políticas sobre as drogas na América Latina e na Europa.
Quando há cerca de um ano, no encerramento da Cimeira Ibero-Americana, na Venezuela, propus que encetássemos um trabalho conjunto neste domínio, a ideia foi aceite por todos os países presentes. Estava certo de que a tarefa que nos propúnhamos realizar, iria contribuir para uma melhor compreensão do problema e para limitar as dramáticas consequências das drogas e das toxicodependências.
O projecto recolheu, de imediato, a colaboração empenhada do Governo Português e foi apoiado, também de uma forma entusiástica, pela Comissão Europeia e pelo Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência. Estas diversas contribuições foram determinantes para a concretização deste seminário e por isso quero, aqui, agradecer penhoradamente o seu concurso.
O problema da droga é, todos o sabemos, um problema mundial.
E este entendimento teve especial tradução nos documentos aprovados na Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre Drogas, em Junho deste ano.
Quero salientar que a declaração aprovada em Nova Iorque tem um conteúdo promissor na responsabilização de todos os países visando a redução da toxicodependência.
Ao ultrapassar o entendimento de que os países ou são produtores ou são consumidores de drogas, ao propor o controlo dos percursores necessários às drogas sintéticas, ao reforçar a cooperação no combate ao tráfico, ao incrementar o papel da prevenção na redução da procura, ao apoiar as políticas de redução de riscos, ao melhorar os mecanismos de controlo do branqueamento de capitais, os países presentes na Assembleia Geral quiseram reforçar o seu empenho político face ao problema das drogas.
Este mesmo empenho político tem excelente tradução na assunção de uma responsabilidade partilhada, na cooperação e na solidariedade internacionais e está presente, de uma forma muito nítida, no espírito que preside a este seminário: desenvolver projectos de partilha de experiências entre espaços regionais que tanto têm em comum: a América Latina e a Europa.
Torna-se necessário, agora, colocar o problema das drogas como prioritário no relacionamento entre os nossos países. O diálogo e a cooperação políticas aprofundaram-se, mas este relacionamento deve ter um novo alcance, pois o problema da droga representa uma ameaça real ao bem estar das populações e à estabilidade democrática de alguns Estados da América Latina. Os países europeus e da América Latina podem cooperar para o estabelecimento de novas estratégias com um entendimento mais amplo e plural deste problema.
Disse em Nova Iorque que era necessário uma nova política no domínio das drogas, sentimento este partilhado por tantos responsáveis políticos e técnicos.
Uma nova política que actue sobre os factores que levam ao aparecimento e desenvolvimento dos chamados comportamentos desviantes.
Uma nova política social, especialmente preventiva em relação aos jovens, envolvendo a educação, o emprego, a formação profissional, a saúde, o planeamento urbano, o apoio familiar. A realidade dos problemas associados às drogas resulta, em regra, de factores de exclusão social, económica ou cultural.
Uma nova política que promova um debate prévio na sociedade em relação aos objectivos a atingir, que discuta os programas de redução de riscos, numa perspectiva de saúde pública e que actue equilibradamente entre o controlo da oferta e a redução da procura.
Uma nova política que utilize informação objectiva e investigação pluridisciplinar e que promova o diálogo entre investigadores e técnicos.
Uma nova política que permita ouvir as famílias e os consumidores de drogas e que privilegie o nível local, em especial para os programas de prevenção. É nas cidades que nos confrontamos com problemas mais agudos e em que as particularidades sociais, étnicas e culturais exigem estratégias concertadas. Ouvir a cidade, os seus cidadãos, os seus representantes eleitos, comparar metodologias e resultados alcançados, representa, seguramente, um caminho de grande utilidade.
Uma nova política que promova a colaboração das organizações não governamentais, que se têm demonstrado tão importantes para o desenvolvimento dos projectos nacionais e internacionais. A intervenção das ONG tende a ser marcada por uma forte participação social, com intervenção de agentes locais, não impondo modelos exteriores ao contexto social, económico e político.
A droga não conhece fronteiras, já o disse, e atravessa todas as culturas e todo o tipo de famílias.
É responsável por gravíssimos problemas de saúde pública, por uma preocupante criminalidade associada ao consumo e pelo aparecimento de organizações criminosas de traficantes que promovem a corrupção e põem em causa a própria estabilidade democrática dos Estados.
Preocupam-me, ainda, algumas manifestações de marginalização de cidadãos consumidores, como me preocupam os crescentes encargos públicos relacionados com o problema da droga.
E apesar da penalização do consumo ser, em muitas legislações, meramente simbólica, as nossas prisões transformaram-se em locais de concentração de consumidores de drogas, muitos deles portadores de doenças infecto-contagiosas, condenados a prisão efectiva por simples consumo ou como traficantes consumidores. Ou seja, a lei que pretendia, sobretudo, reprimir o tráfico atinge fundamentalmente o consumidor traficante que comete repetidamente furtos ou outros crimes contra o património.
Esta situação é, obviamente, do vosso conhecimento: identificamo-la em todos os vastos espaços regionais que aqui representamos, com as conhecidas particularidades existentes em cada um dos nossos países.
Mas, estas particularidades tendem a esbater-se, como o dissemos, com o fim da separação maniqueísta entre os países produtores, responsáveis por todos os males e os países consumidores, vítimas dos primeiros.
E esta nova concepção obriga-nos, cada vez mais, ao desenho de uma estratégia comum.
Durante estes dois dias vamos ouvir o testemunho de cada um dos representantes oficiais dos países da Cimeira Ibero-Americana, com as suas principais preocupações e iniciativas neste campo.
Aos peritos e aos nossos convidados vamos solicitar uma especial reflexão sobre os temas em debate: a informação sobre as drogas, a redução da procura e dos riscos, a cooperação entre cidades da América Latina e da Europa.
Aos técnicos aqui presentes quero deixar uma palavra de grande reconhecimento pelo trabalho que desenvolvem e afirmar que conto com a sua motivação, tão necessária num contexto de forte fragilidade e vulnerabilidade sociais.
Estou certo que iremos construir, em conjunto, os alicerces de um amplo projecto de colaboração que reforce a resposta política e técnica a este dramático problema.