Sessão de Abertura da II Cimeira da Comunidade de Países de Língua Portuguesa

Cabo Verde, Cidade da Praia
16 de Julho de 1998


Quero antes de mais exprimir - e permitam-me que o faça em nome de todos os presentes - os mais sinceros agradecimentos a Sua Excelência o Presidente António Mascarenhas Monteiro, assim como ao Governo de Cabo Verde, pela organização desta II Cimeira da CPLP.
Agradecimentos que naturalmente faço extensivos à população da Cidade da Praia pela cordialidade e calor humano que dispensou às Delegações participantes neste importante evento.
Ao passar o testemunho como Presidente em exercício da CPLP, quero ainda manifestar o meu sentimento de satisfação pelo inegável dinamismo demonstrado pela nossa Comunidade no decorrer dos seus dois primeiros anos de existência. Estou certo de que o relatório que o Senhor Secretário Executivo nos vai transmitir no decurso da presente Cimeira irá seguramente fundamentar este meu sentimento.
Simultaneamente, porém, não posso deixar de sublinhar que a institucionalização de uma Comunidade de Estados livres e soberanos, como é a nossa, constitui forçosamente um processo lento e por vezes até difícil, exigindo o empenho e a perseverança de todos nós, num clima de diálogo constante e num exercício permanente de capacidade criativa.
Estamos de resto todos conscientes que nos encontramos ainda no início de uma longa caminhada que terá de ser feita passo a passo. Mas também sabemos que, mais importante do que a rapidez da marcha, é estar-se efectivamente na boa direcção e no caminho certo.
A nossa Comunidade tem características singulares que importa aprendermos a valorizar em todo o seu alcance e dimensão.
Importa sobretudo termos sempre presente que uma Comunidade, que se queira viva e actuante, não se poderá limitar a ser apenas um edifício jurídico-institucional. Antes pelo contrário, deverá apelar sempre ao interesse e empenho das sociedades civis dos seus respectivos Estados. E neste aspecto temos sinais claros de estarmos no caminho certo.
Não aos saudosismos! Não às visões ultrapassadas!
Somos uma Comunidade que se caracteriza pela descontinuidade em termos geográficos, mas em que o vínculo histórico da língua que partilhamos se revela um cimento indestrutível, mais forte do que todas as distâncias.
Comunidade que une três continentes entre si, num abraço fraterno feito de um imenso repositório de valores comuns, e que, na cena política internacional, vem reforçar a projecção da identidade própria de cada um de nós, nos diferenciados contextos regionais em que nos inserimos.
Uma Comunidade que conta entre os seus membros com o Brasil, nação com o tamanho de todo um continente; com Angola e com Moçambique, países destinados a desempenhar um papel insubstituível na sub-região da África Austral; com a Guiné-Bissau e com os Estados insulares de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe que têm todas as condições para desfrutar dos benefícios da sua estratégica situação geográfica. E todos contam com as conhecidas capacidades das suas gentes.
Face às imensas potencialidades da nossa Comunidade, ninguém se deverá admirar com a dimensão das expectativas que a CPLP tem vindo a suscitar junto das sociedades dos nossos países, expectativas essas que, por vezes, entram em contradição com os desafios do momento que passa.
A presente Cimeira, aliás, ocorre precisamente num momento em que é perceptível a existência de uma certa tensão entre as expectativas criadas pela CPLP e as preocupações decorrentes dos acontecimentos na Guiné-Bissau.
Quero desde logo sublinhar a oportunidade única de aproveitarmos o presente momento para, com serenidade e clarividência, fazermos avançar, na medida do possível, o processo de desenvolvimento e aprofundamento da nossa Comunidade, por forma a corresponder às expectativas e dar resposta às preocupações.
Neste contexto, permitam-me referir que, à luz da consciência dos nossos dias, tal como reflectida na Declaração Universal dos Direitos do Homem, a dignidade da pessoa humana exige que o poder político se exerça em quadros constitucionais abertos, democráticos e capazes de corresponder, através de instituições democraticamente legitimadas, às aspirações populares ao bem-estar, à paz e ao progresso.
É ilegítimo e condenável qualquer ruptura do compromisso institucional que pretenda operar-se por meios não constitucionalmente previstos.
Todavia, verificada que seja uma qualquer ruptura no consenso político e social em que assenta um dado regime, o Direito à Paz, tal como consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem, requer que, na necessária reposição da legalidade constitucional e na reconstrução de uma ordem política que respeite aqueles direitos fundamentais, prevaleçam as vias do diálogo e da mediação, assim como as preocupações de carácter humanitário e a preservação da dignidade humana.
É neste quadro que se insere a convergência de bons ofícios recentemente levada a cabo por Angola e Portugal, e que teve como objectivo procurar pôr termo à guerra fratricida que grassa na Guiné-Bissau, dando por essa forma, não só expressão aos laços de solidariedade que ligam os Sete, como também dando cumprimento aos princípios de concertação político-diplomática exarados no Acto Constitutivo da CPLP.
Bons ofícios que não procuram qualquer tipo de exclusividade, reiterando sempre que a via do diálogo, com base em princípios aceitáveis - designadamente a legitimidade do Poder democraticamente instituído e o respeito pelos direitos humanos - é a via mais adequada para se encontrar uma solução perdurável para a grave crise da Guiné-Bissau e se pôr termo ao sofrimento das suas populações.
Não posso aqui deixar de exprimir a minha mais sentida consternação pela perda de vidas humanas, assim como a minha profunda preocupação pela situação humanitária das populações civis, apelando veementemente a todas as partes envolvidas no conflito no sentido de urgentemente permitirem a livre circulação de auxílio de emergência, a ser canalizado pelas organizações humanitárias presentes no país.
Neste contexto, quero manifestar o maior apreço e reconhecimento pelo desinteressado e precioso apoio prestado por Cabo Verde nas operações de evacuação de refugiados da Guiné-Bissau.
Excelências,
Agora que se encontra consolidada a fase da construção da estrutura jurídico-institucional da CPLP, importa reflectirmos em conjunto sobre os melhores meios de se fazer avançar a conceptualização política do escopo de actuação da nossa Comunidade.
Nessa perspectiva, afiguram-se-me particularmente relevantes alguns dos pontos da nossa agenda de trabalhos. Sublinho, desde logo, a aprovação do Acordo Geral de Cooperação, acordo este que vem abrir novas perspectivas de reforço dos laços de cooperação entre os Sete.
Sobre esta matéria, gostaria de propor que se avançasse com o estudo da criação de uma Câmara de Comércio da CPLP, integrando as diversas câmaras bilaterais já existentes entre os países membros, por forma a reforçar o intercâmbio comercial e a viabilizar a formulação de parcerias de geometria variável entre os Sete.
Estrutura esta que poderia vir a ser complementada por um Fórum onde os representantes da iniciativa privada e da administração pública dos Sete articulassem políticas de estímulo ao desenvolvimento económico.
Um outro ponto da agenda de trabalhos de grande importância política é a adopção do Estatuto de Observador.
A admissão de Timor-Leste na CPLP como Observador Convidado irá seguramente constituir um passo de extrema importância no sentido do mais amplo reconhecimento internacional do particular estatuto daquele território.
O facto de uma missão da Troika de representantes da União Europeia se ter recentemente deslocado a Timor-Leste, no sentido de avaliar a situação “in loco“, incita-me a veicular a opinião de que julgo poder ter chegado o momento adequado para que a CPLP se debruce sobre a oportunidade de protagonizar uma iniciativa semelhante, ideia esta que deixo à vossa consideração.
Impõe-se efectivamente sabermos aproveitar as novas janelas de oportunidades que se abrem, sem nunca perdermos de vista os princípios fundamentais por que nos norteamos, designadamente o do livre exercício ao direito à autodeterminação do Povo Timorense.
Não quereria terminar esta minha intervenção sem antes exprimir a minha séria inquietação quanto à situação em Angola e reiterar a inteira disponibilidade de Portugal em continuar a tudo fazer, como membro da Troika de Observadores, no sentido de se alcançar rapidamente a conclusão do processo de paz angolano.
Todavia, face à ameaça de recrudescimento da guerra, não se poderá deixar de chamar a atenção da Comunidade Internacional para as responsabilidades decorrentes do não acatamento pela UNITA dos Acordos de Lusaka e das pertinentes Resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Termino, tal como comecei, reiterando a minha inquebrantável confiança na nossa Comunidade e no êxito da II Cimeira da CPLP, encarando-a, não como mais um mero exercício de retórica, mas como um verdadeiro passo na direcção certa, num porventura longo mas aliciante caminho que se abre diante de nós e das gerações que se nos seguirão.