Sessão de Abertura do Seminário "O Euro, a Competitividade e o Alargamento da Europa"

Lisboa
21 de Maio de 1998


Ao aceitar o convite, que agradeço, para participar nesta iniciativa do “Diário Económico”, decidi abordar três problemas que, no meu entender, assumem especial importância na Europa do Euro.
Referir-me-ei, primeiro, às implicações para o modo de funcionamento das economias europeias derivadas da decisão de concretizar a moeda única, em segundo lugar, ao que entendo serem os critérios de avaliação do sucesso desta nova etapa da construção europeia e, por último, a alguns aspectos do relacionamento de Portugal com as instituições europeias.
Passado o período em que foi necessário assegurar a convergência nominal temos de encarar as profundas alterações que a adopção do Euro vai introduzir no modo de funcionamento da economia europeia e em cada uma das economias dos diversos Estados membros.
No que nos diz respeito, a criação do euro vai traduzir-se na entrada do nosso país num regime de estabilidade cambial e de disciplina monetária que, sendo indubitavelmente exigente, constitui, ao mesmo tempo, um quadro propício à adopção de comportamentos verdadeiramente indutores de uma modernização sólida e durável.
A competitividade externa não vai poder ser mais assegurada através da forma fácil, mas enganadora, das depreciações cambiais.
Terá de ser conquistada, dia a dia, através de esforços sérios e persistentes de melhoria das nossas infraestruturas, das nossas qualificações, da nossa organização e, talvez o mais urgente de tudo, da actuação do nosso Estado.
É um programa de transformações que é bem conhecido e está diagnosticado. Infelizmente, temos sido sempre ao longo da nossa história mais hábeis em diagnosticar as nossas deficiências do que temos sido decididos em as ultrapassar.
Julgo, porém, que nos encontramos num momento histórico em que, pelo contrário, temos de provar que também somos capazes de entender o alcance e a urgência das grandes transformações a realizar, por mais complexas que se nos apresentem.
Em moeda única não há mais lugar para adiamentos nem indecisões naquilo que, neste domínio, é necessário fazer.
Nem pode haver lugar para, em nome da luta política conjuntural, negar o consenso partidário e social que, sem pôr em causa a saudável diversidade democrática, se torne necessário assegurar para que as transformações se possam realizar com êxito e em tempo útil.
Ao olhar para o tempo que gastamos muitas vezes em querelas menores e de consequências incertas, chego a interrogar-me se estamos sempre conscientes das profundas mudanças que o Euro nos impõe.
Conto-me entre os que entendem que a solução dos desafios que temos perante nós exige que prossigamos o desenvolvimento duma cultura do rigor e do respeito pelos factos, que promova o debate sério das alternativas viáveis para a concretização das mudanças necessárias. E não creio, de facto, que tenhamos qualquer vantagem em fazer concessões a essa tendência, às vezes tão presente em alguns dos nossos líderes de opinião, para oscilar entre o catastrofismo das previsões e a lamúria quanto à dificuldade das mudanças que se consideram absolutamente imperativas.
Pelo contrário, desejo contribuir para uma melhor identificação dos problemas, para a procura e a concretização das respostas encontradas.
Permitam-me, pois, a frontalidade de reafirmar – e, com isto, entro directamente na segunda questão - que entendo que Portugal tem, como aliás as outras sociedades europeias, um problema de emprego e que teremos de reconhecer um grave insucesso na nova fase da integração comunitária se não formos capazes de construir uma solução para esse problema.
É certo que fomos capazes de realizar grandes progressos no domínio da escolarização dos portugueses, que continuamos a dar alguns passos importantes no domínio da formação inicial, que conseguimos reduzir o desemprego conjuntural e que temos hoje uma taxa de desemprego global relativamente baixa, quando comparada com a média europeia.
Mas ninguém desconhece que a globalização dos mercados financeiros e até agora o desenvolvimento da indústria nos chamados tigres asiáticos retirou às sociedades europeias muita da capacidade que estas revelaram, durante décadas, para criar e manter empregos estáveis e bem remunerados de baixa qualificação, quer nos serviços, quer na indústria.
Mas Portugal tem também problemas específicos, que têm de ser reconhecidos como tal, dentro e fora do País.
Todos os decisores relevantes sabem que na taxa de desemprego oficial se inclui um alto nível de desemprego de longa duração, que atinge cerca de metade dos portugueses desempregados, e que os empregos criados não têm absorvido uma parte relevante dos jovens com níveis elevados de qualificação.
Do mesmo modo, é sabido que Portugal tem ainda um dos maiores níveis de pobreza, e alguns dos mais baixos índices que se conhecem na União Europeia, de formação escolar, de qualificação profissional, e de protecção social da população activa.
A pertença ao grupo dos fundadores da moeda única europeia justifica, como já disse, uma confiança renovada na capacidade do nosso País enfrentar os desafios exigentes que a modernização económica e social nos coloca e, designadamente, para a solução dos problemas a que me referi.
No meu entender, é fundamental que os Portugueses enfrentem essa exigência que é a de medirmos o sucesso da nossa integração na Europa monetariamente unificada e em vias de alargamento de que somos membros de pleno direito pela capacidade que revelarmos de aumentar a competitividade das empresas portuguesas, de limitar o desemprego estrutural e de melhorar o nível de vida da generalidade dos portugueses.
Sei bem que falo dum caminho muito exigente, de rigor no uso dos recursos disponíveis, que supõe decisões complexas, que mexem com hábitos, privilégios, interesses e talvez mesmo com algumas expectativas, quiçá legítimas.
as entendo que devo fazer tudo o que estiver ao meu alcance para que seja cada vez mais partilhada pelos Portugueses a consciência de que ninguém travará por nós as batalhas que nos permitirão integrar melhor a escola, a formação inicial e a formação contínua, que nos possibilitarão ligar o reforço da competitividade empresarial à regulação do mercado do trabalho e à protecção social.
Seria inaceitável que Portugal não fosse capaz de oferecer aos adultos de baixa qualificação novas oportunidades para obterem os conhecimentos de que carecem para manterem ou voltarem a ter o trabalho ou o emprego de que depende a sua independência económica para que possam cumprir as responsabilidades que têm consigo próprios, com as suas famílias e com a sociedade portuguesa.
Mas seria intolerável que não fizéssemos tudo o que podemos para garantir que este caminho de progresso que queremos colectivamente trilhar implicasse para alguns cidadãos dificuldades de tal modo fortes ou prolongadas que daí resulte uma dependência durável da protecção social ou, pior ainda, a limitação das oportunidades dos seus descendentes.
No meu entender, Portugal enfrentará estes desafios com tanto maior sucesso quanto mais rapidamente for capaz de concretizar as medidas que dão corpo ao chamei recentemente, na Assembleia da República, um “contrato de gerações”.
Refiro-me a um compromisso, baseado no conhecimento rigoroso e especificado dos problemas, que permita condicionar menos aos ciclos eleitorais a continuação dos processos de modernização cultural, social e económica.
Falo dum compromisso de gerações, no sentido de que a luta política democrática, a que permaneço inteiramente fiel, entre as gerações no poder e oposição se compatibilize com o assumir de responsabilidades pela resolução dos problemas em vez de os transferir para as gerações vindouras.
Porque estou certo de que seremos capazes de vencer esse desafio nacional, quero, para terminar, abordar a terceira questão, isto é, alguns aspectos da posição do nosso País perante o futuro da construção europeia.
Muitos, entre os quais me incluo, consideram que, para poder vingar, a união monetária da Europa exige um muito maior grau de cooperação política entre os Estados membros. E isto para que os processos de decisão possam tonar-se eficientes e, ao mesmo tempo, respeitadores das regras democráticas e dos interesses dos Estados membros.
Temos constatado, porém, que muito pouco se tem avançado nesta matéria e a sensação que se tem é a de um défice de integração política face aos avanços rápidos da integração económica e da integração monetária.
Por isso, é para mim claro que necessitamos de ideias novas sobre a Europa. Necessitamos que surjam reflexões inovadoras, mas ao mesmo tempo realistas, que nos esclareçam sobre os caminhos viáveis da criação de uma Europa política, mais solidária e mais coesa .
Trata-se de um grande debate a realizar, não só em Portugal mas em toda a Europa.
A integração económica e monetária não pode, com efeito, ser um processo cego e dirigido exclusivamente pelos mecanismos de mercado.
A cidadania europeia, para a qual o Tratado da União Europeia tão claramente aponta, passa também pelos europeus reflectirem sobre a Europa que querem construir e por tomarem nas suas mãos essa construção.
O comércio livre, a concorrência e a moeda são, sem dúvida, as bases essenciais da criação de uma sociedade mais próspera.
Mas será uma prosperidade ilusória e temporária se a Europa não criar a sua própria coerência política e institucional.
Coerência que se traduz designadamente em saber assumir os objectivos comuns e em utilizar os meios adequados para os realizar.
E neste particular não posso deixar de me referir à agenda 2000.
A Europa assumiu, para os próximos anos, tarefas da mais alta importância, como sejam a solidificação da união económica e monetária, o alargamento e a reforma da política agrícola comum.
Mas estas tarefas têm de se realizar de forma a dar corpo aos objectivos permanentes da União Europeia e, designadamente, à coesão económica e social.
Objectivos e tarefas, portanto, de grande alcance e de grande complexidade de realização. Mas para poderem ser realizados, os meios a utilizar têm de estar na proporção da dimensão dos fins que a União se propõe.
E, neste particular, é legítimo questionar se os meios propostos nestes primeiros passos da negociação da Agenda 2000 e o destino que lhes é sugerido serão os mais adequados à realização daquelas tarefas no pressuposto do respeito integral dos grandes objectivos da União.
Esta questão assume uma importância vital para o nosso País que, para poder obter a satisfação dos seus legítimos interesses neste complexo processo negocial necessita de criar uma grande unidade em torno dos trabalhos da Agenda 2000.
Com o natural respeito pelos interesses legítimos de cada um, precisamos de estruturar esta “frente externa” de defesa dos interesses comuns dos Portugueses.
Da capacidade que revelarmos para fazer funcionar tal “frente externa” depende alguma do sucesso que Portugal virá a ter de vira dispor dos meios financeiros e outros que não pode dispensar para continuar o seu caminho progressivo dentro da união monetária europeia.