Jantar oferecido pelo Presidente da Polónia (Visita de Estado à Polónia)

Varsóvia
14 de Setembro de 1998


Permita-me, antes de mais, dizer-lhe o meu profundo agrado por me encontrar na Polónia, no seguimento do convite tão amável de Vossa Excelência.
Um agrado pessoal que é também feito de uma grande curiosidade, de um desejo muito sincero de melhor conhecer as realidades deste grande país, a sua cultura tão rica, as suas gentes, as suas preocupações, a forma como encaram os desafios que se colocam à Europa neste final de milénio.
No reforço crescente do nosso conhecimento mútuo, da nossa solidariedade, do aprofundamento de formas concretas e cada vez mais diversificadas da nossa cooperação, encontraremos as vias seguras para fazer face a esses desafios e para lançar os alicerces de um vasto espaço europeu democrático, de progresso e de paz.
Agradeço-lhe, senhor Presidente, em nome de minha Mulher, de todos que me acompanham nesta visita, e no meu próprio, as suas palavras tão amáveis. Conhecemos bem a sua estima particular por Portugal e pelos portugueses e o impulso pessoal que tem dado ao estreitamento das nossas relações bilaterais.
Esta minha visita, a primeira que efectuo a um país candidato à União Europeia, testemunha, de igual forma, o nosso empenho em reforçarmos o relacionamento entre os nossos dois países e em prosseguirmos, em estreita cooperação com a Polónia, as vias da construção da nova Europa.
Acompanha-me uma delegação particularmente significativa, que inclui vários membros do Governo, representantes de todos os partidos políticos com assento no nosso Parlamento, altos responsáveis da Administração Pública, universitários e personalidades destacadas do mundo cultural, representantes de importantes meios de comunicação social, e uma muito expressiva delegação económica, que demonstra bem o nosso empenho em reforçarmos constantemente as nossas relações e explorar novas áreas de cooperação entre polacos e portugueses.
Sei que é este um desejo partilhado por Vossa Excelência e pelos responsáveis polacos.
Senhor Presidente,
A Polónia e Portugal foram sempre lugar de encontro de influências diversas, que moldaram a nossa maneira de ser e a nossa forma de encarar o mundo, que marcaram as nossas culturas respectivas e lhes concederam a sua originalidade particular.
Celebramos este ano o quinto centenário da viagem de Vasco da Gama , a aventura das descobertas marítimas dos portugueses, o encontro mutuamente enriquecedor de povos e culturas, a insaciável curiosidade do Homem, o saber científico, o humanismo e o universalismo dos europeus.
Celebramos Copérnico, que revolucionou o conhecimento do Universo, e Damião de Góis, que por estas paragens andou e estabeleceu amizades com figuras marcantes da cultura polaca. Nestas duas figuras ínclitas do Renascimento, encontramos o que de melhor simboliza o espírito europeu: o saber, a abertura, a tolerância, a solidariedade humana, a busca constante das condições do progresso, o apego à liberdade.
Conhecemos, polacos e portugueses, longos períodos de ditadura e de negação dos direitos mais elementares da pessoa humana, de marginalização relativamente às grandes transformações atravessadas pelo nosso continente no pós-guerra que reforçaram a nossa situação periférica, privando-nos das condições do progresso político, económico e social.
Mas soubemos manter bem vivo, mau grado todo o peso do aparelho repressivo, o nosso apego à liberdade e à democracia, o nosso desejo de construir sociedades mais justas e mais prósperas, de partilharmos um mesmo espaço de prosperidade e de solidariedade com Estados que partilhavam os mesmos valores fundamentais.
Nenhum democrata europeu pode esquecer as históricas eleições de 1989 e o papel decisivo assumido pela Polónia no reencontro dos países da Europa central e oriental com a liberdade, tornando possível prosseguir o projecto de construção de um vasto espaço de paz, de progresso, de democracia e de justiça; um espaço em que a solidariedade entre Estados e Nações tem de encontrar novas formas e onde se afirme a diversidade que caracteriza a realidade europeia e que constitui, sem dúvida, uma das nossas maiores riquezas.
Conhecemos, por experiência própria, as dificuldades inerentes aos processos de transição democrática, a sua complexidade, as legítimas expectativas geradas e as tão frequentes frustrações a que a própria transição dá origem.
Admiramos, por isso, a maturidade política, a firmeza e a coragem demonstradas pela Polónia nesse processo de transição que decorreu, aliás, num quadro internacional particularmente difícil.
A Polónia tornar-se-á a muito breve trecho membro da Aliança Atlântica, elemento indispensável de estabilidade estratégica da segurança regional; preside actualmente à Organização de Segurança e Cooperação na Europa e continua a prestar um importante contributo ao Conselho da Europa; tem desenvolvido um papel muito activo na promoção do diálogo com o leste europeu, com a Ucrânia e com a Rússia, reforçando a compreensão mútua e as condições de estabilidade e de segurança em momentos particularmente delicados como são os que vivemos presentemente; iniciou o processo negocial que conduzirá à sua integração na União Europeia.
O mérito destes inegáveis sucessos deve-se aos polacos e aos seus dirigentes, que souberam manter de forma decidida, a sua orientação estratégica, no decurso de sucessivas alternâncias democráticas. O significado deste sucesso, a par de idênticos processos de transição nos países da Europa central e oriental parece inequívoco: a “outra” Europa deixou de existir, para dar lugar a uma Europa unida pelo valores essenciais da paz, da liberdade e do direito.
Não duvidamos, Senhor Presidente, do papel positivo que a Polónia assumirá quer na Aliança Atlântica quer na União Europeia, nem do seu contributo para a prossecução dos ideais democráticos e europeus que nos são comuns.
A nova Europa, a nossa Europa, encontra-se, porém, numa encruzilhada em que se joga provavelmente o seu destino.
A par do desafio do alargamento das fronteiras institucionais da União Europeia a todo o espaço democrático europeu - porventura a tarefa mais complexa que se nos coloca , uma vez criada a moeda única e cumpridos os calendários previstos para a terceira fase da União Económica e Monetária - surge a necessidade imperativa de aprofundar constantemente o próprio processo de integração europeia.
Tratam-se de duas vertentes inseparáveis de um mesmo projecto.
Como Vossa Excelência bem sabe, Portugal sempre apoiou, sem hesitações e de uma forma empenhada, o alargamento da União. Somos a favor do alargamento por coerência e solidariedade democrática, porque reconhecemos, por experiência própria, a importância decisiva da nossa própria adesão às Comunidades Europeias para a consolidação da democracia política, para a modernização da economia e para a estabilidade da nossa posição internacional.
Mas somos a favor do alargamento, sobretudo, porque acreditamos numa Europa livre e unida, num projecto que é, antes de mais, um projecto político, que exige a consolidação da nossa comunidade de valores, o fortalecimento das instituições comunitárias e uma esperança decidida num destino comum de paz, de progresso e de liberdade.
Os países candidatos deverão beneficiar, obviamente, como nós próprios beneficiámos no processo que conduziu à nossa integração nas então Comunidades Europeias, dos apoios estruturais indispensáveis à modernização das suas economias. Este esforço tem de ser acompanhado de um aprofundamento de um corpo de políticas comuns que mantenha o curso do processo integrador numa rota, pelo menos tendencialmente, convergente.
Por outras palavras, o alargamento não se poderá transformar num elemento ou num pretexto de dissolução do projecto europeu, afectando negativamente o grau de integração já conseguido e o grau de coesão económica e social entre os Estados da União.
A secundarização do conceito de coesão intracomunitária não só vai contra o espírito dos Tratados como colocaria em risco a aceitabilidade do próprio projecto europeu no seio das nossas opiniões públicas, como certamente constituiria uma clara frustração para todos os países que, como a Polónia, se empenham no processo de integração europeia, na expectativa legítima de que este continuará a basear-se na solidariedade e na progressiva aproximação dos níveis de desenvolvimento dos seus membros.
É esta uma questão que a União Europeia terá de resolver, a curto trecho e de forma satisfatória, contemplando medidas consequentes de pré-adesão a favor dos Estados candidatos, e mantendo a coesão económica e social como objectivo central das políticas europeias, em conformidade com os Tratados e com os objectivos do projecto europeu.
É esta uma questão em que, estou seguro, partilhamos uma perspectiva idêntica.
Senhor Presidente,
Gostaria de reiterar o nosso reconhecimento pelo apoio constante que a Polónia tem concedido à causa do povo de Timor-Leste; uma outra atitude não seria de esperar de um Estado que, como Portugal, defende intransigentemente o primado do Direito Internacional e o respeito pelos Direitos Humanos.
Vossa Excelência conhece bem a resistência heróica mantida, desde há mais de vinte anos, pela comunidade timorense contra um regime brutal de ocupação; essa luta desigual parecia não ter fim.
Todavia, as mudanças políticas na Indonésia criaram novas expectativas na procura de uma resolução pacífica para a questão de Timor-Leste, com o exercício livre e democrático do direito de autodeterminação, nos termos da Carta das Nações Unidas.
No respeito estrito por esses princípios essenciais, Portugal está, como sempre esteve, empenhado em trabalhar com todas as partes interessadas, sob a égide do Secretário-Geral das Nações Unidas, no sentido de encontrar fórmulas intercalares e de transição que possam merecer o consentimento dos Timorenses e garantir a defesa dos seus direitos, da sua identidade e dos seus valores, para pôr fim à opressão e restaurar a paz em Timor-Leste. Nesse quadro, é crucial redobrar a solidariedade de todos os que lutam pela liberdade, e nomeadamente das democracias europeias, para com a causa timorense.
Senhor Presidente,
As nossas relações bilaterais têm-se desenvolvido de uma forma particularmente significativa nos últimos anos.
Durante um curto espaço de ano e meio tive a honra e o prazer de acolher Vossa Excelência três vezes em Portugal; durante praticamente o mesmo período visitaram a Polónia o Primeiro Ministro e vários membros do Governo português; mais recentemente estiveram aqui o Presidente do nosso Parlamento e o Ministro da Defesa Nacional; as visitas de membros do Governo Polaco a Portugal assumem uma regularidade de que nos devemos congratular; quer o Presidente do Sijm, quer o Senhor Primeiro-Ministro Buzek visitaram-nos este ano.
Refiro este aspecto porque creio que ele espelha bem a intensidade, a qualidade, a naturalidade que adquiriu o nosso relacionamento político.
Os investimentos portugueses na Polónia assumiram já uma inegável expressão, e as nossas trocas comerciais têm conhecido uma certa expansão. Muito haverá ainda por fazer, certamente, nestas áreas e nas parcerias entre empresários dos nossos dois países, na cooperação cultural e científica, nos intercâmbios entre universitários, investigadores e criadores culturais, por forma a aprofundar e a consolidar de forma crescente o nosso conhecimento e entendimento mútuos.
Amanhã terei o prazer de presidir com Vossa Excelência à abertura de dois importantes seminários luso-polacos, dedicados, respectivamente, à cooperação económica e à política regional no contexto europeu.
Estou certo de que o seminário económico constituirá um quadro particularmente propício para os empresários dos nossos dois países conhecerem melhor a situação e as oportunidades em cada um deles e de encontrarem novas vias para reforçar a nossa cooperação económica e comercial.
O encontro entre especialistas portugueses e polacos dedicado às questões do desenvolvimento regional e à experiência adquirida pelo meu país nos doze anos desde que aderimos à Comunidade Europeia, assim como outros encontros sobre temáticas europeias já previstos até ao final do presente ano, traduzem a nossa total disponibilidade para partilharmos com a Polónia conhecimentos e experiências numa área central para o futuro dos nossos dois países.
São estas manifestações concretas das vias que seguiremos, buscando complementaridades e explorando convergências em todas as áreas, com vista ao aprofundamento do projecto europeu a que os nossos dois países estão indissociavelmente ligados, reforçando o seu sentido político, a sua dimensão solidária, a sua intrínseca coesão económica e social, por forma a podermos responder com maior eficácia às legítimas aspirações de progresso e de estabilidade democrática que são de todos nós.
É este o barco que temos de levar a bom porto, para que as gerações futuras de polacos e portugueses, de todos os europeus, possam disfrutar das condições indispensáveis para a consolidação de sociedades mais desenvolvidas e mais justas, num quadro de segurança e de paz.
Peço a todos que me acompanhem num brinde pelas felicidades pessoais do Presidente e da Senhora Kwasniewski, pelo progresso crescente da Polónia, por uma Europa de paz, cada vez mais unida e solidária.