20º Aniversário da UGT


29 de Outubro de 1998


Decidi participar na celebração dos primeiros vinte anos de existência da UGT por duas razões principais.

Em primeiro lugar, porque quero sublinhar a importância que atribuo ao sindicalismo na construção da democracia portuguesa. Em segundo lugar, porque os sindicatos continuam a ter um papel insubstituível na conjugação dos valores democráticos com as exigências da competitividade económica das sociedades europeias.

Desfaçamos, desde já, quaisquer hipóteses de equívoco: nem como cidadão, nem, muito menos, como Presidente da República, estive ou estou sempre de acordo com as opiniões e as atitudes dos sindicatos como, aliás, de outros agentes sociais e económicos.

Não quero, até porque entendo que não me compete, julgar o comportamento dos sindicatos ou, menos ainda, pronunciar-me sobre questões concretas do relacionamento entre as confederações sindicais ou sobre as relações que uma e outra mantêm com as associações empresariais e patronais.

Mas, qualquer que seja a avaliação que façamos do sindicalismo, julgo que é justo salientar que os sindicalistas portugueses cumpriram sempre, antes como depois de Abril, uma função de inegável importância social, económica e política: fazer ouvir a voz dos trabalhadores.

Fizeram-no de diversas maneiras e, por vezes, estiveram longe de ser consensuais.

Não escondo, sequer, que o passado dos sindicatos portugueses não está, a meu ver, isento de erros e de omissões relevantes como acontece quanto a todos os agentes políticos em Portugal. Por outro lado os sindicatos manifestaram e manifestam, por vezes, algumas dificuldades em enfrentar os desafios com que me parecem estar confrontados, e nem sempre me parece evidente a sua capacidade de interpretar as esperanças dos sectores sociais que representam. Ninguém está imune a esse comentário, verdade se diga.

Não é, também, o momento de discutir as vantagens e os inconvenientes do que poderiam ter sido as outras vias de desenvolvimento da relação entre trabalhadores e sindicatos, entre sindicatos e associações patronais e empresas, entre sindicatos e partidos políticos.

Mas seria um erro e uma injustiça não sublinhar com a devida ênfase que a chamada "questão sindical" constituiu um momento decisivo da institucionalização da democracia portuguesa com repercussões nos tempos em que vivemos.

A minha presença nesta sala testemunha, pois, antes do mais, um sinal da importância que atribuo à liberdade sindical, ao sindicalismo e à participação dos trabalhadores na construção da democracia e na modernização da sociedade portuguesa.

A UGT constitui uma das mais importantes manifestações desse traço essencial da democracia portuguesa que é a liberdade sindical.

Representa, também, uma tentativa séria de agir em favor de uma sociedade mais moderna e é, reconhecidamente, uma organização militante em favor da integração europeia e um dos centros de reflexão sobre os desafios do sindicalismo contemporâneo.

Merece, portanto, que as suas tomadas de posição sejam ouvidas com atenção e que a sua identidade seja reconhecida como um dos agentes relevantes da construção do nosso futuro colectivo.

Como cidadão e como Presidente da República, bati-me sempre para que se reconheça que a questão social constitui um dos pontos essenciais da agenda política contemporânea.

Constato, com agrado, que é cada vez maior e mais relevante o conjunto de estudiosos, de líderes de opinião, de decisores económicos, sociais e políticos que assim pensam.

Mas verifico, também, que, apesar dos progressos verificados na luta contra a pobreza e a exclusão social, continuamos a manifestar grandes dificuldades em responder de modo inovador à crise do pacto social tradicional, aos dramas do desemprego juvenil e do desemprego de longa duração.

Não ignoro que são questões de grande dificuldade, que Portugal partilha com as outras sociedades europeias.

Mas precisamente porque assim é, entendo que devo contribuir para que a reinvenção dos instrumentos da solidariedade social seja procurada com a contribuição de todos os que dela queiram e possam participar.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

A solidariedade é um instrumento insubstituível na compatibilização dos indesmentíveis desafios da competitividade económica e do individualismo induzidos pelo mercado com as exigências da democracia.

É nosso dever tornar claro que se trata de um problema incontornável, que obriga a todos e que a todos nos convoca.

Obriga, certamente, aqueles a quem o voto conferiu a legitimidade para decidir sobre o bem comum, porque sem direitos sociais os que são vítimas do desemprego, da desigualdade de oportunidades e da marginalização social não podem exercer plenamente os direitos políticos que as democracias lhes reconhecem.

Mas obriga, e convoca também, todos os que têm um papel relevante na procura de novos equilíbrios entre direitos e deveres económicos e sociais a que o pacto social tradicional não responde com eficiência bastante.

Como tenho dito, julgo que a adaptação dos mercados de trabalho às exigências de qualificação dos trabalhadores e da eficiência das empresas e o ajustamento dos sistemas de protecção social à necessidade de inserção social dos grupos desfavorecidos e aos constrangimentos da crise financeira do Estado Providência são incontornáveis.

Espero, por isso, que Portugal continue a contar com a presença activa da UGT nessa tarefa imensa em que partilha das responsabilidades que as sociedades reconhecem a um pequeno número de organizações sociais e económicas.

Que os primeiros vinte anos de uma central sindical portuguesa se cumpram no ano em que celebramos o 50º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem e da Convenção da OIT sobre a Liberdade sindical é para mim um motivo de reflexão e uma razão adicional para este testemunho que aqui deixo.