A Luís Francisco Rebelo

Teatro Luísa Todi, Setúbal (Na celebração do Dia Mundial do Teatro)
27 de Março de 1996


Neste dia que, em todo o Mundo, é dedicado a celebrar o teatro, celebração que, por vezes, é feita por entre os clamores da guerra e os gritos do sofrimento, não podia deixar de estar presente numa representação dramática.
O teatro é, desde a Antiguidade Grega, um dos mais altos testemunhos da nossa cultura e da nossa civilização. Diria mais: o teatro tem sido, quase sempre, da tragédia clássica ao teatro do absurdo, o mensageiro universal dos mais fundos enigmas da condição humana e o profeta das mudanças e rupturas do tempo.

Quero, hoje, saudar com muita simpatia e admiração todos os que, em Portugal, trabalham no teatro e para o teatro — muitas vezes em situações de dificuldade e carência, por amor à arte, como se continua a dizer.

A minha presença, em Setúbal, representa também o desejo de homenagear um dramaturgo português, ao mesmo tempo que sublinha a necessidade de apoiarmos a descentralização cultural.

Luís Francisco Rebelo é uma grande figura do nosso teatro. Como dramaturgo, historiador, crítico, ensaísta, director tem realizado uma obra a todos os títulos relevante e valiosa. A inscrição do seu nome numa lápide deste teatro é um gesto de inteira justiça e cheio de significado.

Conheço o Dr. Luís Francisco Rebelo há muitos anos. Tenho a honra de ser seu amigo, colega e admirador. Devo-lhe mesmo atenções e gentilezas, nos planos pessoal e profissional, que não esqueço.

Grande advogado, especialista em matéria do direito de autor, tem realizado, como Presidente da Sociedade Portuguesa de Autores, uma notabilíssima acção em defesa dos direitos dos criadores intelectuais e da dignificação da sua função social.

Agradeço ao Sr. Presidente da Câmara Municipal de Setúbal as tão amáveis palavras que me dirigiu e felicito-o por esta feliz iniciativa e pelo apoio que tem dado às actividades culturais do seu Concelho.

Agradeço também ao Teatro de Animação de Setúbal o convite que me dirigiu para estar aqui, hoje, convosco e desejo-vos os maiores êxitos.

O texto tão tocante que, este ano, o autor dramático sírio Saadalla Wannous escreveu para assinalar o Dia Mundial do Teatro é, na sua sombria beleza, uma mensagem de esperança na capacidade de regeneração da condição humana.

Nas suas palavras, Wannous confessa que a escrita tem sido a grande arma para lutar contra a terrível doença que ameaça a sua vida. Diz-nos:

«Durante estes últimos anos, escrevi, de uma maneira febril, várias peças; um dia, perguntaram-me num tom de reprovação: porquê essa obstinação, uma vez que o teatro está ameaçado de ser sacrificado até ao ponto de desaparecer da nossa existência? Fiquei admirado pela pergunta mas mais ainda pela minha reacção de fúria.

Era-me difícil explicar a essa pessoa que me tinha interrogado, a profundeza e a perenidade da minha ligação ao teatro, de esclarecer que, se deixasse de escrever para o teatro, no momento em que me encontro no limite da minha vida, seria uma ingratidão e uma traição inadmissíveis cujo único resultado seria abreviá-la. Também deveria ter acrescentado, se tivesse respondido, que a obstinação em escrever para o teatro fazia parte da minha vontade de defender e de contribuir para a sua sobrevivência. Arriscando-me a ser repetitivo, quero sublinhar que o teatro é mais que uma Arte, é um fenómeno de civilização complexa e que o seu desaparecimento acentuaria a tristeza, a fealdade e a indigência deste mundo.

Quaisquer que sejam as forças que oprimem o teatro, e qualquer que seja o grau de decepção que a realidade acarrete, estou convencido que a conjugação dos esforços de todos homens de boa vontade, numa escala mundial, permitirá salvaguardar a cultura e devolverá ao teatro a sua importância e o seu brilho passados.»

As palavras fortíssimas de Wannous, escritas numa situação pessoal tão dolorosa e difícil, interpelam-nos e responsabilizam-nos. Estou certo de que todos os que amamos o teatro as saberemos, neste dia, meditar.