Cerimónia de Acolhimento de Suas Majestades os Reis de Espanha

Torre de Belém
11 de Setembro de 2000


Majestade

É com grande regozijo que vos acolho em Portugal neste local simbólico da gesta dos portugueses.

Na pessoa de Vossa Majestade, vêem os portugueses um homem de Estado que defendeu e ajudou a consolidar a democracia em Espanha, um monarca que soube unir num laço comum de afecto o seu reino, e um amigo fiel que conhece, estima e preza Portugal.

Estou seguro que esta visita, com que Vossa Majestade e a Rainha D. Sofia nos honram, sublinhará de forma eloquente a confiança, a solidez e a profundidade dos laços entre os nossos dois países, neste momento tão prometedor das suas respectivas histórias.

Majestade

Há cinco séculos, rasgando mares ignotos, os dois Estados da Península Ibérica romperam o isolamento e lançaram-se numa aventura de descoberta, exploração e colonização que abriu o mundo à Europa.

Era daqui, desta ocidental praia lusitana, do areal que então cobria estas margens que partiam as caravelas lusas e que ficavam, olhos postos nos navegantes, velhos, mulheres e crianças. Na altura, nem todos os que ficaram perceberam que era esse um horizonte de futuro promissor. Não faltaram velhos do Restelo que então denunciaram a empresa, entendendo que esta não só hipotecava o futuro, como arruinava o presente, trazendo mortes, perigos, tormentas, crueldade e desastres.

A realidade revelou-se diferente: com as descobertas, tornaram-se os Portugueses e Espanhóis, cada um à sua maneira, cidadãos do mundo. A Península Ibérica tornou-se ponto de confluência de civilizações, saberes e gentes. Foi um tempo que se cumpriu e que se esgotou, por razões diversas que não importa agora aprofundar, mas que marcou o início do primeiro ciclo da globalização.

Há vinte cinco anos atrás, Portugal e a Espanha, rompendo mais uma vez o isolamento imposto pelos arcaicos regimes autoritários que os governavam, reencontraram-se com a democracia, que lhes restituiu a dignidade, a liberdade e a justiça, e lhes abriu as portas da Europa.

Essa mudança crucial fez escola e alastrou, nos anos seguintes, desde a América Latina até à Europa Central e Oriental, anunciando uma viragem decisiva na política internacional. Foi mais uma vez da Península Ibérica que partiu um sinal percursor desse novo ciclo de globalização em que nos encontramos, o qual, ao contrário dos anteriores, não se desenrola já sob o signo do espírito de conquista, mas sob a égide da democracia, da economia de mercado e do respeito pelo indivíduo.

Com a democracia e o ingresso nas Comunidades Europeias, os dois Estados da Península iniciaram uma nova descoberta, não já de distantes paragens e de gentes remotas, mas daquilo que lhes é mais próximo, ou seja das suas respectivas identidades enquanto povos e nações europeias. Com o processo de integração europeia, Portugal e Espanha criaram uma nova cumplicidade, encontraram eixos comuns de solidariedade e abraçaram um projecto partilhado — a grande aventura da construção europeia.

Daqui resultaram relações bilaterais reforçadas, animadas por uma vontade política firme e esclarecida e que, superando rivalidades antigas e desconfianças ancestrais, permitiram o estreitamento dos laços políticos, económicos, culturais e sociais entre os dois países.

Mais ainda, por via da participação no projecto da União Europeia, redescobriram as velhas nações da Península que poderiam cumprir mais um ciclo da sua vocação universalista, reforçando a sua presença internacional e contribuindo para, desta feita, aproximar a Europa do mesmo mundo que, séculos antes, tinham aberto à curiosidade e ao mando dos europeus.

Conjugando esforços e participando activamente na edificação de uma nova Europa, baseada no respeito pelos valores incondicionais da democracia, da paz, da solidariedade, da equidade e do respeito pelos direitos humanos, está nas nossas mãos traçar a linha intangível do horizonte de convivência que desejamos estabelecer entre nós, como Estados soberanos e iguais, parceiros e aliados, vizinhos e amigos, com vista a, utilizando palavras de Fernando Pessoa, “outra vez conquistar a Distância – do mar ou outra, mas que seja nossa!”.
Sejam Vossas Majestades bem vindas a Portugal.