V Congresso do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público


20 de Novembro de 1998


Ao saudar os senhores congressistas e os senhores convidados, quero sublinhar a importância decisiva do tema que orientará os trabalhos deste 5º Congresso do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público - a democracia, a igualdade dos cidadãos e o Ministério Público.
   
A democracia e a igualdade dos cidadãos constituiu, todos o sabemos, o combate de várias gerações, com a militância e a densificação que conheceu entre duas guerras, quando os fascismos pareciam triunfantes; e entre nós, que não partilhámos, nessa forma, da vitória das democracias, foram ainda necessárias mais três décadas de luta, para que a democracia e a igualdade dos cidadãos pudessem ser, finalmente, consagradas.
   
Foi um tempo de grande e justificada euforia colectiva - na proclamação da cidadania, na consagração constitucional dos direitos, liberdades e garantias do homem e das suas comunidades, no reordenamento e limitação dos poderes, na disciplina do uso das coisas pelas exigências da solidariedade social.
   
E foi ainda o tempo de receber no nosso ordenamento jurídico, como parentes próprios e legítimos, os grandes instrumentos regionais e universais de tutela dos direitos da pessoa, com natural realce para a Convenção Europeia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e para o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.
   
Tudo isto - que foi tanto - prolongou-se no esforço permanente dos agentes da Justiça, que se empenharam na aplicação entusiástica dos novos princípios, fazendo da lei editada direito vivo e respeitado e, a breve trecho, jurisprudência comum, como se nenhum hiato histórico tivesse separado Portugal das regras de convivência do mundo em que geograficamente se integrava.
   
Mas operado o reencontro com a História e abertas as vias da modernidade, estava inafastavelmente colocada a questão do desenvolvimento.
   
Ora o desenvolvimento se é uma opção, movida e sustentada por uma magnífica vontade de progresso e de justiça, também comporta necessariamente - tem comportado sempre, em todas as latitudes - desorientação, bloqueios e intranquilidade social, que a Justiça sente de um modo peculiar.
   
É, por isso, num quadro de perplexidades e inquietações que a Justiça vem sendo e há-de continuar a ser questionada.
   
É neste quadro que o 5º Congresso do vosso Sindicato irá, porventura, questioná-la, agora no âmbito das correlações entre a democracia, a igualdade dos cidadãos e essa magistratura que existe para os servir.
   
Serviço que o Ministério Público tem realizado com assinalável esforço e dedicação, e que, por isso, lhe dá insubstituível experiência para reflectir e debater o tema que hoje lhe é proposto. Reflexão e debate que decorrerão, por certo, com a serenidade de quem está funcionalmente habituado à isenção e sem a preocupação de pôr a tónica em reflexos corporativos, que, perturbando a igualdade, inquinam a democracia.
   
Nesse debate e reflexão, estou certo de que já tereis compreendido que o que menos importa é assacar culpas ou estigmatizar responsáveis, umas e outros enterrados num passado sempre irrecuperável.
   
Numa situação que interpela os poderes, o das Leis e o dos Governos, o que importa é que todos os agentes da Justiça intervenham e colaborem nas respostas necessárias - para o futuro.
   
É, por isso, que o debate continuado de causas e soluções, com a participação e a publicidade que os media proporcionam, tem de prosseguir. Debate que terá de fazer-se, não me cansarei de insistir, com porfiado abandono das abordagens tecnicistas e do vocabulário especializado, de modo a que todas as disciplinas e todas as experiências se sintam motivadas a trazer o contributo próprio - na enunciação e diagnóstico dos males, nos tipos de soluções a promover, na natureza e quantidade de meios necessários, na identificação das disfunções organizativas e dos instrumentos para as reparar.
   
Mais: a Justiça, vista e partilhada com o comum, pode ser um elemento decisivo de tranquilização da vida pública, sem a qual dificilmente haverá um realismo sereno quanto às expectativas de futuro - realismo tanto mais necessário quanto muitos dos fazedores de opinião e algumas das gerações no poder caldearam a sua formação num pessimismo oitocentista e tendem sempre a regressar a Tormes e ao desencanto militante que no seu reverso se esconde.
   
Quero terminar com uma palavra de confiança - na capacidade de todos os magistrados do Ministério Público para, doseando legítimas preocupações corporativas, e prescindindo de memórias agastadas, se manterem abertos à comunidade, e encontrarem nela, em diálogo e boa fé, novos caminhos de um direito vivo e fecundo, que só ele justifica e é razão da magistratura em que o Ministério Público está investido.
   
O Presidente da República continuará atento, que a única estratégia que justifica a minha função e, por via dela, o mandato que recebi, é o cuidado do Povo e a defesa da República.