Visita à Escola Superior de Teatro e Cinema do Instituto Politécnico de Lisboa

Amadora
17 de Outubro de 2000


É com muito gosto que participo nesta sessão de abertura do ano lectivo 2000-2001 e que visito esta Escola, herdeira de uma tradição centenária, que respira uma vida nova desde a sua integração no ensino superior politécnico.

Quero felicitar-vos por este excelente edifício e desejar-vos os maiores êxitos no vosso trabalho.

Minhas Senhoras e Meus Senhores

Nas últimas décadas, Portugal tem feito um esforço notável na educação das crianças e dos jovens, desde o nível pré-escolar até ao ensino superior. A nossa situação é, hoje, bem diferente daquela que nos envergonhava há tão pouco tempo. Não podemos ignorar as imperfeições que ainda subsistem, mas nem por isso devemos deixar de afirmar que a democratização do ensino constitui um motivo de orgulho para o conjunto da sociedade portuguesa.

Neste processo, todavia, uma das áreas menos acarinhadas tem sido o ensino artístico, que tem resistido graças ao trabalho de muitas pessoas e instituições, mas que não encontrou ainda as formas de consagrar uma presença efectiva nos vários graus de ensino, desde a actividade livre e criativa da primeira infância até à formação artística de nível superior. É importante corrigir esta situação. Exige-se hoje uma atenção renovada às questões artísticas, enquanto referência essencial do desenvolvimento humano e da afirmação cultural do nosso povo.

Quero partilhar convosco duas ideias que me permito apresentar através de palavras de Eduardo Lourenço:

“O problema número um, aqui como noutras disciplinas, mas com outra acuidade por o saber artístico e a sua transmissão ser de uma outra natureza, é o da formação de formadores. Ninguém os pode formar senão outros artistas ou criadores-pedagogos. Só um elitismo implacável no topo permite pôr em marcha o mecanismo efectivo de uma democratização cultural artística no futuro”.


Eduardo Lourenço convida-nos a esquecer as dicotomias habituais e explica-nos que só o “elitismo” concretiza a “democratização” (e vice-versa). Num primeiro tempo, chama a atenção para a necessidade de uma formação artística de nível superior que tem de se pautar por critérios de grande exigência e qualidade. É este o vosso repto. Formar aqui, nesta Escola, os artistas e os criadores, nas áreas do Teatro e do Cinema, de que Portugal necessita.

Formar aqui, nesta Escola, as elites que poderão promover as práticas artísticas em todo o país. Para isso é preciso reunir excelentes condições pedagógicas, recrutar os melhores professores, sensibilizar os estudantes para o trabalho que os espera, chamar a este espaço encenadores, actores, cineastas, artistas de prestígio nacional e internacional. A acção recente da vossa Escola mostra que o caminho já está a ser trilhado e que podemos ter confiança no futuro.

Mas a citação de Eduardo Lourenço tem um segundo tempo, não menos importante. Ele manifesta-nos o desejo de uma efectiva democratização cultural artística. Ora, nas sociedades actuais, este processo realiza-se, em grande medida, dentro das escolas. Por isso, uma instituição como esta não pode alhear-se das dinâmicas de educação artística nos jardins de infância e nas escolas do ensino básico e secundário.

É preciso afirmar, com convicção, que a formação artística é uma componente insubstituível na formação das pessoas, no modo como cada um cresce e se afirma como ser humano.

É interessante juntar estes dois pólos e estabelecer entre eles uma relação. Ao fazê-lo estamos a marcar a responsabilidade da Escola Superior de Teatro e Cinema na formação de artistas de excepção, mas também na educação de todas as crianças e de todos os jovens, através de um investimento na “formação de formadores” e na divulgação artística.

Eu sei que a Arte nos faz mais humanos, que a experiência artística é indispensável à nossa realização como pessoas. E, por isso, vos peço que participem no esforço nacional de promoção de uma cultura artística: quer seja nesta Escola, num trabalho de alto nível, de pesquisa e de laboratório, de procura de novas linguagens artísticas; quer seja na criação de programas de formação de formadores, de professores e de animadores; quer seja no apoio à mais pequena das escolas, promovendo a criatividade, despertando as crianças para a liberdade artística e para as suas mais variadas formas de expressão.

Quero também manifestar a esperança de que esta escola possa desempenhar um papel relevante no contexto urbano em que está inserida contribuindo para a promoção cultural e para os equilíbrios sociais desta cidade.

O desafio é, pois, de uma profunda interacção entre a escola, a autarquia e o tecido associativo.

Ultrapassámos o tempo em que se encarava o desenvolvimento por um lado e a arte por outro. Cada vez mais se acredita hoje que a integração social e o desenvolvimento equilibrado necessitam do contributo das artes.

Ao dirigir-vos estas palavras, lembro-me de José Gomes Ferreira no seu Apontamento para um exercício sobre Stravinski. E não quero que continuemos a ter “saudades de não poder inventar o futuro”. A arte, a criatividade, a imaginação – eis o que nos pode levar cada vez mais longe, o que nos pode ajudar a pensar novas ideias e projectos.

Eu não desejo sonhar um futuro longínquo.

É outro o meu propósito como Presidente da República: contribuir para que os portugueses percebam a importância da Arte, de todas as formas de Arte, na sua existência individual e colectiva. Sei que partilham comigo este propósito e que posso contar convosco.

Juntos, trabalharemos para construir um novo futuro para as Artes no nosso país.