Colóquio Droga no Século XX


25 de Novembro de 1998


Começo por felicitar o Supremo Tribunal de Justiça e, em particular, o seu Presidente, pela realização deste colóquio sobre as drogas.
   
As toxicodependências têm sido observadas, ao longo dos tempos, sob diversos olhares.
   
Não é minha intenção, naturalmente, percorrer aqui a história mais recente do discurso ideológico, das abordagens científicas ou dos modelos culturais que se sucederam na sociedade portuguesa a propósito das drogas.
   
Penso, porém, que o paradigma actual acentua a doença, ou seja, os toxicodependentes são, antes de mais, compreendidos e identificados como doentes. Ainda que alguns apresentem comportamentos delinquentes.
   
Porém, uma das dificuldades desta compreensão reside em como cruzar os paradigmas da doença e da lei, em especial quando se identificam na mesma pessoa.
   
A sociedade portuguesa está hoje evidentemente mais desperta para este complexo problema.
   
Estamos hoje, de igual modo, em melhores condições para discutir abertamente a dimensão do problema, as várias áreas em que ele se coloca e as diversas alternativas para limitar as suas consequências.
   
Efectivamente, foram dados passos decisivos, nos últimos anos, na sociedade portuguesa e também no plano internacional para melhor reflectir, compreender e medir a eficácia das medidas que tomamos.
   
A Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre Drogas, em que Portugal esteve fortemente empenhado, colocou claramente a droga como um problema mundial, para o qual a resposta se deve basear na ideia da responsabilidade partilhada e da verdadeira solidariedade internacional.
   
Este passo, aparentemente tão simples, só foi possível graças a um prolongado esforço pedagógico e diplomático, que uniu todos os Estados representados na ONU.
   
Afirmei em Nova Iorque que era necessária uma nova política que actuasse sobre os factores que levam ao aparecimento e ao desenvolvimento dos chamados comportamentos desviantes, que fosse uma política social preventiva, que encarasse os programas de redução de riscos numa perspectiva de saúde pública, que se baseasse em informação objectiva e na investigação pluridisciplinar, em suma, que tratasse com equilíbrio as políticas de redução da oferta e da procura.
   
Desejo, em segundo lugar, sublinhar a qualidade do trabalho desenvolvido pela Comissão nomeada pelo Governo para propor uma estratégia nacional de combate à droga.
   
Independentemente do maior ou menor consenso à volta de algumas das suas propostas, não quero deixar de registar publicamente que se trata de um valioso contributo para dar maior consistência técnica e política a uma estratégia sobre drogas.
   
Aliás esta é uma metodologia que me parece francamente positiva e replicável em outras áreas sociais relevantes.
   
Fomentar o debate em torno das grandes questões que se colocam à sociedade, incentivar a participação dos variados agentes deste processo, da comunidade científica, das famílias e dos próprios cidadãos dependentes de drogas é, seguramente, a forma mais eficaz de se procurar um consenso nacional numa área que é reconhecidamente melindrosa.
   
Esta situação inquieta-nos a todos, sem excepção, e por isso permitam-me que vos apele, enquanto face visível da Justiça, para que ponderem com a serenidade, independência e isenção que vos caracteriza, sobre a adequação e eficácia das leis, dos tribunais, das autoridades policiais e das instituições prisionais perante a complexa realidade das drogas.
   
Penso que é chegada a altura do sistema judicial ter um papel ainda mais relevante nas políticas de redução dos efeitos nocivos das toxicodependências.
   
A constatação, por exemplo, de que mais de 25% da população prisional é constituída por condenados ou arguidos por crimes conexos com as drogas dá-nos uma dimensão aproximada do problema e obriga-nos a agir.
 
Dos tribunais espera-se que atentem nesta tão complexa realidade e que interpretem a lei de forma a contribuir para uma política coerente face às drogas.
 
As sugestões de alterações legislativas e organizativas referidas no relatório da Comissão para a Estratégia Nacional de Luta contra a Droga visando incentivar a aplicação de medidas não privativas de liberdade, para que se coloque a possibilidade efectiva de o tratamento do toxicodependente constituir uma alternativa às sanções penais, devem merecer a vossa ponderação.
   
Provavelmente, necessitamos de um maior esforço na organização e na coordenação dos recursos existentes do que em alterações normativas.
   
A necessidade de uma melhor articulação entre os serviços de Saúde e os serviços Prisionais constitui um só exemplo do que pretendo demonstrar.
   
Constato que, por vezes, políticas generosas e consensuais fracassam por práticas autistas na administração pública e pelo peso dos interesses instalados.
   
A saúde e a segurança dos Portugueses, a credibilidade do próprio Estado, afectadas pelo problema das drogas, exigem um grande esforço de compreensão e de participação numa tarefa que é colectiva e que é permanente.
   
Os desafios que temos perante nós não são fáceis e não podemos perder tempo com conflitualidades acessórias nem desanimar face às dificuldades, que se colocam em todo este processo.
   
Conto, como sempre, com a vossa experiência e o vosso saber.