Assembleia Geral da EAPN


26 de Novembro de 1998


Ao iniciar esta intervenção, quero saudar os Responsáveis da Rede Europeia Anti-Pobreza pelo trabalho que esta Associação tem desenvolvido em toda a Europa e, também, em Portugal.
   
Tratando-se de uma entidade vocacionada para dar a necessária visibilidade aos fenómenos de pobreza e exclusão e para sensibilizar os poderes públicos, as organizações não-governamentais de solidariedade social e a generalidade dos cidadãos no sentido de uma intervenção integrada nesta área, a Rede Europeia Anti-Pobreza tem contribuído para aumentar a nossa capacidade colectiva de conhecimento e de actuação sobre algumas das manifestações mais dramáticas dos processos de marginalização económica, cultural e cívica presentes nas sociedades contemporâneas.
   
Infelizmente, perante a generalização e persistência destes problemas, tem vindo a insinuar-se a ideia de que, no quadro de uma economia mundializada e muito competitiva, a possibilidade de intervenção correctora dos Governos e outras instituições de regulação social está extremamente condicionada, para não dizer reduzida a margens de actuação quase insignificantes.
   
Nessa perspectiva de grande conformismo perante algumas tendências macroeconómicas e sociais instaladas, vai-se ao ponto de admitir que o alastramento de fenómenos como o desemprego massivo de longa duração de jovens e menos jovens, a precarização extremada dos vínculos laborais ou mesmo a degradação das condições de vida de certos estratos da população até aos limiares da mera sobrevivência física são factos inevitáveis, ou mesmo "naturais" - e o adjectivo, neste contexto, chega a ser cruel.
   
Hão-de reconhecer muitos dos presentes que, desde o início do mandato, tenho chamado a atenção para a gravidade dos dualismos e desigualdades que às escalas mundial, europeia e nacional vão marcando amargamente o quotidiano e os horizontes de vida de milhões de seres humanos. E não me canso de insistir igualmente na ideia de que, sendo estruturais os factores da pobreza e da exclusão, nada justifica que os consideremos irreversíveis ou absolutamente inexpugnáveis.
   
Tenho-o feito porque me parece possível enfrentar com êxito alguns dos efeitos mais nefastos da marginalização social. É um combate que exige conhecimento sério dos processos sociais em causa e, ao mesmo tempo, capacidade de mobilização integrada e sistemática, no terreno, de recursos económicos, organizacionais e institucionais, bem como de energias cívicas dispersas.
   
Não escondo que, colocando-me nesta perspectiva, sempre me pareceu mais importante criar malhas consistentes de prevenção social do que actuar, a posteriori, sobre os efeitos e manifestações mais ostensivas da precarização social. Num país como Portugal, que adiou durante décadas a criação de um Estado de Bem Estar consistente e suficientemente dotado em termos financeiros, esta vertente de prevenção torna-se, por maioria de razão, crucial e prioritária.
   
Pois bem: julgo que a Rede Europeia Anti Pobreza pode dar um contributo muito positivo para incutir, nas filosofias e metodologias de actuação de todas as entidades ligadas à luta contra a exclusão, uma tal visão do problema.
   
Gostaria que, na medida do possível, a Rede também contribuísse para difundir a ideia de que, neste difícil domínio dos problemas sociais, a prevenção das prevenções residirá sempre, afinal, quer em Portugal quer no conjunto da União Europeia, na própria orientação das políticas macroeconómicas, nas políticas de emprego e do mercado de trabalho e nas políticas activas de inserção social.
   
É que, do meu ponto de vista, para que a luta contra pobreza e a exclusão social alcancem a eficácia de que carecem, é fundamental que se verifiquem alguns pressupostos.
   
Primeiro, o de que não é possível prevenir eficazmente os fenómenos de exclusão social sem que a questão do emprego constitua um dos critérios essenciais e estruturantes de decisão sobre as políticas económicas.
   
Em segundo lugar, o de que o combate contra a velha e a nova pobrezas exigem que se questionem as políticas económicas que adiam permanentemente o combate contra desigualdades e discriminações gritantes na distribuição do rendimento.
   
Em terceiro lugar, o de que o combate à pobreza não é viável sem políticas de educação e de formação que assumam e dignifiquem a diversidade cultural e social dos destinatários, garantindo ao mesmo tempo a formação para a cidadania e a efectiva qualificação para o trabalho.
   
É à luz das respostas, fundamentadas e realistas, dadas a estas questões que se impõe, certamente, uma avaliação corajosa dos modelos de intervenção social, procurando sempre descobrir os desfasamentos entre a pureza da concepção e a complexidade dos problemas concretos.
   
Mas exige, também, a abertura dos técnicos para um trabalho interdisciplinar, libertos, enfim, das tentações de auto-suficiência profissional para uma cooperação interinstitucional permanente.
   
Estou certo de que a experiência da Rede Europeia Anti Pobreza dará contributos importantes para a tarefa colectiva de melhor enfrentarmos, hoje, o sofrimento dos marginalizados.
   
Trata-se de tarefa com tal importância que, a meu ver, supõe a inclusão explícita dos objectivos das políticas de luta contra a pobreza entre as prioridades da União Europeia e dos seus Estados Membros.
   
Aguardo, pois, com expectativa, os resultados do trabalho realizado durante esta Assembleia Geral, certo de que ele contribuirá para que os que são vítimas da pobreza sejam encarados como devem: como cidadãos titulares direitos e de deveres perante as sociedades a que pertencem.