AGRACIAMENTO DO PRÉMIO NOBEL DA LITERATURA


03 de Dezembro de 1998


Este acto que nos reúne aqui e nos faz partilhar os mesmos sentimentos de congratulação e de louvor constitui a homenagem nacional que prestamos a José Saramago, Prémio Nobel da Literatura de 1998.

Ao agraciá-lo com o grau máximo e excepcional da Ordem Militar de Santiago da Espada, o Grande-Colar, testemunho-lhe reiteradamente, em nome de Portugal, o mais vivo reconhecimento por este Prémio, que é seu, e que nos enche de alegria, pois consagra universalmente um grande escritor português e uma obra que tem dado à nossa literatura e à língua que falamos uma projecção ímpar e um grande prestígio.

Meu Caro José Saramago:

Estamos aqui todos para o homenagear: representantes dos orgãos de soberania, dos partidos políticos, das autarquias, das instituições culturais, da sociedade em geral. Mulheres e homens de cultura, de todos os domínios de actividade, jornalistas, também a sua família e muitos dos seus amigos e dos seus admiradores, entre os quais, como sabe, eu me conto. A solenidade deste acto é, por isso, envolvida pelo calor da amizade, do apreço, da afeição.

Uma obra literária constrói-se numa dupla e paradoxal situação, feita, ao mesmo tempo, de solidão e de comunicação, do que é individual e do que é colectivo. A voz do escritor é, muitas vezes, a voz de todos e a voz de todos está, tantas vezes, na voz do escritor.

Os livros de José Saramago têm muitos leitores, atravessaram fronteiras, estão presentes em todo o lado. Estou certo de que, de alguma maneira, esses leitores estão também aqui para o saudar.

Meus Amigos,

Temos o grande contentamento de poder contar com a presença, tão cheia de significado, de escritores distinguidos com o Prémio Camões. Aqueles que, pela idade ou por motivos de saúde, não puderam fazer uma longa viagem, pediram, expressamente, para que, em espírito e em intenção, os considerássemos aqui entre nós, associados a esta homenagem.

A defesa, a divulgação e a valorização da língua portuguesa, que é comum a 200 milhões de pessoas e que tem no Prémio Camões um dos seus símbolos maiores, assume para nós o valor de um compromisso, que agora renovamos.

Disse José Saramago, no Brasil, exactamente no momento em que recebeu o Prémio Camões: "Quero pensar que, num futuro próximo, já que não poderá ser imediato, todos esses países - Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Portugal, consoante as disponibilidades humanas e financeiras de cada um, possam elaborar e pôr em funcionamento um plano de trabalho conjunto, atento, naturalmente, às circunstâncias e exigências nacionais, mas visando, com um espírito generoso e aberto, a preservação equilibrada e a difusão eficaz da língua portuguesa no mundo, mas também, e sobretudo, no próprio interior dos países que a falam, os nossos."
   
De facto, uma política de língua é, na actualidade, um instrumento fundamental de reforço das identidades, de defesa da diversidade cultural e linguística, de afirmação no Mundo. Precisa ser realizada com ambições, com meios, com persistência e com a convicção de que se trata de um investimento que, a prazo, dá frutos em progressão geométrica. Este Prémio Nobel veio reforçar visivelmente em todos os que falam a língua portuguesa um sentimento de comunidade e de pertença.
   
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
   
A cultura portuguesa tem alcançado um reconhecimento internacional crescente de que o Nobel é um sinal culminante. Disso são responsáveis, em primeiro lugar, os que a fazem. Quero, neste momento, agradecer a todos os que criam, acrescentam, divulgam e enriquecem a nossa cultura, com as suas obras, o seu trabalho, o seu esforço, a sua acção.
   
Uma cultura só consegue dialogar com as outras culturas se, antes, fôr capaz de dialogar consigo mesma. Factor de identidade e de invenção do futuro, de memória e de renovação, a cultura de um povo é aquilo que, ao mesmo tempo, o torna o que ele é e o deve abrir aos outros e ao que os outros são, nesse diálogo feito de entendimentos e desentendimentos que faz de cada cultura o testemunho mais elevado de um povo e que faz das culturas, na sua diversidade, a imagem mais fidedigna da humanidade.
   
Neste tempo tão cheio de perplexidades e de desafios, em que, na floresta de sinais contraditórios e complexos, procuramos os caminhos do futuro, é na coragem do pensamento, da criação, da crítica, da liberdade que podemos encontrar, se nem sempre as respostas, ao menos as perguntas. Aquelas que esclarecem, que ajudam a mudar o que está mal, que orientam a acção e a construção de um Mundo mais livre, mais humano, mais tolerante, mais justo, mais solidário - não apenas nas grandes e abstractas proclamações, mas concreta e quotidianamente.
   
Termino, como comecei: agradecendo. Agradeço a José Saramago este Prémio Nobel. Agradeço-lhe os livros que nos dá, o talento, a originalidade, a dedicação ao ofício da escrita, a seriedade com que o exerce. O Grande Colar da Ordem Militar de Sant?Iago da Espada que lhe entrego é o símbolo dessa nossa gratidão - e também do nosso orgulho e da nossa alegria.