Discurso do Presidente da República por ocasião do Jantar em honra do Presidente da República Italiana, Carlo Azeglio Ciampi

Palácio Nacional da Ajuda
04 de Dezembro de 2001


Senhor Presidente
Senhora de Carlo Ciampi
Minhas Senhoras e meus Senhores

Constitui para mim uma honra e um grato prazer receber Vossa Excelência em Portugal. Saudamos na pessoa de Vossa Excelência o mais alto representante da nação italiana, por quem sentimos tanto carinho e admiração, e o homem político que se tem notabilizado pelo rigor e pela isenção e por um empenho constante na causa europeia.

A presença de Vossa Excelência entre nós é tanto mais significativa quanto têm sido, infelizmente, raras as visitas oficiais de responsáveis ao mais alto nível dos nossos dois países. Estou certo que a vinda de Vossa Excelência servirá de estímulo a um contacto mais estreito e intenso, a todos os níveis, entre Portugal e a Itália, que tudo justifica e do qual, estou certo, ambos os países terão a ganhar.

Aliados na NATO, parceiros na União Europeia, partilhando um mesmo interesse pelo Mediterrâneo e pela África, com importantes comunidades espalhadas pelo mundo, países do sul unidos pela sensibilidade latina, Portugal e a Itália têm relações de amizade que sempre foram fáceis, fluidas, cordiais.

A proximidade cultural entre os nossos povos, a ausência de qualquer tipo de contencioso e uma espontânea convergência de pontos de vista concorrem para nos aproximar. Importa, agora, cultivar activamente esse património de afinidades, trabalhando em conjunto para o valorizar, no plano político, económico e cultural.

Tanto na esfera bilateral como multilateral, resta muito por fazer para realizar todo o potencial do nosso relacionamento. Embora as nossas trocas económicas sejam significativas, há margem para as aumentar. Os fluxos turisticos não correspondem ainda ao que seria desejável. O intercâmbio cultural deve ser estimulado. Há que procurar novas possibilidades de cooperação em países terceiros. Devemos, no quadro da NATO, potenciar o bom entendimento criado nas missões que os nossos militares desempenharam em conjunto, na Bósnia ou no Kosovo.

O reforço das nossas relações ser-nos-á benéfico e permitir-nos-á exercer maior influência no plano internacional.

Senhor Presidente

Nestes tempos conturbados que atravessamos, apraz-me verificar que existe entre Portugal e a Itália uma grande consonância de pontos de vista.

Em primeiro lugar, anima-nos uma mesma ambição para a Europa.

Aos formidáveis desafios que se colocam, neste início de século, à União Europeia — o alargamento, a reforma institucional, o reforço da coesão económica e social — queremos responder com decisão e ousadia. A chama de criatividade e ambição que está na origem do processo de construção europeia não se pode apagar.

O alargamento constitui, sem dúvida, a nossa principal prioridade. Trata-se de um desígnio histórico que vai consolidar a paz e a democracia na Europa e desta forma contribuir para a confiança e a prosperidade dos povos do nosso Continente.

Entendemos que o alargamento nos obriga a reforçar a união política da Europa, no respeito pelo princípio da igualdade dos Estados.

Ambos consideramos ter chegado o momento de dotar a União Europeia de uma Constituição, documento fundamental que deve servir de referência não apenas aos Estados, mas também aos povos da União Europeia.

Tal como a Itália, também nós temos estado e queremos continuar a estar na vanguarda do processo de construção europeia. Tencionamos, por isso, participar em pé de igualdade em quaisquer projectos de cooperações reforçadas.

Vemos na União Europeia um projecto aberto e solidário, em que os objectivos da coesão económica e social continuam a ser fundamentais.

Em segundo lugar, temos uma visão partilhada dos desafios da globalização.

Não nos conformamos com o alastrar da pobreza e das desigualdades. Consideramos nosso dever preservar o ambiente e a saúde pública global. Acreditamos nas virtualidades da diplomacia multilateral e na criação de direito internacional para resolver problemas que são de todos.

Queremos utilizar os formidáveis recursos da União Europeia para ajudar a governar a globalização. A União Europeia não se pode fechar sobre si própria, precisa antes de utilizar o seu peso e a força do seu exemplo para influir nos destinos do mundo.

É do nosso interesse trabalhar em conjunto para desenvolver as relações da União Europeia com o Mediterrâneo, África e a América Latina, áreas nas quais podemos actuar em conjunto, para benefício mútuo dos nossos dois países.

Em terceiro lugar, une-nos a determinação em defender os nossos valores humanistas contra o fanatismo e a violência.

Repudiamos, com toda a veemência, o terrorismo internacional. Somos solidários, desde a primeira hora, com os Estados Unidos da América no combate a esse flagelo, no qual estamos empenhados, cada um na medida das suas possibilidades, no respeito pelos direitos humanos e pela lei internacional.

Consideramos, também, que a presente conjuntura nos coloca perante uma oportunidade histórica para integrar mais firmemente a Rússia na comunidade euro-atlântica.

Acreditamos que existem valores universais e que as mulheres e os homens de todo o mundo se reconhecem na sua dignidade fundamental de seres humanos com direitos inalienáveis, tais como o direito à vida, à liberdade e ao bem estar.

Estou convicto de que, unindo os seus esforços, Portugal e a Itália podem contribuir para a edificação de um mundo mais justo no qual continuem a irradiar os grandes princípios humanistas por que nos regemos.

A imagem do homem universal que um dia Leonardo da Vinci desenhou participa do mesmo espírito que inspirou a aventura marítima portuguesa, a qual levou a Europa ao Mundo e o Mundo à Europa. É esse espírito universalista que nos deve continuar a guiar nos dias de hoje.

Senhor Presidente
Minhas Senhoras e meus Senhores

Pela história, pela cultura e pelo talento para criar beleza e conhecimento, a Itália é para todos nós uma referência que admiramos e de que nos sentimos próximos.

São esses laços de proximidade e afecto que hoje aqui celebramos.

Peço a todos que me acompanhem num brinde à saúde do Presidente Ciampi, à amizade sólida e duradoura entre os nossos dois países e à prosperidade crescente do povo italiano.