Seminário - Políticas de Gestão do Ensino Superior


06 de Janeiro de 1999


A minha presença nesta sessão de abertura do Seminário "Políticas de gestão do ensino superior" tem um significado muito especial. Quero manifestar-vos o meu interesse por este tema e dizer-vos que aguardo com expectativa o resultado dos vossos trabalhos.
   
Estamos todos conscientes da importância das transformações recentes do ensino superior. Em poucos anos, criaram-se inúmeras instituições, públicas e privadas. Hoje em dia, há quase tantos alunos no ensino superior como no ensino primário, o que não deixa de ser surpreendente num país em que, tradicionalmente, o acesso à Universidade estava reservado a um número restrito de estudantes.
   
Tenho referido que estamos perante uma evolução necessária e positiva. Mas ninguém desconhece as dificuldades que este crescimento rápido tem originado. A sociedade portuguesa tem manifestado uma preocupação compreensível com a situação do ensino superior. Recentemente, eu próprio tive a oportunidade de chamar a atenção para aspectos que me parecem centrais neste debate. Não vou, agora, retomar essas considerações. Mas gostaria de sublinhar algumas perguntas que fazem parte dos temas do vosso encontro.
   
A mudança da Universidade não é apenas quantitativa, não diz apenas respeito ao número dos seus estudantes e professores. Bem pelo contrário, implica também uma redefinição das suas missões tradicionais em relação à formação dos alunos, à produção do saber e ao desenvolvimento social e cultural. Exige-se hoje do ensino superior que desempenhe novas funções. A gestão não é um fim em si mesmo e deve estar ao serviço de uma ideia "nova" de Universidade. A vossa iniciativa é, por isso, muito oportuna. Na verdade, impõe-se repensar o modelo de gestão que, no essencial, foi definido há mais de vinte anos.
   
A Universidade tende a transformar-se, em todo o mundo, num nível de ensino frequentado pela maioria dos jovens. As autoridades norte-americanas definiram mesmo como meta para os próximos anos que todos frequentem, pelo menos, o ciclo inicial de estudos universitários. Ora, é preciso reconhecer que, no caso português, as estruturas de gestão não estão ainda adaptadas a esta ideia de Universidade. Quais serão os modelos de gestão mais adequados para responder a uma mudança tão profunda no estatuto do ensino superior?
   
Diversos relatórios de avaliação de cursos de licenciatura e estudos da OCDE têm revelado fenómenos preocupantes de repetência e de abandono nas Universidades portuguesas. São várias as causas deste problema, nomeadamente uma certa inadaptação da organização universitária a uma população estudantil com características diferentes. Há situações de claro desperdício, económico e institucional, bem como percursos de vida prejudicados. Como conceber o governo das instituições de ensino superior de modo a ultrapassar este estado de coisas?
   
Um dos aspectos mais vísiveis das transformações em curso é a entrada na Universidade de "novos públicos", em particular de adultos que procuram uma segunda oportunidade educativa, de profissionais que pretendem actualizar as suas competências ou de pessoas que seguem percursos de valorização cultural. São grupos que não se enquadram no perfil tradicional do estudante, cuja presença será cada vez maior no espaço universitário. Como é possível imaginar formas de enquadramento académico e de funcionamento das instituições que respondam às necessidades destas novas populações estudantis?
   
A expansão da Universidade e o esforço de formação de doutores realizado nos últimos anos tem vindo a transformar, também, a composição do corpo docente. Vinte anos atrás, os doutores representavam pouco mais de 15% dos docentes. No final da década de 80, esta percentagem aumentou para cerca de 25%. Hoje, aproxima-se dos 50%. Ninguém duvida que esta realidade muda radicalmente a face de uma Universidade marcada durante muitas décadas por uma forte hierarquia e por um corpo docente maioritariamente composto por assistentes. Como podem as políticas de gestão dar conta desta realidade, reforçando práticas colectivas de decisão e uma maior presença dos docentes na vida académica?
   
Por último, permitam-me que manifeste, uma vez mais, a importância de uma ligação forte entre a Universidade e o mundo da ciência, da arte e das empresas. É hoje inquestionável que o ensino superior ocupa um lugar central no desenvolvimento social e económico. Mas, ao mesmo tempo, não podemos esquecer nunca que a sua missão principal é o estímulo ao espírito crítico e à criação científica. De que modo é possível definir formas de financiamento das instituições e de relacionamento com a sociedade que permitam esta articulação, sem pôr em causa a indispensável autonomia e liberdade de pensamento?
   
Aqui ficam cinco perguntas, entre tantas outras que gostaria de vos colocar. Sei que são questões que também vos preocupam e que constituem a razão de ser deste Seminário. Desejo que os vossos trabalhos tenham o maior sucesso e que possam contribuir para uma reflexão fundamental sobre as políticas de gestão do ensino superior.