IV Conferência Diário Económico


15 de Janeiro de 1999


Gostaria em primeiro lugar de prestar a minha homenagem à memória de Leonardo Ferraz de Carvalho, grande impulsionador destas conferências, pelo papel estimulante que desempenhou na abordagem das grandes questões que se põem à sociedade portuguesa neste final de milénio.
   
Gostaria também de felicitar o Diário Económico por mais uma vez abrir este forum de debate em que, como já vem sendo tradicional, participaram personalidades do mais alto nível.
   
O título da conferência deste ano, "A globalização está em risco?" é só por si um incentivo aliciante à troca de ideias e à afirmação de convicções.
   
Longe de mim tentar dar a resposta a esta questão, que pertence a um futuro que neste momento se apresenta como especialmente incerto.
   
Mas julgo oportuno transmitir a minha opinião sobre algumas das condicionantes que a resposta que o futuro nos vai dar , qualquer que ela seja, irá provavelmente respeitar .
   
Claro que a questão terá de ser determinada, em primeiro lugar, por saber de que globalização é que estamos a falar.
   
São inegáveis os avanços da globalização a nível económico e financeiro.
   
A completa liberalização do comércio mundial de mercadorias que estará concluída em 2005, bem como os imensos fluxos financeiros que hoje percorrem o Globo a qualquer hora do dia aí estão para o demonstrar.
   
No entanto , do ponto de vista político, não se pode falar de uma globalização nem sequer, muitas vezes de um maior nível de cooperação internacional.
   
Na realidade, o que hoje sucede é que o nível de decisão político sediado nos estados nação não acompanhou - nem provavelmente existem condições para que acompanhe no imediato - o desenvolvimento da globalização económica e financeira.
   
Daí a instabilidade que a ausência de regras tuteladas pelo poder político permite, principalmente no domínio financeiro.
   
Instabilidade que, a nível mundial, tem sido responsável por perturbações graves de todos conhecidas.
   
Este é um aspecto crucial para o futuro da economia mundial.
   
Em meu entender, se os Estados não forem capazes de cooperar e de acordar num conjunto de regras mínimas - em particular no que se refere ao sistema monetário internacional - que permitam um crescimento económico estável, será a própria liberalização económica e financeira que pode estar em causa, como o título desta conferência tão oportunamente interroga.
   
A liberalização plena dos fluxos financeiros é um fenómeno ainda recente. Mas já durou o tempo suficiente para nos permitir reconhecer a necessidade de regras e de instituições estabilizadoras a nível mundial.
   
Porque não é possível ao mundo viver com o clima de instabilidade que se tem registado nos últimos anos, em que importantes regiões do globo como o Extremo Oriente, a Rússia, certos países da América Latina e a África são particularmente afectadas sem que esteja à vista uma recuperação rápida e sustentada.
   
Julgo que o caminho indicado para permitir uma reacção positiva passa, no imediato, pelo reforço da integração regional como passo importante para permitir ao poder político alcançar o nível adequado de resposta aos desafios que a globalização económica e financeira nos tem trazido.
   
A União Europeia, ao constituir a União Económica e Monetária, deu um passo de grande importância nesta via, garantindo a estabilidade monetária interna, factor que será certamente essencial para o crescimento económico.
   
Mas - devemos reconhecê-lo - a própria Europa não assegurou ainda todas as condições políticas necessárias à sustentação da união económica e monetária.
   
Porque também aqui a concertação política se tem, infelizmente, revelado insuficiente, conforme se tornou patente nos últimos anos.
 
Se a Europa não realizar um enorme esforço de convergência política em todos os domínios, mas em particular no que se refere ao reforço da Coesão Económica e Social dentro do espaço europeu, será a própria união económica e monetária que poderá estar em causa.
   
É do interesse de todos que o reforço dos laços políticos se faça rapidamente e se ponham entre parênteses interesses imediatos da conjuntura política, que acabam por não ter futuro, face a esse grande objectivo que deverá ser o de garantir que, no nosso espaço europeu, poder político e integração económica e monetária se harmonizem integralmente.
   
Mas esta harmonização, se é necessária para a Europa, é - o também para o mundo pois a necessária concertação política global a que há pouco fiz referência só será exequível se a Europa aparecer como um parceiro privilegiado, apoiado num espaço economicamente integrado mas também politicamente coerente.
   
Por todas estas razões estou convicto que é possível conceber uma globalização que traga à Humanidade mais progresso e mais justiça social entre países e dentro dos países.
   
Assim a Europa queira efectivamente afirmar-se em termos políticos como se afirma já hoje em termos económicos.
   
A nível interno entretanto, não podemos ter grandes dúvidas sobre o que importa fazer.
   
Qualquer que seja o evoluir da situação mundial e europeia, as grandes transformações que é necessário realizar na sociedade portuguesa estão claramente identificadas e a sua urgência é sentida por todos: a Administração Pública, a Justiça, a Segurança Social, a Saúde, a Educação acumularam atrasos de décadas que só recentemente têm começado a ser verdadeiramente atacados.
   
Todos reconhecemos também as deficiências que ainda persistem na ligação entre domínios essenciais ao nosso desenvolvimento, como o das ligações entre ensino e formação profissional ou entre ciência e mundo empresarial.
   
É necessário, em particular, aproximar ao cientistas das empresas, e as empresas dos cientistas, mostrando à actividade produtiva que o País dispõe já hoje de competência cientifica em muitos sectores e que esta pode ser posta ao serviço da competitividade e da inovação.
   
A evolução dos últimos anos vai no bom sentido e é certamente animadora. mas há ainda muito a fazer.
   
A urgência do que é necessário realizar nestes domínios impõe um grande consenso nacional que não basta que se fique pelas palavras mas que exige formas concretas de cooperação entre as forças políticas.
   
Não é este o único domínio, porém onde se exige uma ampla convergência de esforços.
   
Necessitamos também de um fio condutor geral sobre o que queremos ser dentro da Europa.
   
E nada mais oportuno que a preparação do Plano de Desenvolvimento e do próximo Quadro Comunitário de Apoio para que este conceito surja e seja assumido pelo País.
   
Tivemos até este ano um objectivo nacional claramente definido, que obteve um largo apoio da sociedade portuguesa, que foi a adesão à União Económica e Monetária.
   
Conseguimos alcançar esse objectivo com pleno êxito, provando, mais uma vez a nossa capacidade de realização quando nos empenhamos verdadeiramente num objectivo comum.
   
Importa agora definir, como grande objectivo nacional, um novo conceito, sobre o que queremos que seja a Europa e sobre o que queremos ser dentro do espaço europeu unificado.
   
Unificação no espaço europeu que cria grandes possibilidades de progresso mas exige da nossa parte ideias claras e verdadeiramente assumidas por um largo apoio de forças políticas, económicas e sociais.
   
Só conseguiremos obter esta adesão com uma discussão profunda, alargada e intensamente participada sobre o rumo que queremos seguir na nossa inserção na Europa e sobre o papel que podemos representar na estruturação do espaço europeu.
   
Minhas Senhoras e meus senhores,
 
Não devemos naturalmente atrasar as transformações mais urgentes.
   
Elas encontram-se diagnosticadas e há que avançar mesmo sem esperar que esse novo conceito venha a ser estabelecido.
   
Mas este será necessário por outras razões.
   
Porque será ele que poderá informar a estratégia de longo prazo da nossa inserção na Europa integrada e numa economia globalizada.
   
Porque será dele que podemos esperar um reforço da coesão nacional em que os particularismos de capela ou de bairro se abatam perante os interesses do País.
   
Porque será dele, enfim, que podemos extrair a confiança num Portugal livre, próspero e solidário que queremos deixar às gerações futuras.