Discurso do Presidente da República por ocasião da Sessão Comemorativa do Dia Internacional da Mulher

Palácio de Belém
08 de Março de 2002


A celebração do Dia Internacional da Mulher que nos reúne aqui hoje constitui, para mim, uma grata ocasião de, mais uma vez, salientar a importância que atribuo ao papel das mulheres na sociedade portuguesa.

Como já vem sendo hábito ao longo dos últimos anos, entendi, juntamente com a minha mulher, associar-me de forma activa às comemorações do Dia Internacional da Mulher, colocando-as sob o duplo signo da "Dignidade e Igualdade". Igualdade, porque este princípio faz parte do âmago da nossa cultura política e se encontra contemplado na Constituição Portuguesa, pelo que entendo ser meu dever avaliar a situação do país em matéria de igualdade de direitos e de oportunidades entre homens e mulheres. Dignidade, porque um conceito suficientemente evoluído de cidadania e de qualidade de vida passa por uma atenção acrescida às políticas de promoção e defesa da mulher no trabalho, na sociedade e no espaço da vida privada.

Entendi assim transformar esta jornada numa oportunidade de diálogo, de observação atenta e de avaliação prática do estado da nossa sociedade em matéria de igualdade efectiva de direitos e da promoção da dignidade da mulher no trabalho como na vida em geral.

Em suma, pretendi aferir da situação do binómio "Dignidade e Igualdade" na balança do Portugal do século XXI, volvido mais de um quarto de século da Revolução de Abril que, sem dúvida, inaugurou uma nova era na história da condição das mulheres portuguesas.

Minhas Senhoras e Senhores

A construção da igualdade de oportunidades constitui um meio decisivo para o aperfeiçoamento das democracias e para a modernização das sociedades. Considero-a por isso uma questão política e uma questão de direitos humanos.

Realizámos no nosso país importantes progressos neste domínio. A Democracia trouxe às mulheres portuguesas maior capacidade de afirmação, realização pessoal e maior dignidade. Registou-se uma evolução considerável do seu estatuto no plano legislativo, no acesso aos níveis educativos mais elevados, na sua afirmação profissional e no ingresso em carreiras até então exclusivamente reservadas aos homens.

Permitam-me que sublinhe a importância da presença feminina na magistratura, na qual as mulheres representam cerca de 42% dos magistrados judiciais e do Ministério Público, e na diplomacia, em que as mulheres são cerca de 22% dos efectivos. Nas Forças Armadas, as mulheres constituem cerca de 12% dos efectivos na Força Aérea, 7% no Exército e 3% na Marinha.

As oportunidades de acesso à educação e à formação aumentaram de modo muito rápido. Com efeito, se as mulheres constituíam até ao 25 de Abril a maioria da população excluída da escola, hoje, a maioria dos diplomados do ensino superior são mulheres. Esta é uma área onde a afirmação feminina tem sido permanente e notável quer pelos resultados obtidos, quer pela adesão a novas formações.

A evolução da função da instituição escolar, que se tornou mais democrática, tem contribuído para diminuir as desigualdades na vida social e profissional, favorecendo também o acesso à autonomia económica. Quantas vezes a privação da educação e de uma formação profissional está na origem de situações de vida sem dignidade e sem capacidade de opção.

Apesar destas transformações claramente positivas, acredito que é necessário ainda encontrar novos equilíbrios, designadamente no acesso aos cargos de responsabilidade, na vida pública, na esfera profissional e no âmbito familiar.

Tenho tentado seguir de perto estas questões e enaltecer os novos papéis das mulheres, bem como o seu contributo para o desenvolvimento do nosso país. Considero meu dever valorizar percursos inovadores para melhorar a sociedade. Mas quero também conhecer as dificuldades, os problemas persistentes e as expectativas.

Gostaria, por isso, de partilhar convosco seis preocupações que se prendem com sectores onde a mudança se tem revelado mais difícil.
A primeira preocupação diz respeito ao acesso ao trabalho e ao desenvolvimento das carreiras femininas. O progresso na formação das portuguesas deve ser considerado como uma riqueza inestimável para o país. Contudo, nem sempre esse progresso encontra tradução no mundo das profissões. Dados recentes sobre a inserção profissional de diplomados no ensino superior revelam taxas de desemprego superiores para as mulheres. Existem também dificuldades no desenvolvimento das carreiras profissionais, prejudicadas não só pelo modo como a sociedade e as empresas encaram ainda muitas vezes o papel da mulher, mas também pela difícil conciliação entre vida familiar e a vida profissional.

A segunda preocupação diz respeito ao acesso a cargos de responsabilidade, especialmente na área da economia, onde os progressos têm sido ténues. De facto, a gestão aos níveis mais elevados dos sectores económicos continua a ser um domínio predominantemente masculino. Há que cultivar uma nova atitude e desenvolver práticas empresariais inovadoras que permitam corrigir esta situação desigual e discriminatória.

A terceira preocupação diz respeito ao exercício de cargos públicos, em geral, e políticos, em particular, onde a evolução tem sido lenta, apesar de se registarem alguns progressos a nível parlamentar. A participação das mulheres nos Governos, bem como a nível do poder local, factor muitas vezes utilizado como indicador de desenvolvimento dos países, deve ser reforçada. A democracia exige maior capacidade de atracção dos partidos políticos, maior participação e mais debate das questões essenciais à vida dos cidadãos. Acredito que a mudança ao nível das agendas políticas, dos rituais e ritmos da vida partidária seria favorecida com o acesso em número significativo de mulheres a cargos de poder na vida política.

A quarta preocupação prende-se com a construção de novos equilíbrios ao nível da família e com a necessidade de se repensarem os usos do tempo dos homens e das mulheres, um dos principais obstáculos ao desenvolvimento das carreiras políticas e ao aumento da participação cívica e política das mulheres. Permitam-me que me detenha sobre esta preocupação.

Sabemos que o sobretrabalho feminino, resultante de uma enorme assimetria entre os tempos que mulheres e homens dedicam às tarefas domésticas, se reflecte em jornadas de trabalho muito longas, contribuindo decisivamente para a forte pressão do tempo que se faz sentir, de modo particular, nos quotidianos femininos. De facto, ressalta de estudos desenvolvidos nesta matéria que as mulheres dedicam, ao nível do trabalho doméstico e da prestação de cuidados à família, mais três horas do que os homens, em cada dia. São assim manifestas as dificuldades vividas pelas mulheres em termos da compatibilização dos tempos ao nível da vida pessoal e familiar com uma vida profissional, também ela cada vez mais exigente.

Apesar de serem já perceptíveis sinais de mudança ao nível dos discursos e do próprio quadro legal, no sentido de um reforço do papel dos homens na esfera privada, são necessários esforços adicionais com vista a uma maior e mais justa partilha do trabalho entre mulheres e homens.

A quinta preocupação diz respeito ao problema grave, em Portugal, das situações de violência em sentido lato a que a mulher está frequentemente exposta e que revestem configurações e características diversas. Refiro-me às formas de violência quer física quer psíquica infligidas às mulheres e que se reproduzem na família, na sociedade ou ainda no local de trabalho. Embora a nível do quadro legal se registe uma evolução positiva no sentido de uma maior protecção das vítimas e a nível da prevenção, há ainda um longo caminho a percorrer. Importa estarmos atentos e promover uma consciência mais aguda e generalizada destas situações.

Não quero deixar de referir que, pela minha parte, incluo nesta categoria todas as situações estigmatizantes e indutoras de grande sofrimento pessoal e humano, susceptíveis de serem corrigidas através da aplicação de políticas adequadas de prevenção e de acompanhamento. Penso designadamente nas situações de gravidez indesejada. Não posso deixar de lamentar os lentos progressos realizados quer ao nível da educação sexual quer ainda do planeamento familiar.

Por último, a sexta preocupação prende-se com uma tendência que se observa em Portugal, como de resto em muitos outros países, para a feminização da pobreza e de outros fenómenos de exclusão, que urge combater. Trata-se de evitar que o facto de ser mulher constitua, à partida, um potenciador de segregação e de discriminações acrescidas, resultantes de uma maior vulnerabilidade da condição feminina.

O antídoto para este fenómeno radica, por um lado, numa melhor educação e numa transformação cultural que permita ultrapassar estereótipos e estigmas ancestrais; por outro, no desenvolvimento de uma política abrangente que, com determinação e rasgo, promova oportunidades renovadas de afirmação da mulher, como ser individual e social, no respeito pela sua especificidade e dignidade intrínsecas e pelo seu papel insubstituível na sociedade.

Ao longo deste dia quis conhecer melhor novos percursos femininos, inteirando-me do seu quotidiano e ouvindo relatos de vivências em carreiras antes vedadas às mulheres. Visitei uma importante empresa de transportes, onde tive a oportunidade de conhecer o contributo positivo das mulheres nesse domínio e também as dificuldades com que se têm deparado. No Centro de Estudos Judiciários, ouvi depoimentos sobre as carreiras no âmbito da justiça, em que a qualidade da participação feminina se tem imposto.

Já esta tarde tive um encontro com protagonistas de outras situações profissionais, designadamente nas forças armadas e policiais, na diplomacia, em que estiveram também presentes jovens que têm ou já tiveram responsabilidades em movimentos associativos e sindicalistas. Foi possível ouvir também relatos de vivências pessoais e de trabalhos de investigação sobre a situação das mulheres.

Nesta sessão, vou homenagear mulheres que se distinguiram pelas suas carreiras profissionais, pela sua dedicação a causas, pela sua coragem, empenho e determinação. Serão agraciadas mulheres com carreiras de mérito em situações anteriormente vedadas à participação feminina, na magistratura, nas forças armadas e policiais, nos serviços da protecção civil, na diplomacia; mulheres que se distinguiram nos domínios das artes, da medicina e da enfermagem, do ensino e da investigação científica, pelo seu trabalho nos Países Africanos de Língua Portuguesa, ou ainda pela sua dedicação à causa dos direitos das mulheres. São também percursos, de algum modo, reveladores de sucessos e das dificuldades do papel das mulheres em Portugal.

Assim, a par desta homenagem prestada a mulheres que se distinguiram por valorizarem e dignificarem a condição feminina, quero também através delas evocar todas as mulheres portuguesas, incentivá-las a uma crescente afirmação individual na vida pública, profissional e pessoal e prestar-lhes o claro testemunho da minha atenção pelo seu papel decisivo para a construção de uma sociedade mais equilibrada, desenvolvida e moderna.