Conferência - As mulheres Timorenses e o Direito Internacional


22 de Janeiro de 1999


Senhor Presidente da Assembleia da República

Senhor Vice-Presidente da Assembleia da República

Senhora Presidente da Associação Portuguesa de Mulheres Juristas

Senhor Secretário da Plataforma Internacional de Juristas por Timor-Leste

Senhores Deputados, Distintos convidados, Senhor D. Duarte, Senhor Embaixador do Canadá

Minhas senhoras e meus senhores
 
 
Quero começar por agradecer o convite da Associação Portuguesa de Mulheres Juristas e da Plataforma Internacional de Juristas por Timor-Leste, que, em boa hora, tomaram a iniciativa de organizar esta Conferência sobre As mulheres timorenses e o direito internacional.
   
O tema escolhido evoca, desde logo, o exemplo de coragem e abnegação das mulheres timorenses, às quais devo prestar a minha sentida homenagem. Melhor do que ninguém, elas são o símbolo do sofrimento e da determinação de uma comunidade mártir, cuja luta pela liberdade é um apelo permanente à solidariedade de todos os que sempre combateram em defesa da dignidade da pessoa humana e da universalidade dos seus direitos cívicos e políticos.
   
Nenhum de nós pode esquecer a dor profunda das mães das vitimas do massacre de Santa Cruz. Nenhum de nós pode ignorar a tragédia das mulheres vitimas de violação. Nenhum de nós pode deixar de reconhecer a importância decisiva da participação das mulheres na resistência timorense. Somos, todos, testemunhas da nobreza admirável das mulheres timorenses, que nos convoca para a causa de um povo heróico.
   
Depois de mais de vinte anos de guerra e ocupação, a comunidade timorense está a viver momentos cruciais na sua história.
   
A profunda crise política e económica na Indonésia abriu uma fase de transição, marcada por uma crescente instabilidade, que pode representar uma oportunidade para fazer avançar o processo de autodeterminação e melhorar, substancialmente, as condições em Timor-Leste.
   
As mudanças na Indonésia são, naturalmente, difíceis de prever. Como é próprio dos processos de transição, prevalece, neste período, uma forte incerteza quanto ao sentido último da crise que levou à destituição do regime de Suharto e aos primeiros passos de uma abertura política.
   
Os efeitos da mudança indonésia sobre a situação em Timor-Leste são, no mínimo, ambíguos. Durante os primeiros meses da transição, foram claros os sinais de uma maior contenção indonésia, que levaram a um decréscimo da violência e a uma diminuição das tensões internas no Território. Porém, na ausência de uma efectiva pacificação e desmilitarização de Timor-Leste, mantêm-se intactas as causas da violência, de certo modo acentuadas pelas próprias expectativas de uma rápida mudança, que tornam ainda mais volátil a situação no Território.
   
Parece claro, para todas as partes, que só um processo de autodeterminação pode criar as condições elementares para a restauração da paz e da tranquilidade em Timor-Leste. Não é possível continuar a ignorar, por mais tempo, a vontade dos Timorenses.
   
Nesse quadro, Portugal manifestou-se disponível para iniciar, sob a égide do Secretário-Geral das Nações Unidas, conversações sobre uma proposta das Nações Unidas para obter, como uma etapa intermédia do processo de autodeterminação, um estatuto especial para Timor-Leste.
   
Esse projecto deve ter como linha mestra a constituição de instituições timorenses autónomas, incluindo a formação de instituições políticas representativas da comunidade timorense, eleitas por sufrágio livre e universal, e responsáveis pelo autogoverno de Timor-Leste.
   
Por outro lado, considero essencial, para a conclusão de um acordo sobre o projecto das Nações Unidas, a participação activa dos principais dirigentes da comunidade timorense nas conversações, sob a égide do Secretário-Geral das Nações Unidas. Creio, de resto, que o elevado sentido de responsabilidade demonstrado pelos principais dirigentes timorenses, reconhecido por todos, não só reforça esta necessidade política, como tornará inevitável a sua participação.
   
Paralelamente, creio serem indispensáveis sinais claros de mudança da parte indonésia, de modo a criar condições apropriadas para a evolução das conversações dirigidas pelas Nações Unidas.
   
Os passos necessários são bem conhecidos e têm sido reiterados, designadamente pela parte portuguesa, bem como por numerosos dirigentes timorenses. É urgente um empenho real por parte da Indonésia na pacificação do Território, com uma efectiva e gradual redução da presença militar. É urgente garantir uma presença das Nações Unidas no Território. É indispensável a libertação de todos os presos políticos timorenses e, em primeiro lugar, do comandante Xanana Gusmão.
   
Sem esses sinais de mudança, será sempre muito difícil assegurar uma situação controlada em Timor-Leste, e evitar que confrontos violentos prejudiquem a posição de todos os que estão, verdadeiramente, empenhados em encontrar as fórmulas intermédias possíveis nesta etapa do processo de autodeterminação. Mas, como é óbvio, não está nas nossas mãos assegurar a concretização desses sinais.
   
Pela minha parte, penso não dever criar falsas expectativas. Num processo de transição são sempre possíveis mudanças bruscas e imprevistas. Creio, todavia, que não temos o direito de negar a existência de oportunidades relevantes, reconhecidas pelos próprios dirigentes timorenses. É nossa obrigação colaborar, como sempre fizemos, com o Secretário-Geral das Nações Unidas, com lealdade e firmeza. A posição portuguesa continuará a ser construtiva, com a flexibilidade indispensável para encontrar os pontos de convergência possíveis, mas sem comprometer os princípios, nem a nossa liberdade de avaliar permanentemente a evolução do processo.
   
Tal como no passado, o único propósito que nos move é garantir uma solução digna e honrosa da questão timorense, com a garantia do exercício, livre e democrático, do direito de autodeterminação.
   
Tal como no passado, para lá das contingências do momento, a nossa confiança num futuro de liberdade para Timor-Leste permanece intacta e constantemente reforçada pela multiplicação dos apoios a essa grande causa.
   
Tal como no passado, por maiores que se revelem os obstáculos no seu caminho, os Timorenses continuarão a lutar pela sua dignidade e pela liberdade de Timor-Leste.
   
Estou certo que, um dia, as mães timorenses poderão reconhecer que as suas lágrimas e o seu sofrimento não foram em vão.
   
Desejo aos organizadores e a todos os distintos participantes o maior sucesso nos trabalhos da Conferência, que constitui uma clara indicação da força cada vez maior do movimento internacional de solidariedade para com Timor Leste.
   
Muito obrigado.