Clube Português do Benelux

Bruxelas
26 de Janeiro de 1999


Senhor Presidente do Clube Português do Benelux
Meus Amigos
 
Agradeço esta oportunidade que me é dada de me encontrar convosco e de trocarmos algumas impressões sobre o País e os desafios que se lhe colocam no futuro próximo.

Fizemos parte do grupo fundador do EURO; realizámos, com um sucesso por todos reconhecido, a EXPO; acolhemos a 8ª Cimeira Ibero-americana no Porto; exercemos com competência o nosso mandato no Conselho de Segurança; vimos, pela primeira vez, o Prémio Nobel da Literatura ser atribuído a um escritor português.

Temos, assim, motivos legítimos de orgulho. Orgulho este que nos deverá servir para enfrentarmos os desafios que se nos colocam certamente com confiança, mas também com rigor, seriedade e empenho pessoal e colectivo, já que, como ficou demonstrado, são estes os ingredientes para novos sucessos no futuro.

É para todos patente o imenso processo de modernização que Portugal sofreu desde a sua integração nas Comunidades Europeias, conseguindo, em boa medida, ultrapassar um atraso estrutural herdado de um regime ditatorial e de uma economia fechada.

Beneficiámos, sem dúvida, das políticas estruturais comunitárias, mas a modernização do País não teria sido possível sem os nossos próprios esforços, sem a mobilização considerável das nossas capacidades nacionais.

Não atingimos ainda, é certo, os níveis de progresso económico que desejamos, continuamos com deficiências em vários sectores estratégicos, mas vamos continuar a trabalhar para que possamos prosseguir o nosso desenvolvimento e o nosso esforço de convergência efectiva com as economias mais desenvolvidas do espaço europeu.
Soubemos, contra as perspectivas dos mais pessimistas, cumprir todas as condições para garantir a nossa participação plena na terceira fase da União Económica e Monetária.

Mas gostaria igualmente de realçar que a prossecução desta estratégia só foi possível graças a um sólido consenso entre os principais partidos políticos portugueses, ao apoio das correntes de opinião pública, mesmo quando críticas relativamente a alguns aspectos, à abertura dos agentes económicos, dos empresários e dos sindicatos, dispostos a compreender que os desafios da modernização e as exigências da nova etapa da integração europeia acarretavam sacrifícios indispensáveis.

Estamos, pois, na moeda única, na primeira linha deste novo ciclo da construção europeia, conscientes das responsabilidades acrescidas que sobre nós recaem quanto à nossa intervenção própria na edificação da Europa do próximo século.

Mas conscientes também de que o sucesso da união económica e monetária dependerá de uma coordenação crescente e de uma convergência entre as políticas económicas e sociais dos Estados membros da União e da redução das disparidades entre as diversas regiões que a compõem.

Só assim poderá a moeda única assumir o seu papel fundamental, não apenas de instrumento indispensável de competição económica internacional, mas também de alavanca de modernização e de reforço da coesão na Europa, garantindo o crescimento sustentado e a estabilidade democrática.

Esta é uma questão central, tanto mais que as disfunções da economia de mercado, com o desemprego em massa e a reprodução de fenómenos de exclusão, o aumento da desigualdade e da pobreza criam tensões inevitáveis no seio dos nosso regimes democráticos.

Embora em fases diferentes, a crise do modelo social europeu atinge todos os estados da União Europeia, e exige, cada vez com mais urgência, não só estratégias específicas de reforma em cada um dos países, mas, e sobretudo, respostas comuns europeias.

Se a diferença entre as opções nacionais em matéria de protecção social e de regulação do mercado do trabalho se acentuarem, não só será impossível tentar dar uma resposta a estes desafios, como se introduzirá um factor adicional de tensão dentro da própria União.

Que a Europa se encontra numa encruzilhada é por demais evidente.

Estamos confrontados com um conjunto de desafios consideráveis: o aprofundamento da União, o alargamento das suas fronteiras políticas e institucionais às novas democracias da Europa Central e Oriental, o próprio modelo da construção europeia, a necessidade de fazer face a sinais de crise nas nossas sociedades democráticas.

Alargar a União constitui o passo seguinte da construção europeia, e nele se joga, em grande parte, a sua própria credibilidade política. Apoiamos este processo sem hesitações nem reservas, desde logo pela nossa própria experiência, considerando que os países candidatos devem beneficiar da mesma solidariedade que nos foi manifestada após o restabelecimento da democracia em Portugal.

Isto não quer dizer que minimizemos a complexidade do próximo alargamento, resultante do estado das estruturas económicas dos candidatos e dos previsíveis efeitos sociais que resultarão do processo de adesão.

Tal como não quer dizer que possamos aceitar que o alargamento se transforme num pretexto ou num elemento de dissolução do projecto europeu, nem que afecte o nível de integração já conseguido ou o grau de coesão económica e social entre os Estados da União.

Aliás, se assim acontecesse, seriam os próprios novos Estados-membros que se sentiriam lesados, já que teriam aderido a uma Europa diferente daquela a que pretendiam pertencer. Por último, o alargamento tem de constituir um esforço comum para a União, um esforço de todos, num quadro que reforce a solidariedade em que se baseia a construção europeia.

O projecto europeu tem de continuar a ser de todos e para todos.

São temas que bem conheceis, e que estão no centro das discussões que estão a decorrer no quadro da chamada Agenda 2000. Relativamente a ela Portugal continuará a pautar-se pela defesa dos valores e dos princípios que constituem os fundamentos essenciais do projecto europeu.

Em cada fase do processo de integração europeia tem sido possível avançar na medida em que conseguimos articular os interesses comuns com os interesses nacionais, fortalecendo-se, assim, quer os Estados quer as instituições comunitárias.

Foi possível avançar sempre que prevaleceu o projecto e a visão política que a enforma.

A criação da moeda única constitui, porém, um imenso salto qualitativo relativamente ao passado.

Tenho para mim que este facto, aliado à necessidade de garantir a manutenção das condições de coesão no conjunto da União, ao reforço da transparência democrática e de uma mais efectiva projecção da nossa identidade própria na cena internacional, exigem um aumento da nossa integração política.

Que a Europa tem dificuldades de se afirmar na cena internacional, que a PESC continua a experimentar problemas de diversa natureza - e isto não quer dizer que não reconheça que, no domínio da política externa, os desenvolvimentos têm um ritmo próprio - faz parte dos comentários realistas e constantes que todos os dias lemos e ouvimos acompanhando cenas de horror, quer seja no Kosovo, no Iraque ou em África..

De igual modo é indispensável prosseguir o desenvolvimento da Identidade Europeia de Segurança e de Defesa, dotando a Europa de meios operacionais eficazes para agir na defesa dos seus interesses próprios.

Quer no que diz respeito à PESC, quer no que concerne uma política europeia de defesa, o importante é que haja uma clara vontade política, um propósito comum, um efectivo desejo de criação das condições indispensáveis para a sua prossecução.

Como me dizia um alto responsável político europeu, "o que é preciso é mais Europa" !

Esta Europa não se pode consumir em debates institucionais. Problemas há, certamente, e sobretudo a necessidade de compatibilizar uma estrutura e um funcionamento institucional eficazes com uma Europa alargada.

É para todos claro que a expansão da União tem de conduzir a um repensar das Instituições. Este debate introduz um elemento de tensão permanente já que envolve questões que, para além de afectarem interesses próprios de cada Estado tem, legitimamente, que defender, assumem uma dimensão política incontornável e não permitem, no quadro em que o debate se coloca, grande espaço de manobra às instâncias nacionais. É isto, aliás, que creio que ficou demonstrado pela última Conferência Intergovernamental.

Uma nova CIG, nos mesmos moldes, não nos levará certamente muito longe. A questão é saber se não deverá ser colocada, com coragem e franqueza, a questão do próprio formato da União, cortando com as tentativas de reformas gradualistas.

Parece-me necessário avançar para um processo de reforma mais profundo, que, salvaguardando o princípio da igualdade entre os Estados e a possibilidade de cada um defender eficazmente os seus interesses legítimos, justifique uma partilha colectiva totalmente assumida das respectivas soberanias.

Estas questões só se resolverão se for reafirmada claramente a natureza política e a importância estratégica da construção europeia, se se avançar, de uma forma realista mas determinada, para uma união política, se os cidadãos dos nosso países sentirem a Europa como um espaço solidário e de efectiva realização pessoal.

Se me permitem, uma última palavra, a jeito de súmula deste conjunto de questões e de preocupações.

Não vos escondo a minha preocupação relativamente ao presente momento da construção europeia, por razões que têm a ver com a natureza do projecto em si e das oportunidades únicas - políticas, económicas, culturais - que ele encerra, como, naturalmente, das consequências que advirão para o País da evolução dos debates em curso.

A construção europeia corresponde a um projecto político - e porque não dizê-lo, ideológico - que visa garantir a paz, fortalecer a democracia e a cidadania, criar as condições para um desenvolvimento económico e social sustentado, diminuindo as disparidades entre Estados e regiões, lutar contra a marginalização e a exclusão, enfim, assegurar o progresso, no seu sentido mais lato, dos povos europeus.

Isto exige sempre, como atrás dizia, que se procure permanentemente conciliar, com realismo, os interesses comuns e os interesses individuais.

Provámos, nestes quase quatorze anos, que estamos sempre e seriamente empenhados na promoção dos interesses comuns da construção europeia, desde que se respeitem os objectivos, os valores e os princípios que são a razão de ser do projecto europeu.

Não fomos, nem somos "bons alunos", utilizando uma frase infeliz que esteve em voga; somos parceiros, parceiros a parte inteira e empenhados da defesa e aprofundamento constante de um projecto, porque esse projecto corresponde à nossa inserção geográfica e política, às nossas convicções profundas sobre a Europa e o seu futuro, porque se reveste, para Portugal, de uma importância estratégica.

Não podemos admitir a dissolução deste projecto e temos de garantir as condições de continuidade do nosso próprio desenvolvimento económico e social, depois dos imensos progressos que já conseguimos e de tantos sacrifícios consentidos. A coesão económica e social tem de permanecer no centro das políticas comunitárias, tal como é inadmissível diminuir o grau de integração já conseguido em várias áreas.

A Europa tem de continuar a ser um projecto colectivo, assente em valores e princípios, na igualdade entre os Estados que a compôem, e não uma deriva conjuntural em que se pretendem consolidar pólos com intuitos hegemónicos, renacionalizar políticas, minar o acervo comum, recrear de algum modo fronteiras ideológicas e psicológicas, no fundo, condicionar o aprofundamento de um projecto que é de todos e de cada um - e que assim tem de continuar a ser - aos interesses circunstanciais de alguns.
 
 
Meus amigos,
 
Ao dobrar do século, temos marcado um encontro importante nesta cidade, por ocasião da presidência comunitária de Portugal.

Será, antes de tudo, um encontro com estruturas comunitárias diferentes : um Parlamento Europeu recém-eleito e com novos poderes, uma nova Comissão em curso de instalação, um Conselho em reflexão institucional, tudo isto sob a tutela de um Tratado revisto, a exigir implementação rápida.

Mas será também um encontro renovado com todos quantos, em Bruxelas, mas também no Luxemburgo e em Estrasburgo, constituem a presença portuguesa nas instituições comunitárias.

Uma presença portuguesa que, ao longo do que serão então 14 anos de prática comunitária, criou uma imagem de responsabilidade e de competência profissional, e se foi firmando nos quadros da União, as mais das vezes com uma carreira assente exclusivamente no seu esforço pessoal, sem apoios circunstanciais exteriores.

Uma presença que tem, contudo, de Portugal e do interesse português no plano europeu, uma leitura singular que frequentemente a mobiliza, e cuja expressão concreta tem de se motivada e encorajada.

A ocasião da preparação das presidências - da União Europeia mas também da UEO - parece poder ser o tempo oportuno para esses portugueses - respeitando embora a independência e a isenção que o seu estatuto de funcionários europeus exige - parece ser o momento, dizia, para que contribuam com a sua reflexão individual para o caminho que nos levará aos exercícios que nos esperam no ano 2000. Trata-se de uma reflexão tão mais importante quanto é fruto da posição privilegiada em que se encontram.

É com uma convicção sincera que vos digo que é importante conhecer esse olhar particular português sobre os novos tempos europeus, retirar da massa crítica criada desde 1986 uma visão operativa sobre aquilo que poderemos esperar da agenda do futuro, preservando o interesse português e o interesse europeu, que decorre necessariamente do primeiro.

Não valerá a pena debatermos se perdemos ou não tempo relativamente a estas questões. Não tivemos esse passado em conjunto; o que temos é o desafio de um novo esforço num futuro que já aí está.

Sei que durante o corrente ano serão lançados alguns modelos de reflexão que melhor aproveitem e aliem as diversas experiências, constituindo-se como valor acrescentado para uma presença activa e responsável de Portugal na nova Europa.

Estou antecipadamente seguro do sentido positivo da resposta de todos a este desafio, porque só vislumbramos razões que confirmam o carácter comum daquilo que a todos nos motiva e que a todos deve convocar.

Termino por onde comecei. Agradeço-vos a oportunidade deste encontro, a forma tão amável como me acolheram, o prazer que tive de rever amigos e de fazer novos conhecimentos.

Teremos, portugueses, um ano particularmente exigente diante de nós. O apelo que vos fiz radica-se na minha profunda convicção de que os desafios que se nos colocam têm de ter uma reposta colectiva e mobilizadora, independentemente da área específica da actividade intelectual e profissional de cada um, das suas legítimas diferenças de opinião. Uma resposta que se enriquece das diferentes perspectivas e das experiências diversas que se foram acumulando.

O País precisa de todos, de toda a sua enorme diversidade criativa. E a Europa precisa de portugueses conhecedores e empenhados no projecto europeu.

Agradeço-vos a vossa atenção e estou naturalmente à vossa disposição para as questões que me queiram colocar.