Conselho Permanente da União da Europa Ocidental


26 de Janeiro de 1999


Senhor Presidente,
Senhor Secretário-Geral,
Senhores Representantes Permanentes,
Minhas Senhoras e meus Senhores,
 
É com particular agrado que me dirijo ao Conselho Permanente, reunido em sessão especial, no quadro da primeira visita de um Chefe de Estado português à União da Europa Ocidental

Portugal honra-se por ser a primeira vez que um português exerce o lugar de Secretário-Geral de uma organização europeia e por o fazer na pessoa do Embaixador José Cutileiro; este facto reveste-se para mim de uma satisfação pessoal suplementar, já que estamos ligados por antigos e profundos laços de amizade.

Esta minha presença hoje, aqui, testemunha o apoio constante de Portugal a esta organização e a tudo aquilo que ela representa.
A presença de 28 Estados europeus reunidos à volta desta mesa sublinha, de forma particularmente eloquente, o papel que a UEO tem assumido para reforçar a estabilidade europeia.

E é a este facto, por si só exemplificativo da nova Europa que estamos a construir, que gostaria primeiro de me referir.

Há dez anos, os países da Europa Central e Oriental iniciaram os seus processo de reencontro com a democracia e o Estado de Direito, demonstrando que, quarenta anos de opressão não tinham conseguido cortar os profundos laços políticos, históricos e culturais entre as duas partes da Europa dividida.

Tratou-se certamente de um processo difícil e complexo, Por experiência própria, conhecemos as dificuldades inerentes a estes processos de profunda transformação política e económica, as legítimas expectativas que os acompanham e também as frustrações inevitáveis que tantas vezes suscitam.

O que é importante é que, mau grado todas as dificuldades, os nossos parceiros associados demonstraram, no decurso de sucessivas alternâncias democráticas, que essa orientação estratégica se mantinha, avançando na consolidação de regimes democráticos pluralistas, na edificação de Estados de Direito e no desenvolvimento de economias abertas.

O que é igualmente importante é que, mau grado a tragédia na ex-Jugoslávia, conseguimos manter a paz e fortalecer as garantias regionais de segurança, recusando o recurso à guerra e à ameaça da guerra nas nossas relações.

Pela primeira vez existem condições para construir uma nova Europa unida em torno dos valores da paz, da justiça e do progresso económico e social

Iniciámos já os primeiros passos nesse caminho que nos conduzirá à fixação de uma nova geografia política no nosso continente, assente numa cultura comum de segurança e com modelos políticos de natureza idêntica. Atestam-no a decisão de criar o estatuto de parceiro associado da UEO e o início dos processos de alargamento da União Europeia e da Aliança Atlântica.

A Aliança Atlântica continua a representar um quadro indispensável para garantir a segurança e a estabilidade estratégicas dos seus membros. Passou a incluir, a partir deste ano, três novos Estados. Consideramos que este processo de alargamento deve ser prosseguido por forma a fortalecer a estabilidade democrática na Europa e o reforço da cooperação euro-atlântica, estabilizando paralelamente as nossas relações com o Mediterrâneo, a Rússia e a Ucrânia.

À União Europeia incumbe o papel essencial de assegurar a continuidade democrática, estimular a modernização das economias, reforçar as condições do desenvolvimento económico e social, e institucionalizar a aliança dos conjunto das democracias europeias.

O processo de integração europeia conheceu este ano, um enorme salto qualitativo operado pela criação da moeda única. Mas, para poder vingar, a União Económica e Monetária exige um grau muito mais elevado de cooperação política entre os Estados que a integram, consentânea com a partilha de soberania que ela própria encerra.

Creio que é para todos claro que temos de caminhar para uma Europa política, na trajectória lógica que nos conduziu, primeiro, à integração económica e depois à monetária. Só assim poderemos definir com clareza o significado do projecto europeu, tão frequentemente submerso em debates irrelevantes ou querelas obscuras.

A Europa não se pode consumir num debate sobre a sua organização. Tem de avançar, de uma forma realista e determinada, para uma união política.

Mais do que nunca, tem de ser claramente reafirmada a natureza política e a importância estratégica do projecto inovador e dinâmico que é a construção europeia.

É no contexto desta Europa política que urge aprofundar que gostaria de vos falar das nossas perspectivas sobre a UEO, o seu papel e o seu futuro.

Através dos anos, a UEO foi o veículo dos esforços europeus para assumirem uma maior responsabilidade colectiva nos domínios da segurança e da defesa e para conseguirem um maior grau de integração no domínio militar.

Consideramos que este objectivo é, hoje, mais do que nunca, uma tarefa necessária e urgente. A Europa tem de assumir uma maior quota-parte de responsabilidades na sua própria defesa e, em particular, chegou a hora de os europeus disporem de uma capacidade própria e eficaz em termos de gestão de crises, permitindo-lhes assegurar a condução de operações na defesa dos seus interesses próprios.

Um valioso trabalho tem sido desenvolvido neste sentido pela UEO durante esta década, e esta experiência servir-nos-á, estou certo, como base para fazer face, de uma forma eficaz, às exigências futuras.

De facto, a UEO não apenas reforçou o seu papel e desenvolveu as suas capacidades operacionais, como esteve presente em missões na ex-Jugoslávia, no Danúbio , no Adriático e mais recentemente na Albânia.

Que me seja permitido, neste contexto, prestar uma sincera homenagem à competência profissional, à dedicação e ao sentido do dever de todos quantos participaram nessas missões.

Quanto às capacidades operacionais, um progresso considerável foi já conseguido: consolidou-se o seu Estado-Maior militar, desenvolveram-se os procedimentos de gestão de crises, lançou-se um programa de exercícios, as ligações da UEO à NATO e à União Europeia fortaleceram-se, permitindo um trabalho conjunto e profícuo.

A presença no seu seio de 28 países contribui com valiosas experiências, capacidades e meios, para as tarefas que temos diante de nós, e reflecte a complexidade dos mecanismos necessários para que este largo conjunto de países europeus possa abordar, debater e decidir sobre as questões que afectam a estabilidade, a segurança e a defesa do nosso continente.

Existe, pois, toda uma experiência e um acervo político-militar adquirido pela UEO e pelas suas instâncias que não pode ser desperdiçado, antes tem de ser valorizado no debate sobre a segurança e a defesa europeia, para o qual este Conselho Permanente tem um importante mandato resultante da reunião ministerial de Roma

Entendo esta minha intervenção como mais uma contribuição para esse debate, salientando as linhas de orientação que nos parecem essenciais.

Creio que o edifício que pretendemos construir deve assentar em dois princípios:

Por um lado, a Europa deve estar ou tem de estar preparada para agir política e militarmente com autonomia. Se os acontecimentos na ex-Jugoslávia demonstraram a actualidade do papel da NATO, não me parece curial que os europeus estejam dependentes dos Estados Unidos cada vez que se torna necessário utilizar meios militares na gestão de crises.

Por outro, este facto não contradiz, antes deve reforçar, o contributo europeu na NATO e reflectir o desejo de manter o empenho norte-americano no tocante às questões vitais de defesa e de segurança da Europa.

Creio que estão reunidas as condições políticas para dar início a um debate que deverá ter o objectivo final de, simultâneamente, reforçar o papel da Europa na cena internacional, desenvolvendo progressivamente uma política de defesa comum no quadro da Política Externa e de Segurança Comum e contribuir para a vitalidade de uma Aliança Atlântica renovada que deverá continuar a constituir o fundamento da defesa colectiva dos seus membros.

Como já disse, a experiência acumulada pelas instâncias da UEO, o seu conhecimento específico das diversas sensibilidades envolvidas, deve ser utilizado por todos nós no processo de dotação da União Europeia de estruturas que a permitam tomar decisões com implicações militares.

Decisões baseadas numa capacidade de análise, de planeamento e de "intelligence" de qualidade, e no aprofundamento dos arranjos políticos com a NATO que permitirão aos europeus, dentro de pouco tempo, utilizarem meios e capacidades da Aliança Atlântica, evitando-se duplicações desnecessárias.

O que se visa é reforçar a solidariedade europeia. Trata-se de um debate que envolve a Europa no seu conjunto, um debate que se enriquece pela diversidade de sensibilidades, de experiências e de situações específicas, e do qual os nossos aliados transatlânticos não podem nem devem estar excluidos.

Partimos de geometrias variáveis de participações e de solidariedades. Tal facto impõem-nos que caminhemos com particulares cautelas, para podermos atingir um horizonte que deverá permitir consolidar uma igualdade de compromissos, de direitos mas também de deveres, para todos os europeus.

Uma política de segurança e de defesa implica certamente disponibilidades políticas e militares para a participação em missões de paz, como aquelas decididdas em Petersberg.

Mas uma política de defesa comum implica certamente muito mais e, nomeadamente uma solidariedade política e militar. É por isso que importa caminhar com prudência e discernimento, no quadro de uma clara determinação política, na elaboração de uma defesa comum europeia, aproveitando devidamente o património que a UEO representa em si mesma.
 
 
 
Senhor Secretário-Geral,
Senhores Embaixadores,
 
Este ano terão lugar dois acontecimentos de importância particular para o debate que nos convoca, e dos quais deveremos saber tirar todas as potencialidades.

Refiro-me à entrada em vigôr do Tratado de Amestardão e à Cimeira da Aliança em Washington.

O novo Tratado permitirá um decisivo reforço da cooperação entre a UEO e a UE. Regozijamo-nos com o facto, que não resulta naturalmente de uma mera coincidência de calendários, de que um Estado membro da União Europeia e da UE assume a presidência simultânea das duas organizações, traduzindo a vontade política de uma maior aproximação institucional entre elas.

Como sabem, Portugal apoia a integração da UEO na União Europeia, e creio que há razões para nos congratularmos com o facto de o Reino Unido se mostrar disposto a discutir questões de segurança no âmbito da União Europeia e a declaração de Saint-Malo constitui um marco significativo desta nova abordagem.

Quanto à Cimeira da Aliança Atlântica em Washington, esta deverá, por seu lado, definir na prática os importantes objectivos da Identidade Europeia de Segurança e de Defesa, regulando a cedência aos europeus de meios e capacidades da NATO essenciais para o desenrolar de operações militares. Estamos todos bem recordados da decisão da Aliança, em Berlim, quanto à cedência de tais meios e capacidades para integrarem operações a realizar sob o controlo político e a direcção estratégica da UEO, o que tornará a edificação da IEDS numa realidade operacional.

De igual modo, o novo conceito estratégico da Aliança a adoptar em Washington deverá reflectir os resultados já conseguidos na edificação da IEDS e incorporar orientações para o seu desenvolvimento futuro.

A UEO, além de pilar europeu da NATO, é cada vez mais um elemento essencial para a concretização, no futuro, de uma Política Externa e de Segurança Comum, aspecto este que deverá ser tido em devida consideração no quadro do relacionamento entre a NATO e a UEO.

Portugal atribui uma grande importância ao desenvolvimento de forças multinacionais europeias; estas forças traduzirão, em suma, no plano militar, os ideias da integração europeia. Temos de reconhecer, porém, que até agora, essas forças têm assumido um papel essencialmente simbólico e que chegou o momento de as transformar em efectivos instrumentos operacionais.

O novo conceito estratégico da Aliança deverá orientar as autoridades militares da NATO para utilizarem o seu ciclo de planeamento de defesa para fortalecer as forças europeias multinacionais, garantindo a sua coordenação e interoperabilidade , no quadro das Forças Conjuntas e Combinadas.

Julgo importante que todo este processo seja acompanhado de uma profunda análise sobre a forma de melhor aproveitar e valorizar o conjunto de meios e capacidades de que os países dispõem, num quadro de contenção orçamental que nos atinge a todos.

Devemos reflectir, por exemplo, sobre a cooperação multinacional das forças armadas dos diferentes países; sobre o desenvolvimento das nossas capacidades de "intelligence"; sobre o interface civil e militar em operações de cariz humanitário; sobre a necessidade de uma revisão efectiva da indústria de armamentos europeia por forma a torná-la competitiva face aos nossos parceiros americanos.
 
 
 
Senhores Embaixadores
 
Como referiu recentemente o Secretário-Geral Cutileiro perante a Assembleia Parlamentar da UEO, as questões algo obscuras e os debates institucionais, por mais interessantes que sejam, já não impressionam ninguém. Os nosso países serão julgados, não pelas declarações de intenção, mas pelas acções que forem capazes de empreender.

Os arranjos institucionais são certamente importantes, mas não garantirão, por eles, respostas eficazes.

O que é essencial é uma efectiva vontade política, um propósito comum, apoiados em meios e capacidades concretas.

Tenho para mim que a construção europeia avançará sempre, nas suas diferentes vertentes, desde que prevaleça o projecto, a visão política e solidária que a enforma.

Creio que vivemos um momento histórico único que devemos saber não desperdiçar.

E é este o desafio que se nos coloca e que todos deve convocar.

Muito obrigado pela vossa atenção e estou naturalmente à vossa disposição para as perguntas que me desejarem colocar.