Discurso do Presidente da República por ocasião da Sessão de Abertura do 7º Congresso do Jovem Empresário

Porto
20 de Setembro de 2002


Minhas Senhoras e meus Senhores
Caros jovens empresários

Este Congresso ocorre num momento particularmente exigente para o País, para as empresas, para os jovens. Quero por isso saudar a sua realização e fazer os mais sinceros votos de que os seus trabalhos possam contribuir para esclarecer e motivar todos os que apostam na consolidação de um espírito de empresa capaz de enfrentar os novos desafios e incorporar a inovação.

A Associação dos Jovens Empresários, com os seus 15 anos, tem dado um contributo importante para a dinamização de um cultura empresarial mais moderna, mais autónoma, mais jovem naturalmente.

Quando me refiro a uma cultura empresarial mais moderna refiro-me a uma cultura empresarial que integre preocupações ambientais e sociais e que, reivindicando o que tem de reivindicar do Estado (serviços públicos eficientes, capacidade reguladora sem entraves desnecessários, políticas económicas de estímulo à actividade económica), faça e tenha em dia o seu "trabalho de casa".

Os problemas complexos que se põem à economia portuguesa não se compadecem nem com a ilusão do proteccionismo nem com os rituais da auto-desculpabilização dos empresários perante um Estado que não lhes resolve os problemas. É preciso reafirmar que nada substitui, que nada dispensa a visão, capacidade de organização e liderança dos empresários.

O Mundo mudou bastante. As bases da competição entre economias alargaram-se e os mercados unificaram-se. Por isso há que combater mais do que nunca as ilusões dos mercados fechados, dos proteccionismos artificiais e da subsidio-dependência. Os empresários de sucesso são os que são capazes de enfrentar os desafios e de aproveitar as oportunidades que se lhes apresentam; os que estão abertos à inovação e reestruturação que aumentem a produtividade e a competitividade; os que se preocupam com as questões do desenvolvimento sustentável; e os que incorporam nos seus comportamentos a dimensão ética, dentro da empresa e na relação com a sociedade.

É deste tema, em especial, que vos quero falar hoje. Da forma franca, que sempre tenho usado convosco.

Há, em pleno século XXI, quem ainda pense que o mercado não precisa de moral. Consequentemente, os empresários não precisariam de assumir nenhuma responsabilidade para além da que decorre do cumprimento das leis do mercado.

Logicamente, o mesmo ocorreria com os outros intervenientes na economia. Nem trabalhadores, nem fornecedores de capital, nem organizadores, nem consumidores deveriam obedecer a qualquer princípio ético ou assumir qualquer responsabilidade que extravasasse a das normas implicadas no processo de troca.

A vida do mercado e dos seus agentes estaria assim subordinada a regras técnico-económicas que excluiriam qualquer sentido de responsabilização.

Acredito que não é assim que pensam os jovens empresários portugueses.

Estou convencido de que começam a ficar caducas as ideias que reduzem o mercado a uma relojoaria sem alma nem espírito. Acredito que os jovens empresários portugueses, nas suas ideias e sentimentos, partilham esta convicção.

Um mercado sem ética funciona com pouca eficiência. Como é hoje geralmente reconhecido, o mercado, para lá dos processos estritamente técnico-económicos, precisa de lei, de tribunais. E precisa de sentido cívico. Sem eles funciona mal.

Todos o sentimos instintivamente quando eclode um escândalo numa instituição financeira ou económica, como recentemente sucedeu em algumas grandes empresas dos Estados Unidos da América. Esses escândalos perturbam a boa marcha dos negócios apesar de serem, esperemos, ocorrências muito excepcionais. Os tribunais continuam a aplicar regularmente a lei, a esmagadora maioria dos agentes económicos pauta-se por critérios honestos. Mesmo assim, há prejuízo para a vida económica.

A maximização sem limites da vantagem individual teria por efeito, mais cedo ou mais tarde, a dissolução da cidade e o regresso à lei da selva – a força da lei seria substituída pela lei do mais forte.

Minhas Senhoras e meus Senhores

Tenho falado de ética, de moral, de responsabilidade, de responsabilização e civismo. Num certo sentido, estes termos são sinónimos. Somos cidadãos e não temos apenas direitos perante os outros cidadãos e o Estado – temos deveres para com os nossos compatriotas e para com a República. Se não cumprimos esses deveres cívicos, não teremos condições para usufruir dos direitos. Há ameaças que não podemos ignorar.

Assim, por exemplo, a corrupção traz insegurança. A paz e a segurança civis justificam o pagamento de impostos. Através deles, a colectividade recebe parte do fruto da criatividade e do dinamismo empresariais. Os empresários aceitam pagá-los pois sabem que os impostos concretizam o objectivo de assegurar a igualdade de oportunidades entre os seus concidadãos; realizam, além disso, outro objectivo social: permitir que o Estado garanta a segurança e a justiça; e, enfim, que o não pagamento de impostos introduz iniquidade no sistema fiscal, e portanto no sistema económico e social, descriminando aqueles que, responsavelmente, os pagam.

Os jovens empresários, estou certo disso, pagam e pagarão os impostos devidos por uma razão de justiça – assegurar a igualdade de oportunidades – e por uma razão de segurança: garantir que os devedores pagam as dívidas e que os criminosos caem nas malhas da justiça.

A responsabilização de que vos falo, a responsabilidade cívica, é um determinado processo social que caracteriza o tipo de relação entre cada um de nós e cada um dos seus concidadãos. Neste processo, cada um de nós está disposto a contribuir para satisfazer as necessidades dos outros.

Responsabilidade, responsabilização significam – vistas de outro ângulo – o cumprimento da lei. Sem o escrupuloso respeito pela lei, violamos os princípios do Estado de Direito e criamos uma ameaça de violência.

Do que vos digo decorre, inequivocamente, o seguinte. Seja qual for a nossa actividade económica ou profissional, somos todos e em primeiríssimo lugar responsáveis na nossa qualidade de cidadãos.

Essa responsabilidade é, porém, concretizada em função de numerosos factores entre os quais avultam o grau de informação e cultura, a capacidade económica, a posição na sociedade.

A responsabilidade dos empresários – aquilo por que têm que responder perante os seus concidadãos – é marcada em primeiro lugar no campo da actividade económica. Neste, avulta a necessidade de aumentarmos a nossa competitividade. E todos sabemos que não podemos ser mais competitivos se não inovarmos.

Já lá vai o tempo em se pensava que o crescimento económico dependia apenas do nível de investimento. Sabemos hoje que o investimento, sendo embora um factor de crescimento, pode, numa dada conjuntura, nem sequer ser o mais importante factor. A inovação científica, técnica e organizacional – influenciando por seu turno a qualidade do investimento – constitui um elemento imprescindível do crescimento moderno.

O facto, porém, é que inovamos pouco. As marcas e patentes registadas por portugueses estão situadas num dos mais baixos níveis da Europa. Em 1997, a Suíça registou no «European Patent Ofice» 295 patentes por milhão de habitantes. Portugal registou menos do que cinco. Também em 1997, apenas a Polónia, o México e a Turquia registaram menos patentes por habitante do que Portugal, entre os países para os quais a OCDE recolhe estatísticas. Ora sem novas marcas e novas patentes, não conseguiremos aumentar a inovação.

Há também muitas lacunas no que respeita à articulação entre o nosso sistema de ensino e aprendizagem e a inovação. Esta situação está diagnosticada. Sem inovação, não reforçaremos a nossa capacidade de concorrer no mercado europeu e no mercado mundial. Sem inovação tecnológica, dificilmente faremos crescer a produtividade a ritmo superior ao dos nossos parceiros da União Europeia – ritmo superior que é indispensável para recuperarmos o atraso económico e alcançarmos o nível de vida que todos ambicionamos.

Sem inovação, estaremos condenados a pagar baixos salários que, como muito bem sabeis, significam sempre lucros pequenos – ainda que eventualmente possam ser lucros altos. Lucros que não se traduzem em melhoria alargada para a colectividade.

Devemos todos interrogarmo-nos se o que acontece com as patentes não é o afloramento de um princípio mais geral: o da necessidade de melhorarmos a formação dos trabalhadores portugueses.

Depois de termos gasto milhões de euros na formação profissional, descobrimos que a mão de obra portuguesa não tem ainda em vários domínios o grau de treino e de conhecimento que lhe permita concorrer no mundo moderno. Que podem fazer os empresários, designadamente os jovens empresários – sozinhos ou em colaboração com os sindicatos – para melhorar a formação profissional dos trabalhadores portugueses?

Caros jovens empresários,

É pois responsabilidade de todos vós estruturar um clima social que propicie o desenvolvimento da inovação. Terá sido feito tudo o que o que está ao vosso alcance neste domínio estratégico? Penso que não.

Respeitada a responsabilidade a que fiz referência, há o direito de reclamar de todos os cidadãos o esforço indispensável para alcançarmos este grande objectivo: aumentar a produtividade.

Mas será que podemos aumentar a produtividade sem aumentarmos a coesão nacional – incluindo a coesão entre as gerações actuais e as futuras, entre os idosos e os jovens, entre os portugueses e os imigrantes há pouco chegados ao nosso país?

Será que podemos aumentar a coesão nacional e continuarmos com cerca de 200 mil acidentes de trabalho por ano – cerca de mil acidentes de trabalho por dia útil – um recorde europeu – e continuarmos também a ser os recordistas europeus das doenças profissionais?*

Julgo que a motivação para a inovação e para o crescimento depende de uma nova e diferente revaloração da coesão nacional, que vá de par com um renovado sistema de incentivos individuais.

A contribuição individual para a inovação será maior quando cada um de nós tiver a certeza de vir a receber a sua justa quota-parte do crescimento do conjunto para o qual, inovando, está a contribuir.
Acredito que muitos jovens empresários têm feito muito para inovar e motivar para a inovação. Têm feito muito pela coesão nacional. Mas terão feito tudo o que podiam?

Cabe também aos jovens empresários um papel de eleição na nossa caminhada europeia. Cumpre que as suas empresas encarem o mercado europeu como o seu mercado interno e nele sejam capazes de se afirmarem com crescente pujança, manifestando a todos que, sejam quais forem as vicissitudes da União Europeia, saberemos afirmar a nossa posição económica.

Minhas Senhoras e meus Senhores
Caros jovens empresários

O país atravessa dificuldades económicas. A retracção do crescimento, que persiste além fronteiras, atinge no rosto uma economia pequena e aberta como a nossa, que terá que viver com ele e, sobretudo, de redobrar esforços para o ultrapassar.

Estou certo que venceremos. Estou certo que venceremos com a colaboração de todos os portugueses e, em particular, dos jovens empresários.

Os jovens empresários terão a energia, a fé e os conhecimentos que lhes permitirão passar a curva difícil da estrada, encorajar os mais velhos, dinamizar os mais jovens, seguir e dar bons exemplos.

Muitas empresas precisam de sangue novo para ultrapassarem as dificuldades presentes. Estou certo que encontrarão em vós esse sangue novo de que necessitam.

Os jovens empresários sentem também, decerto, a necessidade de uma estratégia económica mais global, que conserve centros de decisão importantes em Portugal, que privatize a produção de bens ou serviços não públicos ou concessione outros, mas sem transferir para o estrangeiro empresas e actividades nevrálgicas, e que seja capaz de dinamizar a disponibilização do capital de risco aos empresários.

Há dias, no congresso mundial dos economistas, Robert Solow, o reputado economista do MIT, ironizava: os Estados Unidos exportam o liberalismo económico e praticam o keynesianismo.

Que é como quem diz: recomendam aos outros que não coordenem as respectivas economias, ao passo que eles, norte-americanos, dirigem e regulam firmemente a sua própria economia.

Estão todos alerta para a profunda sabedoria contida naquela graça do Prémio Nobel da Economia de 1987. Sei que não sacrificarão o bem comum a uma ideologia económica, por atraente que ela vos pareça.

Estou certo que venceremos. Estou certo que venceremos com a colaboração de todos os portugueses e, em particular, dos jovens empresários. Vós tendes a energia, a fé e os conhecimentos que vos permitem passar a curva difícil da estrada, encorajar os mais velhos, dinamizar os mais jovens. As empresas precisam de sangue novo para ultrapassarem as dificuldades presentes. Estou certo que as empresas encontrarão em vós o sangue novo de que necessitam.

Sei que estão dispostos a vencer. Sei que neste momento difícil cada um de vós pergunta a si próprio: "o que poderei fazer pela economia portuguesa?", esquecendo o refrão antigo: "o que pode a economia portuguesa fazer por mim"?

* Por ano, ocorrem em Portugal cerca de 200 mil acidentes de trabalho, mil por dia útil, sendo um desses mortal. O nosso país ocupa, neste campo, o lugar de topo na Europa. De acordo com o entendimento encontrado entre os países da União Europeia que estabelece como "doença profissional" aquela que provoca mais de três dias de incapacidade, Portugal bate também o recorde, na Europa, com 20 mil pensionistas afectados por doenças profissionais (O Público, 10 de Novembro de 2001)