Discurso de SEXA PR por ocasião da deslocação à Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa

Lisboa
13 de Novembro de 2002


É com muito prazer que participo hoje na cerimónia do Dia da Faculdade, em que os primeiros licenciados pela Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa recebem os seus diplomas.

Numa ocasião que é, legitimamente, de festa, permito-me dirigir-vos algumas palavras e propor-vos uns tantos tópicos de reflexão.

As mudanças em curso na sociedade contemporânea exigem respostas inovadoras das instituições educativas, quer ao nível da sua organização, quer dos conteúdos e estratégias pedagógicas ou dos meios e processos de trabalho dos alunos. Mas também impõem um novo modelo de relacionamento com o mundo do trabalho e com a sociedade em que vivemos.

O ensino superior, incluindo as universidades portuguesas, foi abalado, nos últimos anos, por um aumento muito significativo do acesso a todas as áreas de formação e pela diversificação dos seus sistemas e cursos.

Tínhamos, há trinta anos, um ensino reservado a uma elite. De facto, a esmagadora maioria dos jovens que entrava na escola ficava pelo caminho, num processo de sucessivas exclusões que explicam um dos maiores dramas da sociedade portuguesa: a persistência de baixos níveis de instrução, em particular na população activa.

Por isso, devemos regozijar-nos com o processo de democratização do acesso à educação em Portugal, que já muito contribuiu para a transformação social e cultural do País. Trata-se, contudo, de um processo que é, ainda, insuficiente. Precisamos de um grande empenhamento do País para fazer da educação uma prioridade de todos.

Temos hoje um grande desafio nacional: é preciso conseguir evitar os abandonos precoces e sem qualquer qualificação académica ou profissional, da escolaridade obrigatória e do ensino secundário. Faço, por isso, um apelo à conjugação de esforços de todos e, em especial, de professores, pais, autarcas e escolas de todos os níveis de ensino para que se empenhem numa luta comum para elevar os níveis de educação e formação dos portugueses: crianças, jovens e adultos.

É indispensável criar condições para que cada português vá o mais longe possível nos seus estudos, realizando-se plenamente como ser humano e como profissional. E não devemos preocupar-nos com a possibilidade de o número de diplomados do ensino superior ser excessivo. Tudo indica que, a prazo, eles contribuam para melhorar a qualidade dos postos de trabalho e da própria vida democrática.

Seja como for, a melhoria da qualidade do ensino superior é um imperativo incontornável dos nossos dias. Temos de ser exigentes na avaliação do desempenho dos alunos, dos professores e das escolas.

O futuro das pessoas e do País impõe grandes transformações no campo da educação. A Declaração de Bolonha e a Cimeira de Lisboa de 2000 exprimiram urgência na mudança de objectivos e estratégias para o ensino superior.

Um curso não pode ser encarado como um mero conjunto de conteúdos. Há que pensar a preparação académica dos alunos perspectivando a sua integração no mundo do trabalho, mas sem descurar a sua formação cultural e cívica. De um diplomado do ensino superior espera-se, ainda, que desenvolva competências de acção e compreensão do mundo em que vivemos.

Verifico que assumiram estas preocupações nos planos de estudo e nas práticas de ensino-aprendizagem desta Escola. Saúdo-vos por isso!

Minhas Senhoras e Meus Senhores:

Há hoje uma grande preocupação com o futuro dos nossos Institutos e Universidades.

Existe a consciência de que não podemos adiar por mais tempo as transformações necessárias no ensino superior.

O que está em causa é muito mais do que a viabilidade das instituições. O que está verdadeiramente em causa é a posição de Portugal na sociedade do conhecimento.

Vivemos um momento que poderá proporcionar uma viragem na evolução do ensino superior. Viragem permitida pela quebra do número de alunos e pela diminuição da pressão para que se aumentem as vagas de acesso. Esta situação obrigará a repensar genericamente a missão da Universidade, induzindo também uma alteração nos objectivos específicos das instituições e nos públicos a que se dirigem.

A formação de pessoas é hoje, e será no futuro, a missão histórica fundamental do ensino superior. Mas nem as pessoas serão as mesmas, nem a formação terá o mesmo significado.

Referindo unicamente dois aspectos, sublinho que, actualmente, um número significativo de alunos do ensino superior público e privado tem mais de 25 anos, tendência forte noutros países europeus e que é importante que se acentue também em Portugal. Sabe-se, por outro lado, que o ensino nas grandes Universidades mundiais já recorre a sistemas de comunicação interactiva, um processo com virtualidades cujo aproveitamento está ainda no início.

A partir destes dois elementos é fácil imaginar um conjunto de mudanças na formação universitária e prever que as instituições que não souberem adaptar-se terão poucas probabilidades de sobrevivência.

Permitam-me que identifique, rapidamente, três destas mudanças.

Primeira mudança:

As escolas do ensino superior tendem a ser frequentadas por públicos muito diversos, com um leque alargado de interesses e objectivos: jovens em formação inicial, graduada e pós-graduada; profissionais em formação contínua ou em processos de reconversão profissional; adultos em busca de uma actualização de conhecimentos ou de uma valorização pessoal. Nestas condições, a formação universitária terá de ser flexível, prevendo momentos de trabalho e de estudo, frequência de cursos e disciplinas em mais do que uma instituição, processos de reconhecimento de aprendizagens não formais.

Ora, é fácil constatar que poucas instituições estão preparadas para lidar com estas realidades, já que exigem alterações muito profundas, designadamente no funcionamento, nos modos de recrutamento, no apoio social e na orientação dos alunos.

A segunda mudança decorre da necessidade de colocar os estudantes (os diversos tipos de estudantes) no centro do trabalho universitário. É a compreensão do modo como estudam e como aprendem (e já não estudam nem aprendem como há dez anos atrás!) que nos permitirá imaginar outros modelos de formação.

Estas estratégias obrigam a repensar a preparação pedagógica de muitos docentes.

A terceira mudança tem em atenção a volatilidade do conhecimento e a sua difusão transnacional, o que torna inevitável a existência de estruturas e de programas flexíveis, que facilitem processos de mobilidade dos estudantes e de diferenciação dos percursos escolares. Promover estas dinâmicas é uma questão de sobrevivência a prazo.

O recurso sistemático às novas tecnologias de informação e comunicação transformará, radicalmente, o ensino superior, desde a orgânica dos cursos às estratégias de transmissão e aquisição do conhecimento, passando pelo quotidiano dos professores e até a própria configuração física das instalações e dos edifícios.

A missão de formar pessoas, em particular no contexto que acabei de mencionar, é indissociável da missão de produzir conhecimento, de produzir ciência e cultura. Mas também aqui é ilusório pensar que basta melhorar os modelos do passado, introduzindo ligeiras adaptações. São de maior vulto as mudanças que se exigem, por três razões principais.

Em primeiro lugar, o ensino superior está a perder, rapidamente, o controlo da produção e difusão do conhecimento. Torna-se, por isso, urgente consolidar comunidades académicas fortes, com práticas sistemáticas de investigação científica. Abertas ao exterior, em particular à economia e à cultura, estas comunidades devem investir no sentido de uma efectiva internacionalização. Países como Portugal correm o risco de se transformarem em meros consumidores, acentuando a sua situação periférica na nova sociedade do conhecimento. Por isso, é importante prosseguir uma política de investimento na formação avançada e na qualificação dos investigadores portugueses, promovendo os grupos e os centros de maior qualidade científica. Portugal deu neste domínio passos muito importantes que é necessário dar a conhecer e valorizar.

Em segundo lugar, é útil chamar a atenção para dois aspectos que não podem ser realizados por nenhum outro meio: a formação científica e a vida académica e cultural dos estudantes. Na Internet circula informação, mas só nas universidades é possível produzir saber em articulação com um ensino experimental, com a aquisição de uma cultura científica e tecnológica, com a integração em grupos de pesquisa.

Sou muito sensível à necessidade de revitalizar a vida académica, nas suas dimensões culturais, desportivas e sociais.

Ser estudante é viver um tempo que vai muito para além do espaço das aulas e dos estudos, um tempo que marca a nossa identidade pessoal.

Assim sendo, nunca será de mais salientar a importância das comunidades académicas abertas à ciência e à cultura, à convivialidade e ao associativismo, em campus com uma autêntica vocação universitária.

Em terceiro lugar, quero dizer-vos que uma dinâmica nova, mais exigente do ponto de vista científico, não poderá ter lugar em instituições velhas, rígidas, paralisadas por inércias e resistências. Não terá lugar, também, sem professores e investigadores motivados e altamente qualificados. A expansão dos mestrados e dos doutoramentos tem possibilitado a emergência de uma geração de jovens cientistas, cujo futuro depende, em grande parte, de um Estatuto menos rígido, que permita uma concepção inovadora da carreira docente e de investigação. É urgente promover a internacionalização da nossa comunidade académica e encontrar formas adequadas de recompensar a dedicação e o mérito.

É preciso criar condições para que os melhores cientistas portugueses possam contribuir para o nosso desenvolvimento e para a nossa afirmação no campo da ciência.

A avaliação é uma condição essencial ao desenvolvimento da qualidade do ensino superior. Para que tal aconteça considero que ela deve ser conduzida num clima de confiança e deve ter consequências, permitindo que se conheçam os erros, mas também os processos inovadores.

Acredito que a avaliação pode ser um meio essencial para promover uma cultura de exigência e de qualidade, de rigor e de responsabilidade.

A avaliação faz-se com vistas largas, não se deixando encerrar no que já existe, antes imaginando o que pode vir a ser. Os seus termos de referência devem situar-se numa ideia de futuro do ensino superior.

É preciso criar um ambiente propício à modernização das Escolas, à mobilidade de estudantes e professores e à internacionalização do ensino superior português. O conceito de autonomia universitária parece hoje, ao mesmo tempo, excessivo e insuficiente. Excessivo, na medida em que reforça os poderes internos e as lógicas de funcionamento de uma instituição que raramente foi capaz de se auto-reformar. Insuficiente, porque não permite às Escolas definirem as suas formas próprias de governo e de gestão. Por isso, do mesmo modo que tenho criticado a proliferação de cursos e especializações, defendo a consolidação de Escolas com diferentes projectos científicos e pedagógicos, de Escolas que se afirmem pela sua identidade própria. É nesta diferença que reside o sentido de uma autonomia que tem como corolário indispensável a responsabilidade.

A melhoria da qualidade das escolas portuguesas e a sua modernização exige hoje, mais do que nunca, mudanças consistentes e apoiadas. Mudanças que integrem os esforços de muitos que se empenharam em processos inovadores com resultados positivos e úteis à melhoria da qualidade da educação.

O conhecimento do vosso projecto e das práticas desenvolvidas pode ser um contributo importante para a transformação do ensino superior em Portugal. Algumas das mudanças a que me referi fazem parte do dia-a-dia desta instituição.

Com a conclusão das primeiras licenciaturas, a vossa escola vence uma etapa importante na pesquisa de um currículo mais pertinente, aberto e moderno. É preciso, estudá-lo, dar a conhecer os resultados obtidos nesse estudo, solidificar o trabalho que vem sendo desenvolvido.

O conhecimento de projectos como este reforça a minha esperança e a minha confiança no futuro. É preciso agora que o vosso trabalho dê frutos.

Peço-vos por isso que prossigam o esforço desenvolvido.

Conto convosco.