Discurso do Presidente da República por ocasião da Sessão de Abertura do Colóquio "A África e a União Europeia - Parceiros na Solidariedade"

Lisboa
27 de Fevereiro de 2003


Ao aceitar o convite que me foi tão amavelmente dirigido para participar na sessão de abertura desta iniciativa das Conferências Episcopais e Episcopados de África e da União Europeia, fi-lo sobretudo com três claros propósitos :

Em primeiro lugar, manifestar o apreço e o reconhecimento do Estado português pela notável acção desenvolvida, ao longo dos anos, pelas Igrejas em África. Acção discreta, nem sempre devidamente valorizada, mas sem dúvida essencial para o reforço do tecido social em que se alicerçam os Estados, uma vez que directamente direccionada para as mais básicas necessidades das populações : alimentação, saúde, educação, paz.

Em segundo lugar, encorajar o prosseguimento dessa acção, mas também a sua valorização, mediante uma mais estreita articulação e um maior diálogo com as instituições políticas, de que o presente colóquio constitui um excelente exemplo. As Igrejas não podem, nem devem, substituir-se ao Estado, mas em determinadas circunstâncias e em particular nas vertentes social e humanitária, o seu contributo é a todos os títulos inestimável, pelo que muito se ganhará com uma maior complementariedade e racionalização da acção de ambos. O conhecimento profundo e equidistante das realidades de que dispõem as Igrejas, por outro lado, constitui uma importante mais valia, tornando indispensável que na discussão dos grandes problemas que afectam o Continente seja cada vez mais escutada a sua voz.

Finalmente, em terceiro lugar, e porque nunca é demais repeti-lo, quero deixar aqui bem expressa a visão portuguesa do que deve ser o relacionamento da Europa com África : uma relação de igual para igual, assente nos princípios do respeito mútuo, da responsabilidade e da exigência, aberta ao diálogo e transparente, livre dos estigmas do passado e decididamente virada para o futuro.


Minhas Senhoras e meus Senhores

A complexa situação internacional que atravessamos, cujos efeitos, nomeadamente económicos, se fazem já sentir fortemente, não veio senão acentuar a encruzilhada em que se encontra hoje o continente africano. Detentora de enormes riquezas naturais e de um invejável capital humano, África tem vindo a ficar progressivamente marginalizada dos grandes movimentos da economia e do processo de globalização, correndo o sério risco de se ver inexorável e injustamente preterida na corrida ao desenvolvimento.

A instabilidade política, quando não a guerra, o depauperamento da economia, a pobreza, as clivagens étnicas e os flagelos da doença e da fome, contribuíram sem dúvida para este estado de coisas, a que urge urgentemente pôr cobro.

Pelas suas implicações dramáticas no plano humanitário e pelas suas graves consequências económicas e sociais, tenho dedicado particular atenção à devastadora epidemia da SIDA, que tanto afecta o continente africano e em cujo combate a Igreja tem também um importante papel a desempenhar.

É conhecido o nexo directo existente entre a estabilidade política e a boa governação, por um lado, e o desenvolvimento, por outro. Não pode de facto existir progresso económico sem paz, como não se poderá avançar no sentido da pacificação e da equidade social no desrespeito pelos princípios básicos da democracia e dos direitos humanos.
Estas asserções, sendo incontornáveis, não vêm senão reforçar a convicção, hoje já generalizada, de que a solidariedade e a cooperação internacionais não bastam, só por si, para assegurar a resolução dos graves problemas que atingem África. Assim, caberá antes demais aos africanos, aos seus governantes e instituições, criar as condições mínimas que permitam que a ajuda externa frutifique e produza os efeitos desejáveis.

Esta nova consciência da responsabilidade e dos desafios que se colocam aos dirigentes africanos, essencial para o arranque do continente, encontra-se já reflectida no recente projecto do Novo Partenariado para o Desenvolvimento Africano ( NEPAD ), bem como na recém instituída União Africana, iniciativas puramente africanas que, na sua complementaridade, merecem pois todo o nosso apoio e encorajamento.

O facto de ambas considerarem a paz, a democracia, o respeito pelos direitos humanos e a boa governação, como condições sine qua non para um desenvolvimento económico sustentado, constitui sem dúvida um importante avanço, com o qual muito nos congratulamos.

Numa posição à época fortemente inovadora, Portugal defendeu, desde a primeira hora, o estabelecimento de um diálogo institucional entre a União Europeia e África, baseado nos princípios da igualdade e da responsabilidade de ambas as partes.

Estes princípios viriam a ser pela primeira vez inteiramente assumidos na histórica Cimeira do Cairo, a qual veio imprimir ao relacionamento entre africanos e europeus uma maturidade até à data desconhecida. Volvidos três anos sobre aquele encontro, Portugal mantém-se fiel aos propósitos que então nortearam a sua acção, na certeza de que o diálogo ali iniciado, ainda que não isento de dificuldades, não cessará no futuro de fortalecer-se.


Minhas Senhoras e meus Senhores

Penso poder afirmar que a presença em Lisboa dos mais altos representantes das Conferências Episcopais e dos Episcopados de África e da União Europeia, neste momento particular, constitui a melhor prova de que também a Igreja Católica acredita nas virtualidades daquele relacionamento, procurando, através do seu valioso contributo, enriquecer o diálogo político entretanto estabelecido nos mais diversos domínios.

É pois com grande satisfação, que agradecendo a presença em Lisboa dos participantes neste colóquio, a todos desejo os maiores sucessos nos trabalhos que agora iniciam.