Veto ao Rendimento Social de Inserção


24 de Março de 2003


O Decreto n° 18/IX da Assembleia da República procedeu à revogação do rendimento mínimo garantido previsto na Lei n° 19-A/96, de 29 de Junho, e criou, em sua substituição, o rendimento social de inserção.

Enquanto que a Lei n° 19-A/96, de 29 de Junho, que criou o rendimento mínimo garantido, reconhece a titularidade do direito à prestação de rendimento mínimo aos indivíduos com idade igualou superior a 18 anos, o artigo 4°, n° 1, do Decreto n° 18/IX da Assembleia da República, com ressalva das excepções também já previstas na lei em vigor e das posições subjectivas dos actuais beneficiários, apenas garantia a titularidade do direito ao rendimento social de inserção às pessoas com idade igualou superior a 25 anos.

Esta exclusão genérica de acesso ao rendimento social de inserção por parte dos jovens até aos 25 anos mereceu-me as maiores dúvidas de constitucionalidade, tanto mais que o diploma em causa não compensava essa exclusão através de quaisquer outras medidas de apoio social. Nesse sentido, solicitei ao Tribunal Constitucional que verificasse se aquela norma de exclusão violava o artigo 63°, nºs 1 e 3 da Constituição, bem como os artigos 12°, n° 1 e 13°, n° 1 da Constituição.

O Tribunal Constitucional, de forma inequívoca, considerou que a norma em apreço era, de facto, inconstitucional. Considerando haver, desde logo, violação do princípio constitucional decorrente dos artigos 1°, 2° e 63, nos 1 e 3, o Tribunal Constitucional pronunciou-se pela inconstitucionalidade daquela norma, dispensando-se,
consequentemente, de verificar as outras dúvidas de constitucionalidade.

O Tribunal Constitucional considerou, assim, que a exclusão de acesso ao rendimento social de inserção por parte dos jovens entre os 18 e os 25 anos, nos termos em que essa exclusão era regulada no Decreto n° 18/IX da Assembleia da República, violava o Direito fundamental a um mínimo de existência condigna, postulado, em primeira linha, pelo principio do respeito pela dignidade humana.

Ficou assim claro, segundo o Tribunal Constitucional, que estava em causa, não apenas o problema sensivel da necessária observância dos direitos fundamentais de natureza social, em Estado de Direito, qual seja, o da consideração devida ao principio da dignidade da pessoa humana que funda a República Portuguesa.

Ora, considerando a importância e gravidade do que está em causa, não parece que, atendendo ao debate a propósito realizado na Assembleia da República e ao teor das alterações agora introduzidas, as preocupações de natureza social e de respeito pela dignidade da pessoa humana, justamente assinaladas pelo Tribunal Constitucional, tenham sido devidamente atendidas.

O diploma agora aprovado continua a discriminar negativamente os jovens, na medida em que, sem qualquer compensação, lhes impõe obrigações que não aplica aos restantes titulares. Mais, onde antes discriminava os jovens dos 18 aos 25 anos, agora discrimina dos 18 aos 30 anos. Não tendo sido avançadas no debate quaisquer justificações para esta alteração de limite etário, não se percebe que motivos podem ter estado na origem da nova opção do legislador.

De acordo com as alterações agora introduzidas, os jovens entre os 18 e os 30 anos e só eles, ainda que tenham direito ao rendimento social de inserção, precisam, quando se candidatam à respectiva atribuição, de preencher a condição específica de estarem inscritos como candidatos a emprego no Centro de Emprego há, pelo menos, seis meses. Isto significa, na prática, que os jovens entre os 18 e os 30 anos podem ver-se em situação de extrema penúria durante largos meses sem qualquer apoio material, mesmo que a sua situação de carência seja de maior gravidade que a daqueles que, por terem mais de 30 anos, têm imediato acesso ao rendimento social de inserção. Mesmo quando o jovem afectado se encontre no limiar da sobrevivência, o Estado obriga-o a esperar penosamente pelo decurso do tempo (no mínimo seis meses) até que possa receber alguma da ajuda que, diferentemente, é desde logo concedida a outros concidadãos pela única razão de terem mais de 30 anos.

Como se percebe do debate realizado na Assembleia da República, a razão invocada para esta discriminação negativa é a de uma maior preocupação, relativamente aos mais jovens, com a sua inserção no mercado de trabalho, na formação profissional e na disponibilidade para o trabalho. Ou seja, tratar-se-ia não de uma penalização, mas, no fundo, de uma verdadeira ajuda aos jovens.

Porém, se esta é a razão, porquê não atribuir, então, em condições de igualdade, o direito ao acesso de todos ao rendimento social de inserção, ainda que os mais jovens só pudessem manter a ajuda correspondente desde que se inscrevessem nos Centros de Emprego e demonstrassem disponibilidade activa como candidatos a emprego?

Se há medidas menos restritivas que permitem atingir os mesmos fins com igual grau de eficácia, por que razão se opta pela medida mais penalizadora para os jovens?

Qual a necessidade racional de manter os jovens, e só eles, numa situação de penúria durante largos meses, sem qualquer ajuda material, quando se sabe que, sobretudo nessa idade, essa pode ser a diferença que decida entre a queda na marginalidade ou, a inserção social?

O nosso país vive um período de grande incerteza. Como se percebe de todos os indicadores, económicos e sociais, atravessamos um momento em que as camadas mais deprimidas da população são as primeiras vítimas das dificuldades estruturais ou conjunturais que nos afectam. Numa situação como esta, os jovens, à procura do primeiro emprego ou a braços com o desemprego, estão na primeira linha dos mais atingidos.

A sensibilidade para com as questões sociais e para com a exclusão social deve ser uma preocupação transversal a toda a sociedade e a todos os decisores e agentes políticos. O país não perceberia que, quando se pedem sacrifícios a todos para recuperarmos da situação em que nos encontramos, se esqueça a solidariedade para com os mais débeis ou os mais desprotegidos, sobretudo quando, como assinala o Tribunal Constitucional, está em causa a dignidade da pessoa humana.

Esperando que este apelo encontre eco na assembleia representativa de todos os portugueses, solicito à Assembleia da República, pelas razões apontadas, uma nova reapreciação do diploma.