Mensagem de SEXA PR à Assembleia da República relativa à proposta de referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez

Palácio de Belém
02 de Maio de 2005


Decidi não convocar o referendo proposto pela Assembleia da República sobre a interrupção voluntária da gravidez porque entendi não estarem asseguradas as condições mínimas adequadas a uma participação significativa dos portugueses.

Com efeito, face aos prazos e limites em vigor no actual quadro jurídico, o referendo que me foi proposto teria de ser obrigatoriamente convocado para um domingo no próximo mês de Julho, ou seja, seria necessariamente realizado numa altura em que muitos portugueses já se encontram de férias. Para tal facto alertei antecipadamente os partidos com representação parlamentar.

Não obstante a importância do referendo enquanto instrumento privilegiado de exercício do poder politico, há que reconhecer que, do ponto de vista da participação dos cidadãos, a nossa anterior experiência revelou fragilidades cuja repetição importa prevenir, sob pena de o próprio instituto acabar por ser decisivamente posto em causa.

Acresce que o tema da interrupção voluntária da gravidez foi já objecto de um referendo de muito escassa participação, mas cujo resultado, se bem que não juridicamente vinculativo e com uma votação muito dividida entre o “não” e o “sim”, resultou, na prática, num bloqueio legislativo cuja persistência é cada vez mais discutida. Importa, pois, assegurar que a próxima consulta popular sobre a mesma matéria se realize em condições de significativa participação cívica.

De resto, a conveniência de realização de um novo referendo é hoje partilhada por um amplo conjunto das forças políticas representadas na Assembleia da República, pelo que a recusa de convocação de que agora dou conta não deve ser interpretada como rejeição politica do conteúdo da proposta que me foi apresentada mas antes como incentivo à realização do referendo em circunstâncias mais adequadas na perspectiva de uma cidadania activa e participada.

Por último, as dificuldades objectivas que relativamente a esta proposta e à que incide sobre o tratado constitucional europeu tão evidentemente se manifestaram, colocam-nos perante a inadiável necessidade de repensarmos a adequação do conjunto dos prazos e limites circunstanciais, temporais e materiais que, entre nós, envolvem a realização dos referendos. Tendo sido desencadeado um processo de revisão constitucional extraordinária, será essa uma oportunidade excelente para correcção dos requisitos e condicionamentos que se têm revelado mais problemáticos ou desajustados.