Cerimónia de Transferência de Macau

19 de Dezembro 1999



A cerimónia que aqui nos reúne constitui um momento essencial e único da História de Macau.

Para Portugal não se trata, apenas, de realizar, de forma solene, a transferência para a República Popular da China do exercício da soberania sobre Macau, mas de com essa transferência reafirmar, perante a comunidade internacional, aqui tão largamente representada, o seu empenho solidário no futuro do território, no quadro do estatuto de autonomia garantido pela Declaração Conjunta Luso-Chinesa.

E se é importante para as relações entre Portugal e a China que Macau tenha sido um lugar privilegiado de encontro entra as suas culturas e as suas gentes, o acordo a que os dois Estados chegaram sobre o estatuto do território representa uma forma sensata e pacífica de prosseguirem uma nova etapa no seu relacionamento velho de séculos, mudando o que era exigido pelas novas realidades dos dois países e mantendo o que faz de Macau uma realidade singular.

Aqui, onde de um modo tão evidente conviveram culturas e interesses diferenciados, que determinaram uma maneira de viver própria e insubstituível, vai ficar instituída a Região Administrativa Especial de Macau.

Nesse quadro, o território gozará de um alto grau de autonomia, expresso em instituições próprias de poder legislativo e executivo, e de um poder judicial, servido por tribunais independentes, que julgarão, em primeira e última instância, as questões que digam respeito, exclusivamente, a Macau e aos seus habitantes.

Foi este estatuto político-administrativo, fundado no primado da Lei, e em que serão as gentes de Macau quem governará a sua terra, de forma livre e democrática, que a China e Portugal sufragaram na Declaração Conjunta de 1987; com o compromisso firme de que os habitantes do território continuarão a gozar dos direitos, liberdades e garantias, que são património da sua maneira de viver e fizeram a singularidade e a prosperidade desta terra.

Mas se a Declaração Conjunta se revelou o modo adequado de prefigurar o destino de Macau, ela foi também, e continuará a ser, um momento privilegiado de excepcional atenção da comunidade internacional sobre este pequeno território e sobre a realidade única que a História aqui proporcionou.

É essa realidade que, com igual fisionomia, passará para o próximo século, sob a bandeira da República Popular de China, em estatuto de respeitosa convivência entre modelos sociais, que a fórmula "um país dois sistemas" veio expressar sem reticências.

É perante essa comunidade internacional que Macau aparece com os instrumentos da modernidade e do progresso, e em legítima parceria com todos os que sufragaram os mais exigentes compromissos de promoção e de tutela dos direitos do homem, de que é justo realçar o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais.

É com esta cidadania universal de valores e de direitos que Macau se manterá no encontro entre a Europa e a Ásia.

Com isso, continuará Macau a vocação secular de mediador na encruzilhada de gentes, civilizações e interesses, e, por essa via, a reforçar a sua identidade própria.

Foi para a preservação da identidade de Macau, herdeira de uma História feita em comum por Portugueses e Chineses, que a China e Portugal estabeleceram laboriosa cooperação, nos últimos doze anos.

Nesse cumprimento da Declaração Conjunta, fortaleceu-se a relação entre Portugal e a China e emergiu, com maior nitidez, Macau e o estatuto de autonomia que lhe é garantido. Para todos os que contribuíram para este sucesso, uma palavra de muito apreço e reconhecimento.

Minhas senhoras e meus senhores,

Numa sociedade internacional em que a todos importa o destino de cada um, Portugal continuará solidário com Macau, empenhado no seu futuro, e certo de que, também aqui, a democracia e a liberdade são realidade insubstituível e penhor da paz e do progresso para todos os povos.


Jorge Sampaio