Visita de Estado à Irlanda

01 de Junho 1999

Senhor Primeiro Ministro,


Quero, antes de mais, agradecer-lhe esta sua tão amável hospitalidade, assim como o simpático acolhimento que nos tem sido reservado desde a nossa chegada à Irlanda, que muito nos sensibiliza.


Acompanha-me uma muito significativa comitiva, que inclui membros destacados do Governo Português, representantes de todos os partidos políticos com assento no nosso Parlamento, investigadores e universitários, responsáveis por sectores importantes da nossa Administração, criadores culturais, empresários e jornalistas. A sua presença testemunha, por um lado, a qualidade das nossas relações e, por outro, a nossa vontade de aprofundarmos o nosso entendimento e cooperação nas mais diversas áreas, num quadro comum europeu que é o nosso.


Se não existem entre nós quaisquer problemas bilaterais, se as nossas relações se têm desenvolvido de forma crescente e harmoniosa, se o conhecimento recíproco das nossas realidades humanas, culturais, económicas e sociais tem aumentado, cabe reconhecer que muito há ainda a fazer para reforçar esse conhecimento e entendimento mútuos, para aprofundarmos a nossa cooperação nos mais variados sectores.


Não há relações políticas, económicas, culturais ou científicas consequentes que não assentem num conhecimento pessoal, num factor humano, numa percepção individual das maneiras de ser e de estar, das motivações, das capacidades e dos interesses de cada uma das partes.


Pretendo, com esta visita, contribuir justamente para um reforço do conhecimento mútuo entre irlandeses e portugueses, propiciando a mim próprio e a todos quantos me acompanham uma percepção mais directa das realidades do seu belo país, da sua cultura tão rica, das formas como os irlandeses têm conseguido, de uma forma tão feliz, fazer face aos desafios da modernidade e do progresso.


A Irlanda e Portugal têm afinidades evidentes; somos dois países dos extremos ocidentais da Europa, virados para o mar, que sofreram vicissitudes semelhantes, com povos ciosos da sua liberdade e da sua independência, com culturas originais e fortes identidades. Dois países que operaram profundas mutações económicas e sociais nas últimas duas décadas e que se encontram activamente empenhados na construção de uma Europa crescentemente unida, próspera e solidária.


Terei, esta tarde, a oportunidade de participar num encontro dedicado ao modelo de desenvolvimento da Irlanda. Creio que, nas vertentes do investimento, da investigação científica e tecnológica, no desenvolvimento dos recursos humanos, dos sectores industriais baseados em tecnologias avançadas, teremos, irlandeses e portugueses, áreas particularmente interessantes para trocarmos conhecimentos e experiências e para desenvolvermos novas formas de cooperação entre nós.


Para além do reforço e da diversificação da nossa cooperação bilateral, promovendo as trocas comerciais e económicas, os fluxos turísticos, as iniciativas de carácter científico e cultural, a construção europeia assume um lugar central no nosso relacionamento.


Conseguimos, com sucesso, respeitar o calendário da Terceira Fase da União Económica e Monetária e a Irlanda e Portugal encontram-se entre os países fundadores da Moeda Única, solidamente ancorados no centro de uma nova fase do processo de integração europeia. Será uma nova fase tão exigente como as anteriores. Temos de alargar as fronteiras da União e ao mesmo tempo aprofundar o próprio processo de integração, reforçando a coesão e a solidariedade entre os Estados membros.


Temos igualmente que assumir, com clareza e determinação, a dimensão política inerente ao projecto europeu. Não creio que o processo de integração possa avançar sem que esta dimensão se afirme de forma crescente e efectiva. Só assim poderemos assegurar as condições do progresso do espaço europeu, garantir uma maior projecção da nossa identidade própria na cena internacional, e prosseguir uma defesa mais eficaz dos nossos interesses comuns.


Em todas estas áreas, Senhor Primeiro Ministro, existem consonâncias importantes entre a Irlanda e Portugal, perspectivas idênticas ou muito semelhantes, objectivos e princípios que queremos assegurar. Daí a utilidade de continuarmos e de desenvolvermos o nosso entendimento sobre estas questões que moldarão o futuro colectivo da Europa.


Portugal assumirá, dentro de pouco mais de seis meses, a Presidência da União. Estamos conscientes das responsabilidades acrescidas que então nos incumbirão.

Exerceremos o nosso mandato da mesma forma como temos pautado a nossa acção desde a nossa adesão: com seriedade e rigôr, valorizando a solidariedade e tudo o que une os europeus.


Senhor Primeiro Ministro,


Tive já ontem ocasião, durante o jantar oficial oferecido pela Senhora Presidente McAleese, de expressar a nossa solidariedade com os irlandeses na busca de uma solução política para a situação na Irlanda do Norte. Admiramos a tenacidade, a perseverança e a inegável coragem pessoal de todos quantos se têm empenhado na criação de condições para que as comunidades da Irlanda do Norte possam, ao fim de tantas décadas de conflito fratricida, beneficiar da paz a que têm direito. Todos eles são merecedores do nosso reconhecimento.


O acordo da Sexta-feira Santa do ano passado constitui o quadro político indispensável para conseguir aqueles objectivos e para iniciar uma nova era de convivência pacífica e mutuamente respeitadora entre irlandeses de diferentes confissões. Como tal, foi apoiado por uma maioria muito expressiva dos irlandeses e não podem ser defraudadas as esperanças e as promessas de paz que ele encerra.

A defesa da democracia e dos direitos humanos, a liberdade e o primado do Direito constituem, Senhor Primeiro Ministro, uma marca essencial do projecto europeu e da matriz civilizacional da Europa.


Na Europa e fora dela assistimos, porém, a situações em que os direitos fundamentais da pessoa humana são diariamente violentados.


Pensamos imediatamente no Kosovo, na catástrofe humanitária a que ali estamos a assistir, a tantas vítimas inocentes.


Se à violência tem de se responder com a força, é igualmente necessário, por via política, atacar as causas que estão na origem desta situação. Uma solução política para o conflito, assente nas premissas definidas de forma convergente pela Aliança Atlântica, pela União Europeia, pelo Secretário-Geral das Nações Unidas e pelo G8 reveste-se de uma urgência evidente, e é indispensável que o Presidente Milosevic se compenetre de que é este o único caminho que pode seguir.


Mas pensamos também, Senhor Primeiro Ministro, em Timor-Leste, e na luta do seu povo pela liberdade e pela auto-determinação. A causa de Timor-Leste é bem conhecida na Irlanda e não posso deixar de salientar e agradecer o apoio consequente que as suas Autoridades lhe têm concedido.


Concluimos, há escassas semanas, um importante acordo sobre a realização de uma consulta democrática ao povo de Timor-Leste; trata-se de um passo da maior importância no processo de autodeterminação do Território. Mas é preciso um redobrado empenho de todas as partes e da Comunidade Internacional para que esta consulta se possa desenrolar nas condições indispensáveis, em liberdade e sem violência. Estou certo de que a Irlanda continuará a conceder ao povo de Timor-Leste o apoio que nunca lhe negou no passado, particularmente nesta fase crucial para o seu futuro.


Senhor Primeiro Ministro,


Agradeço-lhe mais uma vez a sua hospitalidade; pelas conversas que já tivemos a ocasião de manter, estou ciente de que os nossos dois países estão animados do firme propósito de reforçarem o seu entendimento e cooperação nos mais variados domínios. É este o objectivo principal desta minha visita.


Peço a todos que me acompanhem num brinde pelas felicidades pessoais do Primeiro Ministro Bertie Ahern e pela prosperidade crescente da Irlanda.