Senhor Presidente da Assembleia Geral

Senhor Secretário Geral

Senhores Delegados

Começo por felicitar o Senhor Theo Ben Gurirab pela sua eleição para a presidência desta Assembleia Geral, que constitui um merecido tributo ao papel que a Namíbia tem desempenhado na cena internacional. As suas qualidades humanas, profissionais e intelectuais assegurarão certamente a boa condução dos nossos trabalhos.

Presto também a minha homenagem ao Presidente cessante, Senhor Didier Opertti, pela forma dedicada e competente como dirigiu os trabalhos da 53ª Assembleia Geral.

Reservo uma palavra de particular apreço e estima para o Secretário-Geral, Kofi Annan, pela forma notável como tem desempenhado o seu difícil cargo, num momento em que tantos e tão complexos desafios são postos às Nações Unidas e em que tantas esperanças são depositadas na sua acção.

Senhor Presidente

Dirijo-me a esta Assembleia ainda sob o impacto da vaga de emoção, indignação e revolta desencadeada em todo o mundo pela tragédia que se abateu sobre o povo de Timor Leste após o anúncio do resultado da consulta sobre o futuro daquele território, exemplarmente organizada pelas Nações Unidas no passado dia 30 de Agosto.

Quem viu as imagens dos timorenses, no dia da votação, empunhando as suas certidões de recenseamento, em filas ordeiras, esperando pelo tão ansiado momento de exprimir livremente a sua vontade, não pode ter deixado de reagir com profunda emoção e de perceber naqueles rostos e naqueles gestos o apelo universal da democracia, da liberdade e da justiça. O contraste singular entre o exemplo de coragem silenciosa e sentido cívico oferecido pelos timorenses, ao participarem em massa no acto eleitoral, e os actos bárbaros de vingança que se seguiram revela, com exemplar nitidez, o que verdadeiramente está em causa neste processo.

Não é esta a ocasião para relembrar os factos, infelizmente tão pouco conhecidos, da luta pela independência que o povo de Timor conduziu ao longo dos últimos 24 anos, nem tão pouco o cortejo de horrores que teve de sofrer, e infelizmente ainda sofre, para conquistar a sua liberdade.

A História ensina-nos que o nascimento de uma nação é, regra geral, uma conquista do seu povo, ao cabo de um processo doloroso. O caso de Timor Leste não constitui excepção. Foi o povo de Timor, pela sua coragem, determinação e capacidade de luta e sofrimento que conquistou o direito a constituir-se em nação independente. Quero aqui prestar-lhe a minha homenagem, bem como ao seu líder, Xanana Gusmão, cujo alto perfil humano e político se impôs ao respeito de todos quantos tiveram oportunidade de o contactar.

E quero aqui curvar-me, em nome de todos os portugueses, perante a memória dos timorenses que, ao longo dos anos, ofereceram a vida pela dignidade do seu povo.

Senhor Presidente

Os acontecimentos das últimas semanas em Timor interpelam a consciência da Comunidade Internacional e devem constituir motivo de reflexão sobre a responsabilidade das Nações Unidas, como órgão representativo da Comunidade Internacional, na construção de uma sociedade internacional mais justa e mais humana.

Neste final de século, à medida que se afirma uma consciência universal do valor inalienável da dignidade da pessoa humana, pesa sobre todos os Estados que constituem a Comunidade Internacional uma responsabilidade cada vez maior de articularem, na sua conduta internacional, os princípios e os interesses, na certeza de que a salvaguarda dos princípios representa, também, condição da legitimidade dos interesses.

Essa consciência exige, de todos quantos têm responsabilidades públicas, respostas prontas e firmes a comportamentos políticos moral e juridicamente inaceitáveis, às tragédias humanitárias que regra geral provocam e aos ciclos de instabilidade regional que desencadeiam.

A opinião pública mundial, que toma forma diante dos nossos olhos graças à globalização dos meios de comunicação, espera de nós essas respostas e tem dificuldade em compreender porque se aplicam, tantas vezes, dois pesos e duas medidas a situações em tudo idênticas no plano dos princípios.

Sabemos que nem sempre a Comunidade Internacional se tem mostrado à altura destes desafios. Lembro aqui a tragédia do Ruanda, os caso do Sudão e da Somália, a demora em reagir aos conflitos da Bósnia e do Kosovo e tantas outras situações de sofrimento humano, que foram tragicamente descuradas.

Devemos, por isso, saudar a enérgica reacção da Comunidade Internacional à onda de violência e de terror que assolou Timor Leste nas últimas semanas, e a mobilização de uma força multinacional, encarregada de garantir a paz e a segurança daquele território, de proteger e apoiar a UNAMET e de facilitar as operações de assistência humanitária ao povo de Timor. Quero aqui agradecer a todos aqueles que contribuíram para este resultado e, em particular aos países que se disponibilizaram para integrar esta força. Neste caso, para além dos dramáticos aspectos humanos, estava em causa a própria credibilidade das Nações Unidas. Como podiam elas, que organizaram a consulta popular, trair a confiança que haviam suscitado e que o povo de Timor Leste nelas depositara ?

Ainda que a reacção não tivesse sido tão rápida quanto os timorenses mereceriam e Portugal desejaria, a adopção da resolução 1264 do Conselho de Segurança mostra ao mundo que este não assiste indiferente a desafios à sua autoridade, nem os deixa sem resposta.

Que este caso não constitua excepção, e sirva de exemplo para o futuro: a rapidez de resposta do Conselho de Segurança representa condição da sua autoridade e eficácia.

Senhor Presidente

Muito do que aconteceu é irremediável e não pode ser esquecido. Digo-o com a mais profunda amargura. Considero também que, neste como noutros casos, não se poderá alimentar uma cultura de impunidade. Todavia, a instalação, que começou, da força multinacional em Timor Leste abre um horizonte de esperança. Há, neste momento, que cuidar dos vivos e procurar salvar o que ainda pode ser salvo.

No imediato, considero essenciais os seguintes pontos:

Garantir a segurança em Timor Leste é a tarefa prioritária que temos diante de nós, de modo a assegurar o respeito pelos direitos individuais dos timorenses e permitir que, finalmente, possam viver em paz, sem risco de violência e perseguições. Sem segurança, não haverá igualmente condições para conduzir, com todo o necessário vigor e amplitude, as urgentes tarefas de assistência humanitária à população de Timor Leste.

Encaminhar, com toda a urgência, ajuda humanitária para Timor, alimentar, tratar e realojar as dezenas de milhares de deslocados espalhados por todo o território, cuidar de uma gente que foi sistematicamente espoliada dos seus bens, confortar todos aqueles que perderam familiares e amigos e assistiram, impotentes, a cenas de horror que ficarão para sempre gravadas nas suas memórias, reunificar famílias, em suma acudir a uma população traumatizada pela orgia de violência de que foi vítima.

Acudir à situação daqueles timorenses, bem mais de uma centena de milhar, que foram deportados para a Indonésia ou fugiram do território e que se encontram sobretudo em Timor Ocidental. É urgente e indispensável o acesso imediato e irrestrito àquelas populações não apenas da assistência humanitária, como do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e de outros meios de defesa dos direitos humanos, para salvaguarda da vida e da dignidade destes refugiados e para assegurar que, quando queiram, possam regressar a Timor Leste.

Acelerar a transferência de autoridade efectiva no território para as Nações Unidas, prevista pelos acordos de 5 de Maio, como consequência do resultado da consulta popular de 30 de Agosto. Qualquer dilação seria intolerável. Importa também definir um calendário para a retirada, no mais curto lapso de tempo, das forças indonésias presentes naquele território. É esse o único caminho possível para restaurar a paz e a estabilidade na região e para lançar as bases de uma sã convivência entre o futuro Estado de Timor e a Indonésia, que desejamos possa consolidar as promessas democráticas que o seu actual processo de transição prenuncia.

Finalmente, haverá que fazer uma enorme esforço de reconstrução do Território, devastado pelas pilhagens, saques e destruições dos últimos dias e para o qual será indispensável o generoso empenho da Comunidade Internacional.

Para todas estas tarefas, Portugal manifestou a sua vontade de contribuir. Pelas responsabilidades que tem perante o povo irmão de Timor Leste e pela solidariedade incondicional que a ele o une, Portugal manifestou, desde o primeiro momento, disponibilidade para integrar a força multinacional. Para evitar qualquer demora, visto que cada minuto conta, em vidas e em sofrimento, aceitámos, embora preparados para uma participação imediata, diferi-la para ocasião posterior.

No auxilio humanitário e na reconstrução de Timor Leste, fazemos e faremos quanto pudermos. Quero deixar aqui um apelo veemente à Comunidade Internacional, às agências especializadas das Nações Unidas, às organizações não-governamentais, para acompanharem este esforço.

Senhor Presidente

Com o território ocupado, sem que jamais as Nações Unidas houvessem reconhecido a sua pretendida anexação pela Indonésia, o povo de Timor Leste esperou um quarto de século para exercer o direito de autodeterminação que lhe cabia enquanto povo de um território não-autónomo, como tal caracterizado pelas Nações Unidas.

No quadro ainda da resolução da Assembleia Geral nº. 37/30, de 1982, Portugal, enquanto potência administrante do território, a Indonésia e as próprias Nações Unidas chegaram, finalmente, a 5 de Maio passado, a um acordo nesse sentido.

A consulta popular foi instituída com referência explicita, tanto no Acordo Principal de 5 de Maio, como na Resolução do Conselho de Segurança nº 1236, de 7 de Maio, às resoluções desta Assembleia Geral que representaram e representam a Magna Carta do direito dos povos coloniais à autodeterminação: as resoluções 1514, 1541 e 2625.

Apesar de todas as intimidações, o povo de Timor Leste exerceu democraticamente, em 30 de Agosto, o seu direito à autodeterminação e escolheu, por uma maioria clara e inequívoca, o seu futuro colectivo, adquirindo, de forma incondicional e irrevogável, o direito a constituir-se em Estado independente, findo o período de administração transitória que as Nações Unidas em breve iniciarão.

Alcança a liberdade, com cicatrizes e feridas do sofrimento passado; mas transporta a juventude de uma esperança e saberá, assim o espero, chegar sem ressentimento ao concerto dos Estados.

Senhor Presidente

A questão de Timor Leste é sobre um povo e sobre o essencial: o essencial da dignidade humana, do direito internacional e da consciência moral e universal.

Apesar de tudo quanto terrivelmente aconteceu, saudemos, neste final da década das Nações Unidas para a erradicação do colonialismo, a auto-determinação do povo de Timor Leste.

Permitam-me, que termine formulando um voto e uma esperança: que tão brevemente quanto possível a Assembleia Geral possa ouvir a voz livre e soberana de Timor Lorosae.

The question of East Timor is about a people and about fundamentals human dignity, international law and moral and universal conscience.

In spite of all the terrible events of the past, let us salute, at the end of United Nations decade for the eradication of colonialism, the self-determination of East Timor.

Allow me to end by formulation a vow and a hope: that as soon as possible the General Assembly may hear the free and sovereign voice of Timor Lorosae.