A epidemia

A epidemia

da toxicodependência em Amesterdão,

um problema de saúde pública

Giel van Brussel

Médico, Chefe do Departamento de Droga do Serviço de Saúde Pública de Amesterdão

 

 

1. O problema da droga em Amesterdão tornou-se um grave problema de saúde pública devido aos seguintes factores:

• Medo do público:

— Será que todos os nossos filhos virão a ser toxicodependentes?;

— Índices crescentes de criminalidade;

— Ostracismo internacional, Amesterdão considerada a capital da droga da Europa.

• Graves problemas de saúde para os consumidores de estupefacientes e para a comunidade:

— Sida;

— Morte relacionada com a droga;

— Hepatite C;

— Tuberculose.

2. As soluções para a saúde pública centraram-se na observação do princípio de que:

• Não existindo tratamento curativo para a dependência (da droga), a adição tem tendência a desaparecer em 50% dos casos após dez anos, devido a uma recuperação natural;

• As comunidades de terapia têm os seguintes problemas ao nível da sua população:

— Selecção: a psicopatologia e as doenças graves são uma contra-indicação;

— Falhanço: 70% ou mais desistem do programa de tratamento;

— Recaída: 70% dos casos que finalizam o tratamento retomam a utilização após terem alta.

• O que significa:

— De um ponto de vista epidemiológico, a lógica a seguir é: redução do mal causado, especialmente evitando a morte causada por overdose através da prescrição de metadona em programas de minimização do risco e promovendo a troca de seringas.

3. Prescrição de metadona.

É feita pelos médicos de clínica geral (GP) de Amesterdão (1996: 260 dos 400 médicos de clínica geral) e pelo Serviço Municipal de Saúde (MHS). O MHS é responsável pelos doentes «difíceis» com HIV, psicopatologia, comportamento criminoso, etc.

GP — 1996: 1160 utentes em tratamento com metadona por 259 médicos de clínica geral.

MHS — 1996: 2200 utentes em tratamento com metadona.

4. Troca de seringas.

Início do sistema em 1984 devido a uma epidemia de Hepatite B. Pico em 1992 atingindo as 1 100 000 seringas. Desde então um decréscimo devido aos seguintes factores:

— Decréscimo no número de toxicodependentes estrangeiros: todos eles se injectam;

— Mudança para a modalidade de utilização oral;

— Excesso de mortalidade entre consumidores de droga por via intravenosa nos últimos 10 anos.

1996: 610 000 seringas trocadas.

5. Problemas médicos.

Forte associação com:

— Consumo por via intravenosa a longo prazo;

— Percurso da adição a longo prazo > psicopatologia média de 20 anos.

Assim:

Combinação de toxicodependência, mau estado físico e psicopatologia.

Sida:

Os esforços relativos à prevenção em Amesterdão tiveram lugar demasiado tarde: havia já 30% de HIV entre os consumidores por via intravenosa em 1985. Desde 1985, prevenção eficaz do HIV. No resto da Holanda a prevenção do HIV foi atempada. É feita a associação entre o caos da cena pública das drogas na rua e a propagação da Sida.

Tuberculose:

Associação com os sem abrigo e a infecção do HIV.

Controlo obrigatório semestral nos programas de metadona.

Hepatite C:

Hepatite crónica, cirrose do fígado e hepatoma.

Psicopatologia:

Até 10% de psicose crónica entre os velhos toxicodependentes problemáticos, desordens de personalidade: 40% depressão, 30% etc.

6. Mortalidade.

A mortalidade por overdose é muito reduzida entre os toxicodependentes de Amesterdão que se qualificam para tratamento com metadona. Os toxicodependentes estrangeiros ilegais são excluídos.

A mortalidade total aumenta grandemente devido a:

— Percurso de dependência de longa duração;

— Infecção de HIV;

— Suicídio;

— Acidentes.

O Risco Relativo, em que a mortalidade entre toxicodependentes é comparada com a da população em geral ajustada em termos de idade é igual num período de dez anos, devido à idade crescente da população toxicodependente.

 

7. Os requisitos essenciais para uma política de saúde pública eficaz relativamente à epidemia da toxicodependência são os seguintes:

— Existência de um sistema aberto de cuidados básicos que se baseia na prescrição de metadona a todos os toxicodependentes para minimização dos riscos, sem lista de espera para os que estão dispostos a iniciar o tratamento com metadona;

— Um intercâmbio de seringas funcional e descentralizado;

— Hospitais e médicos de clínica geral abertos. Os toxicodependentes apresentam muitos problemas de saúde. Cuidar deles no sentido de prestar cuidados de saúde normais e de boa qualidade constitui um meio de emancipação e também de destigmatização da população;

— Uma boa colaboração entre a polícia e as autoridades judiciais e o sistema de tratamento de toxicodependentes, sem violação das questões de privacidade. A direcção do canal de informação deve ser da polícia para o sistema de tratamento;

— Não ter demasiadas pretensões quanto ao que é possível, grandes esperanças produzem elevados níveis de frustração e de desilusão.

 

8. Conclusão.

Amesterdão sofre de uma epidemia de toxicodependência estabilizada: mesmo com um elevado nível de investimento municipal no sistema de tratamento e de prevenção combinado com um problema de toxicodependência estabilizado, o custo em termos de mortalidade e de morbilidade é desconcertante. Devido ao facto de não haver tratamento curativo eficaz, o ponto fulcral intermédio deverá ser a prevenção e a redução do mal provocado.