A comunidade

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face à droga

G. K. T. van der Giessen

Vereadora da cidade de Amesterdão, responsável pela política de drogas

 

 

O êxito, minhas senhoras e meus senhores, é fluido, não é sólido. Tem um fluxo ascendente e um fluxo descendente. Pode criar um novo conjunto de problemas. O mesmo se aplica quanto ao êxito da política holandesa e de Amesterdão relativa à toxicodependência. Os toxicodependentes envelhecem e adoecem mais. Necessitam de maiores cuidados. E surgem novos grupos que parecem estar fora do alcance das agências de prestação de cuidados, o que, na minha opinião, cria a necessidade de uma abordagem fundamentalmente nova.

Em lugar de prescrever aos toxicodependentes mais velhos «remédios» que consubstanciam a aplicação de medidas legais, deveríamos recorrer aos remédios da Medicina. Ou, utilizando um termo típico em Amesterdão, deveríamos recorrer a uma «abordagem social». Deveríamos aumentar-lhes os programas de metadona, palfium e heroína — em condições rigorosas.

É evidente que antes de haver uma galinha tem de haver um ovo. Assim, antes de avançarmos mais, analisemos a história recente do problema da toxicodependência e da política da toxicodependência em Amesterdão.

Na década de 70 tínhamos um grupo de toxicodependentes «problemáticos». No início era um grupo pequeno, mas rapidamente cresceu — e tornou-se num problema sério. Começou com cerca de 2000 elementos em 1975, e em 1984 já tinha alastrado para 8500. Este aumento não passou despercebido em certos bairros — e isto é dizer muito pouco! Em quatro anos o bairro de Zeedijk — uma zona tradicional da noite — tinha-se tornado no «paraíso do negócio». O local para os toxicodependentes se encontrarem e negociarem. Mas os cidadãos de Amesterdão são famosos pela sua determinação — atrever-me--ei a dizer teimosia? E a população local nunca desistiu. É um tributo à sua personalidade que agora, oito anos mais tarde, Zeedijk pareça ter sofrido uma lavagem de cara — no sentido positivo.

A Câmara Municipal não esteve de braços cruzados todo este tempo. Aprenderam-se lições com a experiência de Zeedijk. E para dar um impulso prático à recuperação, o município comprou praticamente todos os edifícios da zona. Ser proprietário dos imóveis é a melhor defesa contra os proprietários desonestos que recebem os traficantes e os consumidores. A abordagem que adoptámos aqui foi a dos «três Ps»: Parceria Pública Privada, com investidores privados bona fide.

Há ainda um interveniente-chave que não mencionei — a polícia. Sem o apoio imaginativo dos homens e mulheres locais de azul, a campanha nunca teria sido bem sucedida. Mas foi! — porque uma das ruas mais antigas da cidade encetou um capítulo novo na sua história. Zeedijk ressurgiu como o fénix.

Como vos dirá qualquer pessoa envolvida com cuidados a toxicodependentes — a aprendizagem é crucial. Eu descreveria a política que implementámos na década de 70 como uma política de «investigação e experiência». Conforme foram aumentando os recursos financeiros, cresceu também o número de agências e instituições dispostas a ajudar. Surgiu um mosaico colorido de organizações dedicadas a tirar os toxicodependentes da droga e a reinseri-los na sociedade. Lenta mas firmemente tornou-se claro que este objectivo não era viável. Todo este ajustamento da realidade fazia parte do «modelo do circuito», como era chamado. Centrava-se na redução dos danos e na aceitação da dependência. Havia dois aspectos da redução dos danos: o cuidado da saúde do utilizador individual e a limitação do factor dos incómodos sofridos pelos membros do público normais, não-utilizadores.

No início de 1979, o serviço municipal de saúde foi incumbido de fornecer metadona aos dependentes em três postos de bairro e num autocarro especialmente convertido para o efeito, que se deslocava de local para local. E assim, em 1997, com este programa, o serviçomunicipal de saúde chegava a 1900 dependentes, cinco vezes por semana. Desde 1981 que os médicos de clínica geral também receitam metadona. Num contexto europeu, não é vulgar que 75% dos médicos de clínica geral de Amesterdão distribuam 40% da metadona em Amesterdão.

Na segunda metade da década de 80, desenvolvemos um modelo de integração. O ponto de partida neste caso era ser necessário que todas as partes trabalhassem em conjunto. Amesterdão viu o estabelecimento de novos esforços conjuntos como, por exemplo, o registo central de metadona. E no início da década de 90 a epidemia de toxicodependência tinha estabilizado.

Como disse, a nossa abordagem dos cuidados médicos-sociais aos dependentes foi um êxito. Dá-lhes a perspectiva de uma vida normal, de uma velhice «normal».

Mas e quanto a Amesterdão a três anos do milénio? Os gráficos certamente que demonstram uma quebra regular no número dos nossos dependentes e um aumento regular da sua idade média. Em 1986 tínhamos 7290 dependentes com uma idade média de 29,6. Em 1996 os números foram de 5769 e de 37 respectivamente.

Quando ocupei o cargo de vereadora para a saúde pública em 1994, tive um encontro com um grupo de 170 dependentes na Câmara Municipal. Tivemos uma conversa muito profunda, muito franca sobre as suas esperanças e expectativas. Queriam que se organizassem actividades diurnas; da sua lista de desejos também constava um sítio onde «consumir»; e — realmente! — queriam que fosse distribuída heroína.

De facto os dependentes não são os únicos a quererem locais onde «consumir», e a distribuição grátis de heroína. Muitas pessoas normais que vivem no centro da cidade pensam da mesma maneira; consideram que essa medida reduziria o factor de incómodo. De todos os modos, com todo o respeito, tenho que dizer que foram tomadas medidas contra esta ideia.

Nesta altura do ano o tempo está lindo em Amesterdão e a Cimeira da Europa acabou, por isso já se consegue lugar nos restaurantes outra vez! E se quiserem vir na semana que vem, ouvir-nos-ão a apresentarà Câmara Municipal uma proposta sobre instalações para «consumidores». A minha proposta está especificamente relacionada com um modelo de adopção através do qual as organizações de cuidados existentes cuidam de 150 dependentes. Espalhados por 10 a 15 instalações por toda a cidade, isso dar-nos-á um grupo de consumidores regular e gerível para cada uma.

A minha proposta também cobre os estimados 200 a 300 dependentes crónicos sem abrigo — diz respeito especificamente a pôr um tecto sobre as suas cabeças. Para atingir esse objectivo, quero expandir a capacidade das casas de habitação social em 125 camas.

Se as forças que interessam no governo e no parlamento estiverem de acordo, 750 dependentes em meia dúzia de cidades holandesas poderão fazer parte de um ensaio de distribuição de heroína. Posso adiantar que esta experiência provocou algumas faíscas políticas, posso também adiantar que esta vereadora pensa que a preocupação é injustificada! Melhorar o comportamento e o estado físico dos dependentes altamente problemáticos significa mais do que uma grande poupança na conta social.

Para mim, a distribuição de heroína é o resultado lógico do nosso êxito quanto a manter vivos tantos elementos do nosso grupo-alvo durante tanto tempo.

Enquanto esperamos pelo SIM para dar início à experiência com heroína, comecei uma experiência utilizando palfium. Há dois anos pedi ao serviço municipal de saúde que montasse um projecto-ensaio com esta droga — que se encontra legalmente à disposição na Holanda. O projecto está agora concluído e, como parte do processo de aprendizagem — mais um «inédito» na Europa — podemos concordar que valeu a pena o esforço. O palfium é um «upper» que funciona durante um curto período. Em termos farmacológicos o efeito é semelhante ao da heroína; é um analgésico forte e que cria dependência, sendo administrado sob a forma de comprimidos. Mas esperem! É semelhante à heroína mas não é igual. Para citar uma das pessoas da equipa do projecto: «Nada é igual à heroína, a heroína está sozinha.»

O programa ensaio foi iniciado por 53 pessoas, e 30 delas chegaram ao fim. A maior parte — 68% — reduziu o seu consumo de heroína. E 24% parou, ou praticamente parou. Em termos técnicos: os testes de urina eram negativos relativamente à heroína. Penso que este é um resultado encorajador, e é nesta base que distribuirei o palfium a uma maior escala.

Chegámos onde queríamos em termos de instalações para os consumidores, de heroína e de palfium?

A resposta é não. Mas com estas medidas melhorámos a situação para os dependentes mais velhos e para os habitantes dos seus bairros. Pelo menos é nisso que tenho esperança e confiança.

Assim ficam livres mais energia e mais poder de reflexão para nos concentrarmos nos grupos que muitas vezes são excluídos. A óbvia procura de drogas e bebidas especiais, associada à tendência das crianças para experimentar, justifica este foco. Mas essa é uma história para outro dia e para outro encontro.

Obrigada.