|
|
|||
Reinventar a Cultura Educativa
Teresa Ambrósio
Depois da apresentação que tem vindo a ser feita de tantas e tão ricas ideias, com as quais estou, na sua maior parte, de acordo, limito-me apenas a reagir a algumas que, no meu ponto de vista, considero de maior importância. Parto das três orientações que o Senhor Presidente da República apresentou, e que ressaltavam da análise das múltiplas situações educativas analisadas nesta Semana da Educação, procurando ver essas orientações numa perspectiva de futuro. Aliás, o debate chama-se «Educação e Futuro». São elas, pelo que entendi: - A verificação da necessidade de descentralização da administração da educação;
Neste sentido estou de acordo com o que foi introduzido pelo Prof. Rui Canário que eu explicitaria, à minha maneira, dizendo que o Futuro, tal como emerge no actual contexto de mudanças socio-económica e culturais implica a urgente necessidade de reequacionar, de rever, de reinventar o Pensamento Político Educativo. Nesta sociedade de profundas transformações em que vivemos, para além das preocupações do presente devemos tentar também compreender o futuro que já se pressente e vislumbra. Os problemas do insucesso, do abandono,
das assimetrias, da desadequação dos saberes e da formação,
etc. não são resolúveis a curto prazo, mantendo intactos
os quadros de princípios em que assenta a organização
das práticas, a filosofia educativa e pedagógica que temos
hoje e que presidiram ao ordenamento jurídico actual dos sistemas
educativos e que é expresso, por exemplo, na Lei de Bases do Sistema
Educativo. Tudo isso reflecte uma sociedade industrial - a sociedade dos
anos 60, 70 e 80 e que está em profunda transformação.
Não só a sociedade está em profunda transformação
como também a cultura educativa.
Vemos crescer aos nossos olhos uma organização social em que as estruturas da economia, do trabalho e da família apresentam outros contornos e outros equilíbrios. Os profissionais de Educação que trabalham no imediato, localmente, com os alunos ali, naquela Escola dão-se conta desta mudança que emerge, também por força da evolução do pensamento, da cultura, de novos valores, de novas atitudes. É neste contexto que um novo pensamento educativo tem de ser expresso de forma adequada. Temos de repensar a Educação enquanto processo que permita que cada um de nós seja capaz de compreender e agir no seio deste grande movimento que é a passagem das sociedades tradicionais para modelos de sociedades pós--industriais. Nesse sentido, embora devamos estar empenhados na resolução, aqui e agora, o mais rapidamente possível dos problemas educativos que conhecemos, que detectámos, o futuro exige que saibamos criar novos quadros filosóficos, conceptuais, didácticos, novos paradigmas organizativos e administrativos que não são os mesmos que se equacionaram quando se elaborou a Lei de Bases do Sistema Educativo e que não estão já adequados, porque não servem para a sociedade democrática do futuro que aí vem. Quanto maior é o empenhamento no terreno e o sentido alargado da responsabilidade educativa de tantos cidadãos, que hoje são actores educativos e parceiros eficazes - as empresas, as autarquias, as associações profissionais e culturais, etc. - na busca da resolução dos problemas educativos, mais se torna urgente o debate sobre «Educação e o Futuro» que, relegando o pragmatismo e as ideias feitas, possa vira a dar ocasião à construção de uma pensamento prospectivo. Diria mesmo, correndo o risco de ser mal compreendida, de uma pensamento prospectivo utópico. Isto é: é preciso traçar um projecto de sociedade coerente com o sentir do povo português, com a força da sua identidade, dentro do contexto actual que emerge. Os economistas reconhecem que os quadros de explicação da realidade e da actuação pelos quais, em décadas anteriores se regiam, já não se adequam ao actual contexto económico global e internacional; os gestores de empresas igualmente confirmam que o modelo tradicional de gestão que se aplicava às empresas já não serve para gerir estrategicamente a evolução actual destas; os técnicos de saúde utilizam novos conhecimentos e procuram novas práticas no campo da saúde e, até na própria investigação, os quadros epistemológicos clássicos já não se adequam à construção de novos conhecimentos. Porque é que não devemos ter coragem de afirmar que o Pensamento Político Educativo vigente, que criou e reformou o sistema educativo em décadas anteriores, também tem de ser reequacionado, reinventado? Devíamos, por isso debater Educação e Futuro, fazendo convergir várias perspectivas, de forma a aprofundar novas teorias, novas experiências, novos conceitos, novos paradigmas, quer de organização pedagógica, quer de organização escolar. Já pensámos no alcance do conceito de «educação e formação ao longo da vida na sociedade da informação» e do conhecimento que está na ordem do dia nas recomendações e documentos das organizações internacionais? Tal como, por exemplo, encontramos no Relatório da Unesco «Educação para a Sociedade do séc. xxi - um Tesouro a Descobrir», ou no Livro Branco sobre «Educação ao Longo da Vida» da Comunidade Europeia e, tantos outros. Na realidade a educação e a formação ao longo da vida, como processo envolvente da pessoa e matriz básica do desenvolvimento social sustentado, não é uma função exclusiva do sistema educativo e gerido pelo Ministério da Educação. A educação/formação é uma actividade matriz do progresso, do desenvolvimento da pessoa. Este novo conceito, mais do que qualquer outro e que se alia ao conceito da Sociedade Educativa e da Sociedade do Conhecimento, é estruturante de novos modelos de política educativa. Uma política educativa que por sua vez tem de estar coordenada com uma política económica competitiva, com as políticas de inovação tecnológica, as políticas de informação e que obriga a considerar novas relações entre educação/economia/desenvolvimento que não são apenas aquelas que derivam da Teoria do Capital Humano. Uma nova política educativa, menos preocupada com as estruturas e mais com os conteúdos, as práticas educativas o que implica uma revisão, como se está fazendo por todo o lado, dos currículos, dos saberes fundamentais, da organização escolar, das relações com o mundo do trabalho, da certificação das aprendizagens e das competências. É esta mudança educativa em todos os níveis que está na ordem do dia nos países da Europa e nos países industrializados e que alimenta o debate sobre as novas funções da escola. Entre nós também, é evidente, que muito está a mudar profundamente na educação pondo em causa, senão directamente, pelo menos indirectamente, alguns quadros da cultura e de gestão escolar tradicionais. Tal não se fará, porém, sem uma certa instabilidade. Quando se descentralizar a administração escolar para uma escala territorial que permita melhor adaptá-la à comunidade envolvente; quando se promoverem as parcerias com empresas qualificantes, espaços culturais, associações cívicas várias, etc. provavelmente muitos sentirão que se retira poder ao Estado, aos professores, a uma determinada ordem escolar constituída durante décadas e séculos. Se se alterarem programas, se se introduzirem novos processos de avaliação, se se introduzir a flexibilidade e diversidade pedagógica muitos sentir-se-ão inseguros. Será que se pode evitar esta destabilização? Não creio, mas o sentimento da instabilidade tem de ser ultrapassado pela compreensão por parte das populações que as pequenas e sucessivas mudanças têm um sentido para fazer algo de melhor. Isto é, a estabilidade que julgo dever procurar-se é aquela que resulta da consciência de para onde vamos, qual o projecto de futuro, qual o papel e a responsabilidades dos actores envolvidos na educação. Neste sentido é justo sublinhar as recentes medidas de descentralização e autonomia, de gestão das escolas, que está em debate. Trata-se de uma grande mudança que vai provocar, decerto, alguma instabilidade, porque altera modelos tradicionais de administração escolar e de administração pública educativa. Mas é também uma mudança de pensamento educativo e de responsabilização social dos cidadãos em torno das escolas, em cuja vida interferem e participam e que irá ser concretizada em pequenos passos. Esta medida tem a meu ver uma grande potencialidade de descentralização e de reforma, não-estrutural, mas estruturante de um novo sistema educativo. Temos consciência que a educação do futuro trará também grandes alterações à sua governabilidade. O Estado terá que ser cada vez mais modesto e apoiar-se em instituições intermédias onde os cidadãos e os parceiros sócio-educativos organizados poderão efectivamente exercer a sua responsabilidade educativa. Este é o momento--chave de fazer face e de resolver os problemas que a incerteza e os desafios do futuro trazem. Por isso é necessário criar, entre nós, não só uma nova cultura como também uma nova opinião pública capaz de descodificar toda a informação existente e, contribuir assim para uma reflexão profunda e adequada sobre o Futuro da Educação, com o sentido, o rigor, o conhecimento e a compreensão do mundo que nos cerca. |