Apostas para uma Educação de Qualidade
António Ravara
Universidade Técnica de Lisboa
Uma educação de qualidade
para todos é ainda hoje um ambicioso projecto de futuro. Ambicioso
porque exige uma séria e exigente avaliação da situação
actual do sistema educativo, bem coragem e vontade política para
concretizar o projecto.
A generalização do acesso
ao ensino básico e secundário, a escolaridade obrigatória
e o crescimento exponencial do ensino superior constituíram a primeira
fase da democratização do sistema educativo. A reforma de
Roberto Carneiro, o processo de discussão pública e as parcerias
estabelecidas nas escolas entre vários grupos disciplinares e entre
a escola e as comunidades constituíram a segunda.
Temos então mais escola, para
muitos mais. Significa isso necessariamente melhor escola?
A sociedade portuguesa apercebeu-se
da complexidade do sistema educativo e elege-o como uma das suas principais
preocupações. O que é saudável, e mesmo indispensável,
num país em desenvolvimento. A qualidade da formação
é um elemento chave na qualidade do desenvolvimento. Mas apesar
da falta de dados estatísticos sistemáticos sobre os sistema
educativo, parece claro que o grande déficit é a qualidade
do ensino. O analfabetismo funcional, a dificuldade de acesso ao ensino
superior e o alto insucesso neste, a baixa qualificação dos
profissionais são apenas alguns sintomas.
Se não temos melhor escola,
não está completa uma real democratização do
sistema educativo. As falhas de qualidade são compensadas pela família
e pela comunidade, mecanismo que perpetua as desigualdades. As alterações
na tipologia da família portuguesa, e o enfraquecimento dos mecanismos
de integração, socialização e formação
humana que assentavam nesta faz aumentar substancialmente as responsabilidades
da escola: a escolástica não chega, é necessário
formar cidadãos.
Melhor escola significa uma escola
que forme mulheres e homens para a cidadania, com competências técnicas
e humanas alargadas.
Para avançar na concretização
deste objectivo importa apostar:
i) No combate ao abandono
escolar e ao trabalho infantil.
A escolaridade obrigatória e
o livre acesso ao ensino devem ser prioridades do Estado. Importa tornar
efectivas e generalizar formas de apoio social às famílias
e aos jovens de forma a que não sejam motivos económicos
a ditar o abandono da escola. O apoio social passa também por conhecer
bem as realidades locais e ter soluções desburocratizadas
e próximas das escolas. As soluções casuísticas
são perversas; importa ter políticas (de que o rendimento
mínimo garantido é um exemplo).
ii) No reconhecimento do ensino pré-escolar
como escolaridade obrigatória. As razões do insucesso escolar
começam muitas vezes aqui. Não pode ser uma discriminação
social o acesso à educação pré-escolar. O acesso
a este grau de ensino deve ser tão fácil e imediato como
o acesso ao ensino básico, mesmo que o Estado não tenha uma
rede nacional e universal.
iii) Em mais educação
e menos ensino. A escola não pode ser refém dum certo «sucesso»
educativo. A escola tem uma responsabilidade formativa, não deve
enformar ou mesmo deformar. Importa clarificar os grandes objectivos de
cada grau de ensino, devendo ser comum a todos a vontade de educar crianças
e jovens para serem cidadãos responsáveis, atentos, solidários,
exigentes. Só com estas competências se pode ter profissionais
competentes. Mas a avaliação, o programa, a compostura, transformam-se
muitas vezes em ditadura que silencia e abafa o espaço de liberdade
que deve ser uma escola, uma comunidade educativa. Sendo mais importante
saber fazer perguntas do que ter respostas na ponta da língua, a
avaliação orientada à prova escrita não privilegia
a vontade de compreender e fazer percursos pessoais. Sendo muito mais formador
o trabalho em equipa e as experiências educativas que o individualismo,
a falta de referência e valorização destas experiências
termina por as tornar uma perca de tempo. A reforma que urge nas escolas
não é curricular, é de valorização da
formação de valores e democrática.
iv) Na formação dos professores.
A formação inicial e a formação contínua
específica devem ser obrigatórias. Não é aceitável
que, por exemplo, ensinem Matemática alunos do terceiro ano de uma
licenciatura, sem nenhuma experiência ou formação pedagógica.
A docência é incompatível com a acomodação,
o funcionalismo ou a incompetência.
Muitas escolas incorporaram já
a vontade de ter um projecto educativo. Muitas vezes com forte ligação
à comunidade local, pois neste terreno é fundamental agir
local, mesmo pensado global. Sempre com um corpo de pessoal sem mentalidade
de funcionário, porque a educação não é
uma profissão como outra qualquer. A todos nos é colocado
um desafio: educa como nunca educaste!