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Responsabilidade Educativa, Sensibilidade e Cidadania
Emília Nadal
Ainda que a responsabilidade educativa pertença a todas as instâncias da sociedade, ela concretiza--se, de forma directa e sistemática, no projecto educativo que orienta o sistema de ensino ministrado nas escolas. Um sistema de ensino é, em si próprio, espelho de uma sociedade e, simultaneamente, um dos principais moldadores da cultura profunda dessa mesma sociedade. Alguns dos problemas que mais comprometem
o desenvolvimento da sociedade portuguesa são, a meu ver, consequência
directa de sistemas de ensino endemicamente incompletos nas suas estratégias
e metodologias. Aqueles problemas espelham-se, actualmente, na prática
educativa das escolas, no fraco rendimento dos alunos, na iliteracia da
população activa, na deficiente preparação
dos jovens para a vida profissional e no seu alheamento ao exercício
da cidadania.
O presente A abundante reflexão sobre temas de educação e ensino que tem vindo a ser produzida no nosso país, não tem conseguido ultrapassar o plano teórico nem tem encontrado igual correspondência na prática. O sistema instituído permanece impermeável a propostas mais inovadoras, quer por razões de incompatibilidade estrutural, quer por resistência do factor humano às mudanças. Os principais objectivos da última Reforma Educativa - a qual concebe a escola como um espaço de aprendizagem e de formação humana integrador de saberes e valores, e não um lugar axiologicamente neutro destinado, em exclusivo, ao ensino de conhecimentos -, não foram ainda aceites pelo sistema e por muitos docentes, atendendo a razões administrativas ou ideológicas. Nem foram interiorizados pela maioria. O estatismo e a resistência do sistema e das pessoas não impediram, no entanto, que muitas escolas se aventurassem em projectos inovadores, consoante as necessidades de cada terreno e os meios encontrados, pelo que a realidade escolar portuguesa é hoje muito diversificada e oscilante, dependente como é do factor humano. O índice de pouco sucesso, nos
planos da educação e da instrução, em muitas
das escolas do Ensino Básico e, em especial do Ensino Secundário,
reflecte-se na crise que actualmente atravessa o Ensino Superior, e manifesta-se,
de forma inequívoca, na falta de civismo e no baixo nível
cultural da sociedade portuguesa.
O futuro Estamos perante um futuro que exigirá, aos indivíduos, uma grande flexibilidade de pensamento teórico e prático, capacidade de adaptação à diferença e à mudança, espírito de iniciativa, imaginação e capacidade criadora de novas situações; a Educação e o ensino deverão formar mentalidades abertas à contínua aquisição de saberes, à experimentação, ao exercício de competências operativas auto-suficientes e a uma sistemática actualização da informação em todas as áreas da vida pessoal, social e profissional. Multiplicar-se-ão as ofertas formativas para que todos os que estiverem psicologicamente predispostos a aprender e aptos a mudar de rumo, nomeadamente no que se refere ao contínuo avanço das tecnologias de fabrico e de comunicação. Todas estas imensas possibilidades
do futuro serão, paradoxalmente, factores de exclusão para
os que tiveram uma mentalidade imobilista, marginalizando aqueles que não
tiveram condições ou meios de aprendizagem assim como os
que não forem capazes de se exprimir e comunicar através
das múltiplas linguagens que atravessam a cultura sinalética
da sociedade da informação.
Crítica O sistema de ensino que tem vigorado
corresponde a um momento de cultura fechada e sectorizada e tem, como principal
objectivo e estratégia, a transmissão de conteúdos
teóricos.
O sistema não tem condições para poder desenvolver o conjunto de capacidades psicológicas e operativas que serão requeridas ao jovens porque, ao dirigir-se predominantemente à inteligência abstracta dos alunos, não desenvolve outras dimensões da pessoa, nomeadamente o conjunto de faculdades perceptivas, emotivas e expressivas, que intervêm na aproximação do saber e motivam a pessoa a adquirir competências. Ainda que o espírito da Lei
de Bases do Sistema Educativo indique, teoricamente, outro modelo, a regulamentação
dos princípios, as estratégias curriculares e as prioridades
na distribuição das disciplinas, no tempo escolar, continuam
a obedecer ao critério de relegar para um plano supletivo, e diminuto,
o exercício de algumas das capacidades operativas dos alunos.
Aprender a ver, analiticamente, aprender a ouvir e a distinguir os sons, aprender a utilizar a voz e as potencialidades do corpo, aprender a definir conceitos através da escrita e do desenho para poder expressar as ideias, os sentimentos e a invenção, parecem ser actividades «práticas» com pouca relevância no contexto dos saberes, à medida que avança o percurso da escolaridade. Estamos perante um processo de ensino cujas estratégias parecem destinar-se a seres incorpóreos; as suas pedagogias não ensinam os alunos a aprender, a estudar e a investigar; espartilhado em grelhas teóricas, o sistema não concede tempo e espaço à possibilidade de experimentação, ao exercício do raciocínio, à formulação do pensamento, à elaboração e concretização de projectos, à expressão das ideias, à organização do discurso e à prática da comunicação. Neste processo massificador e despersonalizante, mais difícil será, para os jovens, a assunção de uma individualidade e a conquista de um espaço físico e psicológico próprio, condições indispensáveis ao exercício da cidadania. Este paradigma de ensino - comparável, metaforicamente, a um processo de encher chouriços -, ao submeter os alunos à acumulação acrítica de conteúdos teóricos, desligados de uma praxis, os quais se mantêm estanques e inertes no presente e fechados para o futuro, dá origem a profundas desmotivações, cria alergias ao saber e à perspectiva de futuras aprendizagens, devido ao esforço redobrado que exige. Com tal sistema, os alunos não adquirem competências nem qualificações; podem arquivar alguns conhecimentos mas dificilmente são capazes de os aplicar ou transformar em realizações concretas: não conseguem elaborar sínteses, não sabem «o que fazer», «como fazer», «como escrever» ou «como falar» o que corresponde a um passivo que transportam para a Universidade, para a vida e para o exercício de futuras profissões. Manter o actual processo de ensino que exclui, ou coloca em plano supletivo, o desenvolvimento de potencialidades essenciais que correspondem a dimensões estruturais do ser humano - e que, por isso mesmo, é um processo gerador de incompetências -, equivale a hipotecar uma educação para o futuro. Nestes termos, continuarão a
ser pouco relevantes as reformas pontuais que visam a criação
de novos currículos, a alteração do número
das disciplinas e das cargas horárias, a introdução
de algumas pedagogias de «participação» dos alunos
e o apetrechamento das escolas com equipamentos de alta tecnologia que,
por falta de tempo e de meios, na maioria dos casos ficam subaproveitados.
Propostas Na sequência das considerações anteriores, apresentam-se à reflexão algumas propostas: 1.ª Impõe-se uma ruptura com o modelo de ensino que tem persistido em Portugal. Torna-se necessário um novo paradigma que reuna as vertentes do ensino e da aprendizagem em permanente interacção, entendendo-se o ensino como um processo de estimular as apetências, o estudo e as formas de aprendizagem, conjugando o pensamento abstracto com o discurso concreto e harmonizando o Homo Sapiens e o Homo Faber como faces inseparáveis da mesma realidade que é a pessoa;
a) Estabelecer o equilíbrio entre o pensamento racional, o pensamento emocional e as actividades reflexivas e lúdicas, potencializando a dimensão cognitiva através do desenvolvimento prático e experimental das capacidades preceptivas, motoras e expressivas dos alunos; |