Questões, Problemas e Propostas para o futuro imediato 

Isabel Veiga Alçada
Escola Superior de Educação de Lisboa
 
 

    Perante a vastidão do tema «A Educação e o Futuro», optei por uma tentativa de condensar em esquema simplificado um balanço da situação actual, referindo três mudanças positivas, três questões novas e três problemas velhos que se mantêm ou agravam, e apresentar um conjunto de sete propostas que considero exequíveis para o futuro imediato.

    Este tipo de abordagem deixa inevitavelmente de lado aspectos muito importantes como, por exemplo, a relação da educação com as perspectivas de evolução social e económica do país, a relação escola/família, o impacto da eventual regionalização administrativa no sistema escolar, as razões da ineficácia das reformas globais, etc. e representa apenas uma enumeração selectiva de tópicos para reflexão, cada um dos quais justificaria só por si um tratamento aprofundado.
 
 

Três pontos positivos que representam ruptura na tradição de atraso e indiferença em relação à educação:

1.º Alargamento da escolarização.

- Cobertura quase total no Ensino Básico

- Progressão no Secundário

- Progressão (ainda lenta) no Pré-Escolar

 


2.º Explosão de iniciativas das escolas para tornar o ensino mais aliciante, mais acessível e mais actual.

- Novas metodologias pedagógicas visando estimular a curiosidade intelectual, a experimentação, o estudo autónomo.

- Integração nos currículos de novas áreas de competência, por exemplo: despertar o prazer de ler, o interesse pelo património artístico, o recurso a diferentes fontes de informação, o uso de multimédia.

- Modalidades novas de relacionamento, suscitando responsabilização dos alunos na intenção de promover o desenvolvimento moral e a educação cívica.

 


3.º Reconhecimento por parte do Ministério da Educação das iniciativas das escolas e maior confiança nas decisões dos professores.

- Ruptura no centralismo

- Consciência que o empenhamento das equipas docentes é o ponto fulcral do desenvolvimento educativo.

 

Três questões novas que decorrem de mudanças na sociedade portuguesa e de alterações no sistema escolar:

1.ª Grande heterogeneidade na composição social da população escolar que nunca foi (e provavelmente nunca será) tão marcante como é hoje.

    Muitos alunos são a primeira geração da família que teve acesso à escola. Esta realidade, resultado do desenvolvimento e portanto positiva, coloca problemas novos. Os professores enfrentam turmas extremamente heterogéneas e não podem organizar o trabalho para uma suposta média ou maioria porque a dispersão é enorme.

    É frequente acontecer que um assunto que interessa e até encanta uns seja motivo de troça e de rejeição por parte de outros.

    Estamos perante um dilema difícil de superar:

- de um lado, temos a necessidade de integrar as crianças para que a escola promova a coesão social;

- do outro, a necessidade de assegurar aprendizagem eficaz com grupos de alunos cujos conhecimentos, experiências e expectativas em pouco ou nada coincidem.

 


2.ª Grande diversidade da realidade escolar, nos vários níveis de escolaridade, incluindo as chamada escolas de «alto risco».

    A diversidade passou a ser tão grande que quando se fala da escola não é possível generalizar. Nem sequer quando se fala de escola básica ou secundária.

    Quando se diz, por exemplo, que na escola portuguesa não se desenvolvem metodologias científicas experimentais ou que a escola convida os alunos à passividade é falso e injusto porque muitas escolas o fazem, mas também é verdade porque muitas outras escolas não o conseguem fazer.

    Nas últimas décadas, surgiu uma realidade nova e dramática - escolas onde os professores dificilmente se sentem capazes de assegurar o cumprimento de regras ou alguma forma de aprendizagem. Situadas sempre em bairros degradados reflectem a situação de marginalidade da população. Embora haja alguns exemplos de escolas em que este tipo de situações esteja a ser objecto de tratamento específico, subsistem ainda outras onde os professores se sentem esmagados pela incapacidade de fazer face à gravidade dos problemas e não recebem apoio de instâncias educativas com competências adequadas.

    Este problema grave carece de intervenção urgente - programas de formação contínua e de intervenção social que contrariem os processos de marginalização dos jovens.

3.ª Desvalorização social do estatuto e da autoridade do professor, em paralelo com a atribuição de novas responsabilidades dos docentes em áreas que tradicionalmente cabiam às famílias.

    Ao professor exige-se cada vez mais: pretende-se que ensine, que avalie mas também que observe, que oiça, que apoie, que oriente, que desenvolva, que trate, que compense as carências das famílias. No entanto, não se preparam os professores para todo este tipo de exigências e, há que reconhecer, que algumas delas nunca lhe deveriam ser cometidas (substituir o papel da família) e que ao grau acrescido de exigência não corresponderam compensações adequadas tanto no plano material, como no reconhecimento social.
 

Três problemas velhos que se mantêm ou agravam:

1.º Insuficiente formação básica em domínios essenciais como a Língua Materna, a Matemática, a Ciência e a História mas também noutros domínios igualmente importantes como a Música ou as Artes Plásticas.

2.º Reduzido número de jovens que no final do ensino secundário apresenta competência e vocação para carreiras de investigação ou de criação artística.

3.º Formação cívica praticamente inexistente.

    Nenhum destes problemas se resolve com as soluções tradicionais: reforço de autoridade exterior, currículos mais extensos ou maior carga horária para as disciplinas «x» ou «y». O número de horas que as crianças passam na escola já é enorme.

    É necessário ultrapassar o preconceito de que não existem diferenças individuais e que todas as crianças têm que aprender tudo. Os nossos programas são extensos, são impossíveis de cumprir e são equívocos porque não identificam o essencial.

    Quando as crianças não aprendem, o único remédio tem sido insistir. Insistir com repetências ou com horas suplementares de matérias que odeiam. Algumas conseguem descobrir truques para camuflar a ignorância, iludem os professores e vão-se habituando à falta de rigor. Outras acumulam repetências que só servem para criar rejeição pela escola e pela cultura.

    Para as que manifestam facilidade e gosto pela aprendizagem, não se prevê aprofundamento das matérias que lhes interessam, o que tem como consequência o desperdício de capacidades. Uma criança que tenha dificuldade com a Matemática pode ter mais horas dessa disciplina enquanto outra que seja brilhante ficará anos seguidos sem oportunidade de progredir.

    Neste contexto, não há margem para que se revelem e encaminhem os que possuem capacidades ou talentos para a ciência, a arte ou o desporto.

    Um outro problema tradicional que se mantém nas nossas escolas é a carência de recursos de informação. Não se pode estranhar que a maioria dos professores continue a centrar o trabalho na sala de aula e no mero uso do manual escolar, uma vez que as escolas não põem à sua disposição bibliotecas/centros de recursos e laboratórios que lhes permitam abrir aos alunos as possibilidades da descoberta, do estudo autónomo, do prazer de ler e da experimentação.
 
 

Sete propostas para o futuro imediato:

1.ª Alargar a rede de educação pré-escolar e promover o esclarecimento das famílias quanto às vantagens da frequência do Jardim de Infância.

2.ª Aceitar a diversidade de competências e vocações das crianças que frequentam o ensino básico e prever várias alternativas de cumprimento da escolaridade obrigatória através de vários currículos opcionais mas equivalentes.

3.ª Acelerar a instalação da rede de bibliotecas escolares e dos laboratórios para o ensino experimental das ciências considerando o equipamento básico das escolas uma prioridade nacional.

4.ª Reforçar a formação inicial dos professores e diversificar as modalidades de formação contínua, sobretudo as centradas na escola.

5.ª Constituir equipas multidisciplinares de intervenção social que desenvolvam projectos educativos destinados à população das zonas degradadas e enquadrem o trabalho da escola e dos professores.

6.ª Criar um sistema de ensino artístico que estimule o desenvolvimento cultural de todos e apoie a formação dos potenciais criadores.

7.ª Lançar um sistema de referência e avaliação que permita distinguir as diferenças de qualidade entre as escolas, identificar as situações de dificuldade que carecem de intervenção e estimular as práticas que conduzem ao sucesso.