A massificação do Ensino 

João Paulo Carvalho Dias
Universidade de Lisboa
 
 

    Começo com uma citação extraída de uma carta de Napoleão Bonaparte enviada em Dezembro de 1797 ao Presidente do Instituto de França para agradecer a sua eleição para aquela instituição:

    «As verdadeiras conquistas, as únicas que não provocam nenhuma mágoa, são aquelas que se fazem sobre a ignorância.»

    Esta frase serve de introdução a uma pequena nota sobre a necessidade que tem a sociedade portuguesa, para poder evoluir, de, a par de facultar uma formação equilibrada e exigente aos seus jovens em geral e de apoiar em particular aqueles que têm dificuldades na aprendizagem, promover paralelamente e conduzir a níveis de conhecimentos científicos mais profundos aqueles que manifestem qualidades de excepção ao longo dos ensinos secundário e superior.

    A massificação do ensino tanto a nível secundário como superior tem levado a esquecer um pouco aqueles jovens que tendo uma especial apetência e capacidade para adquirir conhecimentos científicos complementares, se sentem por vezes um pouco frustrados numa ambiência que, por razões de «eficacidade», é obrigada a contentar-se com programas de estudo que em geral, têm progressivamente sido enfraquecidos no seu conteúdo.

    Como abordar tal problema?

    A meu ver, e contrariamente ao que se pretende fazer em Portugal, é necessário que os professores do ensino não superior, nomeadamente nas chamadas áreas científicas, tenham uma formação de base cada vez mais exigente. Só deste modo poderão ministrar com segurança, a todos, conhecimentos científicos correctos e perceber os sinais dados por aqueles alunos mais interessados motivando-os para a abordagem de temas complementares com a ajuda de colegas seus ou docentes do ensino superior. Uma ligação em recursos humanos mais efectiva entre as escolas secundárias e as do ensino superior, por exemplo aproveitando vizinhanças geográficas, podia ajudar fortemente. Por que não promover sistematicamente encontros entre turmas do ensino secundário e investigadores (docentes ou não do ensino superior) que tenham especial interesse nesse tipo de actividades? Devia haver também a possibilidade de, em certas escolas, organizar, com a participação voluntária de alguns alunos mais interessados, aulas especiais onde houvesse a possibilidade de fornecer formação complementar (à semelhança das aulas de apoio já facultadas aos alunos com problemas de aprendizagem). Penso aliás, que o leque de disciplinas no ensino secundário em cada agrupamento é demasiado vasto devendo ser encurtado e dando, ao mesmo tempo, a possibilidade aos alunos mais dotados de o completar em dois anos apenas.
 
    Embora rapidamente não posso deixar de falar no prolongamento desta questão ao ensino superior, onde a meu ver se devia dar a possibilidade a certos alunos de ter um percurso mais personalizado podendo fazer por ordem diferente (bem aconselhada) e em menos tempo a sua licenciatura. Paradoxalmente tal possibilidade já existe em certas escolas onde as precedências deixaram de existir por exigência dos alunos! Ponho também em relevo a importância de cursos complementares, talvez ao nível de grupos de escolas superiores, sobretudo nos dois últimos anos de licenciaturas, não sendo para isso necessário criar nenhuma escola especial do tipo «Grande École» francesa ou italiana. Esses alunos podiam também beneficiar de um acompanhamento de tipo tutorial e, porque não, de bolsas de estudo criadas para o efeito.

    Parece-me indispensável a abordagem desta questão de uma forma séria e sistemática. Se comparar-mos percentualmente, por exemplo em Matemática, o número de jovens de nível excepcional que concluem em cada ano o curso superior em Portugal e em França onde existem as classes terminais especiais e o apoio das chamadas «Grandes Écoles» o resultado é desanimador: estimo em cerca de cinco o número no nosso país e em cerca de oitenta em França. Pode parecer exagerada a afirmação, mas para aqueles que conhecem um pouco a evolução actual da Ciência e Tecnologia este grupo de jovens constitui um catalisador fundamental para as actividades e de investigação e desenvolvimento tecnológico de um país moderno.

    Neste contexto queria ainda alertar para a existência de uma excessivo fascínio ligado às novas tecnologias que leva, por vezes, a sobreavaliar a sua influência nos processos de formação e inovação de maneira artificial e não motivada para despertar a inteligência dos mais novos, conduzindo a efeitos contrários aos desejados.

    Penso que para estimular a inteligência não há nada como mostrar os caminhos da descoberta motivada pela necessidade de superar limitações ao conhecimento humano. São estas as únicas  conquistas, que, como dizia Bonaparte, não provocam nenhuma mágoa.