Perspectivas de desenvolvimento
Perspectivas de desenvolvimento do Interior
(algumas considerações)

Irene Veloso

Presidente da Comissão de Coordenação da Região de Lisboa e Vale do Tejo


 


O actual debate em torno da implementação das regiões administrativas, cuja criação se encontra prevista, desde 1976, na Constituição da República Portuguesa faz apelo a um vasto leque de reflexões respeitantes à problemática do desenvolvimento, introduzindo, entre outras, questões relativas às profundas assimetrias regionais, muitas das vezes expressas em termos de modelos dicotómicos, do tipo centro-periferia, urbano-rural ou litoral-interior.

Aqueles conceitos vulgarizados pelo senso comum, e largamente debatidos no quadro da pluralidade de informação que o regime democrático permitiu, encerram contudo uma forte componente ideológica que não pode ser escamoteada.

Em primeiro lugar, porque não se esgotam na questão meramente física ou espacial, implicando uma associação sistemática a uma panóplia de indicadores de desenvolvimento económico, social, cultural que lhe estão associados.

Por outro lado, porque, mesmo fazendo apelo a um conjunto de variáveis efectivamente mensuráveis, os enviesamentos decorrentes da respectiva escolha espelham, muitas das vezes, desígnios políticos que não se coadunam ou mesmo colidem com a ideia de desenvolvimento global a que a responsabilidade de prosseguir valores inalienáveis, tais como a coesão nacional e a garantia dos direitos e liberdades fundamentais, nos obriga.

Certamente ninguém duvidará de que a potencialidade de oportunidades de um qualquer cidadão da mais recôndita aldeia de Trás-os-Montes ou de um qualquer monte alentejano não seja a mesma de um outro residente num bairro de Lisboa ou do Porto.

O que não se pode ocultar através dessa realidade é a dificuldade experimentada nos grandes centros urbanos, decorrente de um vasto leque de problemas sociais que invalidam, para uma franja considerável da população ali residente, a disponibilidade de meios existente.

Digamos que é possível vislumbrar desequilíbrios tansversais que não se prendem com delimitações geográficas e persistem para além do urbano, do rural, do interior ou do litoral.

O pernicioso dualismo litoral-interior, sendo particularmente desfavorável ao segundo termo, introduziu no primeiro uma heterogeneidade e um desequilíbrio dificilmente sustentáveis, reclamando soluções que permitam quebrar, em simultâneo, os efeitos polarizantes e de exaustão do litoral sobre o interior, e a degradação das condições de vida da população dos grandes centros urbanos situados no litoral.

O quadro geral das assimetrias que caracterizam o País, resultantes de um longo processo histórico, encontra-se perfeitamente sintetizado na obra do professor Simões Lopes (1).

«Na faixa litoral portuguesa, compreendendo os distritos de Braga até Setúbal, correspondente a pouco mais de 1/4 da superfície total, vamos encontrar 2/3 da população total e 4/5 do PIB, 9/10 das indústrias transformadoras e cerca de 9/10 do produto dos Serviços. Em termos de emprego localizam-se aí mais de 4/5 dos profissionais científicos e liberais sendo a proporção de pessoal administrativo ainda mais elevada. Cerca de 9/10 do pessoal dirigente encontra-se também nessa zona.

Os desequilíbrios são ainda mais expressivos se as comparações forem feitas entre os distritos de Lisboa e Porto e o resto do país: Em menos de 6% da superfície total do país deparamos com 40% da população e mais de 50% do PIB, 40% da produção das indústrias transformadoras e mais de 2/3 do produto dos serviços».

Este cenário não se terá alterado significativamente até ao momento, apesar do forte crescimento económico que o País conheceu nos últimos anos, por força da integração na Comunidade Económica Europeia.

Essa constatação é evidente num estudo apresentado pela Direcção Regional do Centro do INE (2), no qual se procede à construção de um indicador concelhio de interioridade, com base em algumas variáveiscom esse nível de desagregação, como sejam: poder de compra per capita; sisa; quilómetros de estrada municipal; distância a Lisboa e Porto; número de sociedades com sede no concelho; população empregada no sector primário.

Considerando como interiores os concelhos que revelaram valores do índice de interioridade abaixo de 20% e como litorais os valores superiores a 80%, a respectiva distribuição geográfica não se afasta da descrição sintética acima apresentada.

Foram ainda identificados cerca de 50 concelhos, cujo comportamento das variáveis em estudo permitiu classificá-los como de transição, com uma probabilidade de se considerarem litorais compreendida entre 20 e 80%.

A situação de cerca de 50% desses concelhos na Região Centro é explicada pela importância assumida pelo eixo Viseu-Coimbra e pela existência de uma faixa perpendicular à costa, cujos valores apresentados, particularmente em relação às variáveis poder de compra e emprego no sector primário, inviabilizaram a sua classificação como intrinsecamente litorais.

Conclusões idênticas são extraídas em relação à Região de Lisboa e Vale do Tejo onde alguns concelhos como é o caso de Óbidos, Cadaval, Azambuja, Salvaterra de Magos, Almeirim e Alpiarça são considerados de transição, apesar da valorização positiva resultante da proximidade a Lisboa.

Incluem-se ainda naquela categoria outros concelhos situados ao nível do Médio Tejo como sejam o Sardoal, Vila Nova da Barquinha, Ferreira do Zêzere. Abrantes e Constância, cujo valor médio, aproximando-se dos 60%, permite uma elevada probabilidade de aquela sub--região o assumir-se como litoral.

A emergência dos designados concelhos de transição permite contrariar o fatalismo das teorias de desenvolvimento regional desigual cumulativamente agravado, que vaticinam a tendência para uma evolução no mesmo sentido das assimetrias existentes.

Embora um estudo sistémico sobre o efeito da integração europeia na redução dos desequilíbrios regionais se encontre por realizar, acredita-se que o indiscutível crescimento verificado privilegiou as regiõeslitorais, não obstante o esforço que tem sido desenvolvido, designadamente na Região de Lisboa e Vale do Tejo, através do reforço da coesão do território regional e melhoria da qualidade de vida, da promoção de acções de desenvolvimento de valor estratégico regional e de dinamização regional.

A livre mobilidade dos factores decorrente da política europeia permitiu o reforço da atracção que as economias de aglomeração exercem em áreas fortemente industrializadas, provocando o agravamento entre os níveis de rendimento do interior e do litoral.

A questão central parece, assim, residir no modelo adoptado que, nos mais diversificados contextos políticos, económicos e sociais, tem vindo a privilegiar o crescimento económico numa faixa litoral, criando gravíssimos desequilíbrios, deixando perder de vista o seu fim último, o desenvolvimento.

A eficácia de uma política regional implica a reabilitação das condições de desenvolvimento, passando pelo incremento de um planeamento estratégico conhecedor das relações de interdependência, ao nível mais desagregado possível, de forma a gerir eficientemente a distribuição pelas regiões mais desfavorecidas de um esforço de investimento que favoreça a exploração dos recursos existentes nessas áreas.

Esse esforço passará, inevitavelmente, pela revitalização das «Cidades Médias» de forma a constituir uma rede de centros urbanos que, conciliando a concentração dos equipamentos com um bom nível de acessibilidade, permita aos habitantes da sua área de influência o acesso aos bens e serviços básicos, bem como um leque alargado de oportunidades de emprego.

Caberá ao Estado um importante papel como agente promotor activo dessa política, através da adopção de uma postura territorialista e voluntarista não assistenciária.

Da administração local espera-se, a par da garantia de um nível satisfatório de infra-estruturação, um papel importante como catalisador e mediador de projectos envolvendo, sempre que possível, agentes locais dos sectores privado, público e associativo, de modo a melhor corresponder às necessidades e potencialidades localmente identificadas. De qualquer modo, embora o Estado deva velar pela satisfação das necessidades não se pode substituir à sociedade civil na total satisfação dessas necessidades. Cada cidadão de per si deverá conscencializar-se do seu papel como actor de desenvolvimento, desempenhá-lo e obrigar que os restantes cumpram com a parte que lhes compete.

O desenvolvimento é cada vez mais a capacidade que a sociedade tem, em determinado momento da sua história, de fazer face com os seus próprios recursos humanos à sua própria evolução histórica.

É esse desafio que urge vencer, fazendo do desenvolvimento o grande factor de mobilização de todas as forças sociais, culturais e políticas, muito para além do crescimento meramente linear, traduzível por indicadores económicos.
 
 
 
 

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(1) Lopes, A Simões, 1979, Desenvolvimento Regional. Problemática, Teoria Modelos, F. Calouste Gulbenkian.

(2) Rodrigues, Alexandra, 1994, Índice de interioridade. Um Estudo para Portugal Continental, Cadernos Regionais da Região Centro, INE, DRC.