Portugal
Portugal a duas velocidades?

Jorge Rocha de Matos

Presidente do Conselho Geral da Associação Industrial Portuguesa


Numa altura em que tanto se discute o problema da regionalização em Portugal, parece-me importante referir o que para uma entidade como a Associação Industrial Portuguesa (AIP) - que há mais de uma década vem praticando um trabalho constante no apoio ao desenvolvimento empresarial nas regiões - representa não tanto a discussão teórica sobre o significado daquele conceito, mas, sobretudo, a perspectiva prática do que poderá vir a ser feito em prol das regiões do país que se encontram arredadas dos centros de decisão, maxime as regiões do chamado «interior». Penso que poderá passar por uma desburocratização e uma descentralização eficazes do poder central, não necessariamente redundando na criação de novas regiões político-administrativas.

Centrando-nos na análise das regiões do «interior», partimos de uma premissa que extrai a sua lógica do facto de num país com 200 km de largura não se justificar a existência de «regiões litorais» por oposição a «regiões do interior». Num espaço geograficamente tão restrito não tem sentido a existência de diferenças de desenvolvimento tão profundas que separem um país territorialmente exíguo em duas partes autónomas no que se refere à igualdade de oportunidades económicas e sociais.

Contudo, certas regiões do interior sofrem de um atraso endémico, cuja correcção exige uma actuação rápida por parte das estruturas de decisão em estreita conjugação com os agentes que desenvolvem as suas actividades nessas zonas e que, devidamente organizados, se encontram preparados, melhor que ninguém, para serem os protagonistas do seu próprio desenvolvimento.

Às Associações Empresariais Regionais - as quais, muitas delas, a AIP ajudou a criar - cabe um importante papel de promoção do desenvolvimento que, lamentamos constatar, ainda não foi devidamente valorizado. Não bastam as palavras quando o que se pretende são acções concretas no terreno. Não poderá, pois, a Administração continuar a atribuir a entidades de eficácia limitada na abordagem de questões que se prendem com os factores de desenvolvimento numa determinada região a resolução desses mesmos problemas, menosprezando, reiteradamente, o desempenho das organizações empresariais existentes e que actuam eficazmente na defesa dos interesses dos seus associados e consequentemente da região em que inserem a sua actividade.

Por ocasião da jornada realizada em Idanha-a-Nova subordinada ao tema «Perspectivas de desenvolvimento do Interior», a AIP teve a oportunidade de entregar a Sua Excelência o Presidente da República, um documento de reflexão fruto do trabalho conjunto realizado com as Associações Empresariais das regiões do interior, e no qual estas davam voz às inquietações sentidas pelas populações dessas zonas.

Da análise daquele documento podemos concluir que embora existam problemas específicos que se fazem sentir apenas em determinadas áreas, existe uma diversidade de factores de interesse comum às regiões que formam o interior do país e em relação aos quais, curiosamente, foram propostos os mesmos tipos de soluções.

Uma dessas questões passa pelo necessário e urgente apoio à criação e instalação de empresas nessas regiões, como uma força potencialmente geradora de riqueza e de emprego. Mas tornar uma região atractiva aos investidores travando a sua desertificação, implica a construção ou consolidação de infra-estruturas (redes viárias e outras) para facilitação da circulação de pessoas e bens, implica conseguir as mesmas condições do litoral em termos de abastecimento de energia, implica, ainda, a concessão de incentivos à fixação de empresas.

Quanto às empresas existentes mas que se debatem com dificuldades de ordem vária, torna-se indispensável a implementação de um sistema de bonificação de juros visando o financiamento dos passivosdessas empresas desde que comprovadamente viáveis. Recorde-se que num tecido empresarial formado por PME, estas sentem muitas dificuldades em aceder ao crédito a taxas elevadas.

Urgente é, também, travar a desertificação humana que o interior vem sofrendo, através da concessão de incentivos à fixação das populações. Um instrumento de peso nessa batalha é a formação profissional, sendo necessário ajustar o seu conteúdo pedagógico, que muitas vezes se encontra desfasado da realidade, às necessidades específicas de cada região, com destaque para a formação dos empresários de PME.

Outra área de intervenção relevante poderá ser a que diz respeito aos apoios da União Europeia, em que se revelaria de grande utilidade a criação de um programa específico para as Associações Empresariais, enquanto entidades de utilidade pública sem fins lucrativos, que, como já tive oportunidade de referir, bastantes vezes se substituem à própria Administração no desenvolvimento de acções e prestação de serviços, em particular no interior do país, onde são muitas vezes as únicas entidades de apoio ao desenvolvimento regional. É pois necessário envolver a sociedade civil na concepção e na gestão de programas com expressão no desenvolvimento regional.

Merecerá ainda destaque a questão da aproximação da administração pública ao meio empresarial, o que poderia ser feito através da criação de Centros de Apoio ao Tecido Empresarial, integrados por delegações ou extensões de alguns organismos da Administração (por exemplo, ICEP, IAPMEI, D.G. dos Impostos, IEFP, CRSS, etc.), coabitando em espaços próprios e comuns com as Associações, por forma a evitar duplicação de esforços e a facilitar a prestação aos empresários de um serviço integrado rápido e eficiente.

Tenho falado sobretudo do interior, embora considere que alguma da problemática abordada é também muito sentida e sofrida noutras regiões, em relação às quais algumas das medidas brevemente delineadas poderiam ser também aplicadas como forma de debelar problemas que são sentidos com a mesma acuidade que nas regiões do interior.

Pugno por um cenário nacional em que, de facto, não faça sentido dividir o país pela metade e verificar que existem fossos de desenvolvimento com as indesejáveis consequências sociais, económicas e culturais que arrastam. Não há lugar a duas velocidades de crescimento quando existe a mesma vontade de trabalhar e a mesma potencialidade para o desenvolvimento.

Em resumo, do poder instituído pede-se que actue nestas três frentes:

1.º Concessão de benefícios fiscais (IRC) às unidades empresariais que se instalem e desenvolvam as suas actividades nas «regiões do interior»;

2.º Descentralização eficaz dos serviços de apoio ao universo empresarial, com especial destaque para a colaboração que se poderá estabelecer entre os serviços do Estado e os das Associações Empresariais Regionais;

3.º Consolidação das ligações das redes rodoviárias e ferroviárias dessas regiões à rede nacional e europeia.
 
 

Sem adopção deste tipo de medidas o futuro dessas regiões poder--se-á ver, a médio prazo, fortemente comprometido. 

Por último não posso deixar de destacar o grande mérito e o relevante significado que o debate promovido em Idanha-a-Nova teve para todos quantos nele participaram e, sobretudo, para os seus destinatários mais directos: as populações do interior que com o seu trabalho diário contribuem para o enriquecimento do nosso país.

A eles, e a Sua Excelência o Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, cujo envolvimento directo no evento em muito o dignificou, um muito obrigado.