Discurso por ocasião da Cerimónia de Abertura do Ano lectivo 2003/2004 do Instituto Politécnico de Leiria

Leiria
15 de Outubro de 2003


Quero felicitar o Instituto Politécnico de Leiria na pessoa do seu Presidente, senhor professor Luciano Almeida, pelo trabalho realizado por esta instituição.

Sabemos como o desenvolvimento económico e cultural do país depende das oportunidades de acesso e da qualidade da educação. Foi, por isso, motivo de orgulho e de esperança conhecer de perto o dinamismo e a acção deste instituto.

Tenho acompanhado, ao longo dos anos, com o maior interesse, a evolução educativa do país, os seus problemas e os seus êxitos. Permitam-me que partilhe hoje convosco sete sucintas reflexões, relativas ao acesso e à qualidade da educação e da formação nos vários níveis de ensino. Vejo-as como mais uma interpelação a todos nós (e aqui me incluo) quanto à característica inadiável do desafio.

A primeira reflexão diz respeito à necessidade do envolvimento de todos os parceiros no debate em curso e nas mudanças necessárias para que se registem os indispensáveis progressos na qualidade da educação e da formação.

É da maior importância que o processo legislativo a decorrer, com vista à aprovação da nova Lei de Bases da Educação, seja amplamente participado. Considero, já o tenho afirmado noutros contextos, que a Assembleia da República e o Governo têm agora uma oportunidade de ouro para contribuírem de modo decisivo para a melhoria da educação.

Faço, por isso, um apelo às escolas e à comunidade educativa em geral
para que participem neste debate, determinante para o futuro do país.

Sabemos, porém, que as reformas, bem como os diplomas legais que as regulamentam, representam unicamente uma parte dos meios de regulação da acção educativa, a par de outros decisivos, tais como a avaliação das escolas, dos professores, dos alunos, a formação inicial e contínua do corpo docente, a gestão das escolas.

A complexidade da acção educativa impõe a todos os parceiros educativos que assumam de forma exigente e coordenada uma responsabilidade social em torno deste desígnio nacional.

A segunda reflexão diz respeito à necessidade de tornar universal a escolaridade obrigatória e de aumentar consideravelmente a frequência do ensino secundário.

A educação sofreu, nos últimos anos, uma das mudanças com maior significado do Portugal democrático. Passámos, em pouco tempo, de um sistema educativo reservado a uma elite social, para um sistema aberto à maioria da população portuguesa jovem. Foi grande o esforço realizado, traduzido num significativo aumento do acesso a todos os níveis de ensino.

Permitam-me que relembre alguns números que ilustram esse progresso.

Os níveis de exclusão educativa eram na primeira metade do século passado, dramáticos, não o devemos esquecer. As consequências dessa situação continuam a penalizar a nossa sociedade.

No conjunto da população portuguesa que tem hoje entre 65 e 69 anos, cerca de um quarto não possui qualquer nível de instrução, enquanto na população com idades situadas entre 25 e 29 anos essa taxa desce para 1%, registando-se a evolução mais significativa na população feminina.

Deram-se grandes passos nesta matéria. Com efeito, nas últimas décadas, o valor do abandono escolar desceu consideravelmente. Em 2001, esse valor era seis vezes inferior ao registado dez anos antes.

Apesar do progresso, há ainda a assinalar um número muito elevado de abandonos (em 2001, cerca de 18.000 pessoas com idades inferiores a 15 anos não se encontravam a frequentar a escola básica). Tenho contactado de perto casos dramáticos de abandonos precoces. A mobilização e coordenação de esforços dos diferentes parceiros, quando acontece, – e nem sempre isso se verifica – tem-se revelado um precioso meio de luta contra a exclusão educativa.

O nosso atraso na escolarização ao nível do ensino secundário é extremamente grave. Apesar de um aumento significativo na última década da frequência deste nível de ensino, a percentagem de população com idades compreendidas entre 15 e 64 anos, com o secundário feito era em 2002 de 14,1%, enquanto a média na Europa dos 25 é de 46,5%.

A nossa situação educativa na Europa dos 25 é, aliás, a que apresenta piores indicadores ao nível do ensino secundário e superior, dado que deverá constituir motivo de preocupação, mas também um importante desafio para todos os portugueses.

É urgente melhorar o aproveitamento dos nossos recursos, promovendo uma educação eficaz que abranja todos os alunos, repito, todos os alunos. Não há portugueses dispensáveis. Acredito na importância de programas inovadores de prevenção do abandono precoce da escolaridade.

Há que reforçar os mecanismos de apoio ao estudo e ensinar os alunos a trabalhar. A democratização do acesso à escola pós-primária é um processo recente que coloca novos problemas e exige novas respostas.

A terceira reflexão está intimamente associada aos problemas que mencionei anteriormente: refiro-me à frequência do abandono de percursos escolares na área das ciências e em particular da Matemática, mas que atinge igualmente outras áreas científicas como a Física e as áreas das tecnologias.

Os níveis de insucesso escolar nesta área são muito elevados, e a capacidade de apoio e recuperação dessas dificuldades depende ainda, em larga medida, da capacidade de enquadramento das famílias. Grande parte dos alunos que frequentam hoje o ensino secundário e superior constituem a primeira geração que, nas suas famílias, frequenta a escola após o 2º ciclo do ensino básico. Por isso, o acompanhamento dos filhos e o apoio à definição de estratégias escolares e profissionais são para eles de grande complexidade.

Os resultados dos concursos de acesso ao ensino superior revelam a necessidade de uma actuação urgente, que associe uma melhoria do ensino, a formação de professores, a mobilização de apoios aos alunos e igualmente meios eficazes de orientação escolar.

Impõe-se, aqui, uma coordenação de esforços envolvendo uma acção política continuada e mobilizando, designadamente associações científicas e pedagógicas, instituições de formação e famílias.

Há que agir com firmeza para que tenhamos um ensino da matemática eficaz em todos os níveis, uma maior adesão, mais trabalho e esforço intelectual dos alunos, fazendo com que esta disciplina deixe de constituir um instrumento de selecção tão irreversível. É importante que, neste campo, também o ensino superior saiba promover estratégias de recuperação dos alunos que nele ingressaram sem preparação adequada nas áreas científicas. É no esforço conjugado das escolas dos diferentes níveis e não na passagem da responsabilidade ao nível anterior que se obterão melhores resultados.

A quarta reflexão diz respeito ao desenvolvimento da educação ao longo da vida e à formação daqueles que cedo foram excluídos da escola. A população portuguesa apresenta qualificações escolares muito baixas, nos níveis básico, secundário e superior (a percentagem da população com idades entre 15 e 64 anos com formação superior é de cerca de 8%, a pior da Europa, enquanto na Europa dos 25 esta taxa é de 17,9%).

Não é motivo para mais um desânimo, tão habitual entre nós. Se cito estes números (do Eurostat) é porque vejo neles a mais elevada fonte de mobilização e de estímulo de e para toda a sociedade portuguesa.


Minhas Senhoras e Meus Senhores

Apesar de termos há anos consciência desta situação, trágica para os portugueses e para Portugal, a oferta de oportunidades de formação ao longo da vida é inadequada e insuficiente e, mais grave do que isto, não aproveita os recursos de que o país dispõe.

Há que fazer da educação ao longo da vida uma efectiva prioridade. Considero por isso que, face ao decréscimo da população jovem, e às carências existentes, não é aceitável ouvir dizer que existem meios em excesso destinados à formação. Considero também que não é aceitável que, por imperativos de carácter financeiro, se desinstale capacidade de formação necessária à formação de adultos.

Mas, para que a educação ao longo da vida tenha condições para se expandir, deve responder às diferentes necessidades das pessoas e valorizar os seus percursos através do reconhecimento de saberes e de competências. Há já em Portugal trabalho inovador desenvolvido no terreno da creditação de saberes e competências que é importante dar a conhecer e aprofundar.

As instituições de ensino básico, secundário e superior têm de realizar nesta área esforços significativos de alargamento da sua actividade a novos públicos, o que exige também novas competências, diferentes ritmos e estilos de actuação.

É urgente a definição de dispositivos legais e instrumentos financeiros que permitam o desenvolvimento desta missão, essencial para as instituições educativas nesta sociedade do conhecimento.

A minha quinta reflexão diz respeito ao ensino superior e à necessidade de aproveitar melhor os recursos de que dispomos neste momento de viragem.

A nossa situação continua a ser de grande défice, quer em termos da formação de diplomados jovens, quer em matéria de educação ao longo da vida e do nosso desenvolvimento científico e tecnológico.

A diminuição da população jovem representa uma nova disponibilidade que deve ser conduzida para um investimento significativo na reorientação das missões das escolas.

Houve em anos anteriores uma aposta muito forte na formação avançada de docentes e de cientistas e em recursos materiais importantes para o futuro a médio e longo prazos.

Não nos podemos permitir hoje dispensar cientistas e formadores
altamente qualificados e de perder o investimento realizado.

Temos que perceber que o esforço público é essencial, pelo exemplo e pela racionalidade de que se reveste, quer para iniciar qualquer mudança com vista ao futuro (e tão necessária ela é), quer para apoiar o desenvolvimento e criar padrões de excelência que se mantenham ao longo do tempo. Só assim criaremos uma cultura que acolha a ciência e o conhecimento, só assim conseguiremos atrair os melhores, estrangeiros e portugueses, às nossas instituições.
É preciso valorizar a ciência e os institutos de investigação fundamental e aplicada que existem, nomeadamente no seio do ensino superior, dos quais gostaria de destacar, em particular, os Laboratórios Associados.

Não nos podemos dar ao luxo de deitar a perder um investimento que nos trará o futuro, que entusiasmará os jovens mais talentosos e aptos para a actividade de investigação, que criará emprego de alta qualificação.

Sabemos que este esforço, se for perdido, colocará Portugal irremediavelmente na cauda da Europa. Durante mais uma geração.

A sexta reflexão diz respeito à necessidade de tornar o nosso ensino superior mais atractivo, eficiente e competitivo.

É com o maior interesse e satisfação que tenho seguido o desenvolvimento do ensino superior e a sua democratização. Tenho visitado experiências inovadoras no terreno da pedagogia universitária que me permitem ter esperança na mudança.

No entanto, essa mudança impõe, a meu ver, novos objectivos decorrentes, por um lado, das dinâmicas internacionais e, em particular, do Processo de Bolonha e, por outro lado, da situação muito especial do nosso país que torna urgentes algumas reformas. É indispensável, por exemplo, criar condições para que a inovação no plano da estruturação dos cursos e da organização pedagógica seja possível e generalizável.

Há que investir nas condições e ritmo de trabalho dos alunos de modo a que seja possível diminuir as taxas de insucesso escolar. O processo de Bolonha, catalisador de reformas em vários países que a ele aderiram, deve ser também para nós um desafio traduzido em metas concretas. Não pode ser algo de que passamos a vida a desconfiar, normalmente em defesa do imobilismo e do "status quo".


Minhas Senhoras e Meus Senhores

Temos de ter no nosso horizonte as metas europeias. A Comissão Europeia tem revelado uma especial preocupação com o papel das instituições de ensino superior na sociedade do conhecimento, com a necessidade de um financiamento sustentável, com a promoção da excelência e com o apoio ao desenvolvimento local e regional.

A sétima reflexão diz respeito à necessidade de empenhar professores, alunos, funcionários e a sociedade em geral na criação de uma nova agenda para o ensino superior. Há mais de uma década que esta agenda tem sido cristalizada em torno da problemática do financiamento do ensino público.

Hoje assistimos, uma vez mais, a um ambiente de crispação em torno desta problemática. Importa desanuviar essa crispação recorrendo a uma nova abordagem que permita reencontrar a confiança entre todos os interessados.

Não parece estar sobretudo em causa a co-responsabilização das famílias no financiamento do ensino superior público, mas sim outras dimensões sobre as quais é necessário dialogar. Como garantir um financiamento sustentável das instituições e suas diferentes missões?

E da acção social? Seria muito importante, e é um novo apelo que vos faço, que se estabeleçam em clima de serenidade novos diálogos sobre estas questões tão decisivas para o futuro do país.