Discurso de SEXA PR por ocasião do Congresso Nacional dos Músicos

Feira Internacional de Lisboa
23 de Outubro de 2003


Senhor Presidente da Mesa do Congresso e Senhores Membros da Comissão Organizadora
Senhores Congressistas, Caros Amigos
Senhores Convidados
Minhas Senhoras e Meus Senhores

A minha presença neste Congresso Nacional dos Músicos, o primeiro que se realiza entre nós, representa, antes de mais, a minha homenagem à Música Portuguesa e a todos os que a criam, interpretam, editam e divulgam. Em nome do país, agradeço-vos o enriquecimento que dais à nossa cultura e à nossa vida.

Em segundo lugar, a minha presença aqui, hoje, significa a importância que atribuo a esta reunião magna, cujo primeiro grande objectivo, que torna possível todos os outros, é criar nos músicos uma consciência activa do que representam e da necessidade de se organizarem para atingir os seus desígnios principais, que podemos talvez resumir desta maneira: dignificar a Música Portuguesa e dar melhores condições de trabalho e realização pessoal, profissional e artística a todos os que a fazem e dão a conhecer.

Todos sabemos que estes objectivos, embora parecendo de aceitação consensual, encontram dificuldades de realização quando se trata de definir os meios e as modalidades da sua efectivação. Acresce que, vivendo nós num tempo e num mundo em que tudo se tornou global e, por isso, mais complexo, mais exigente e mais concorrencial, os desafios apresentam-se mais difíceis e exigentes. Também nesta área, como noutras, não podemos pensar que os outros farão o que nos compete a nós fazer.

Olhando o programa dos vossos trabalhos e vendo as questões que estão em cima da mesa, fico com a certeza de que os músicos portugueses estão conscientes dos problemas que têm que enfrentar. É esse, como sabemos, o primeiro passo para lhes dar solução. Do Estatuto do Músico às suas organizações associativas; da importância económica da actividade musical nas sociedades modernas às questões da ética e da deontologia profissional; da defesa dos direitos patrimoniais e outros ao mecenato; da educação e formação à ligação a outros ramos da cultura e do espectáculo; da questão da promoção e divulgação da música portuguesa nos meios de comunicação de massas à formação de novos públicos, eis alguns dos temas que vão ser debatidos e cuja simples enunciação dá bem a ideia da sua importância e das suas implicações na nossa cultura e na nossa sociedade.

Tenho procurado incutir na sociedade portuguesa uma maior consciência de que a qualificação dos portugueses é a primeira condição para o nosso desenvolvimento. Essa qualificação, que se faz no plano educativo e da formação profissional, deve também fazer-se no plano da cultura e das artes. Não é por acaso que as sociedades mais duradouramente avançadas são também aquelas em que, desde os bancos da escola, a formação artística dos cidadãos, independentemente das opções profissionais, é a mais exigente e cuidada.

Infelizmente, entre nós, não tem sido tradicionalmente assim. Temos um défice de cultura artística e, em especial, de cultura musical. Esse défice tornou sempre a vida dos músicos mais difícil. Uma das páginas mais tristes da nossa literatura, apesar da sua ironia, é aquela página d’Os Maias, na qual Eça narra a cena em que, a caminho de Sintra, Carlos da Maia e o seu amigo Cruges, compositor e maestro, conversam. A dado passo, Carlos, "espreguiçando-se, vira-se para Cruges e diz-lhe: - Ninguém faz nada. Tu, por exemplo, que fazes? Cruges, depois de um silêncio, rosnou encolhendo os ombros: - Se eu fizesse uma boa ópera, quem é que ma representava? E terminou por dizer: - Isto é um país impossível...Parece-me que também vou tomar um café."

Confesso-vos que li sempre esta página com um arrepio – ao fatalismo, junta-se a resignação; à resignação, acrescenta-se a desistência; à desistência, segue-se a indolência. É por isso que, em vez de compor óperas que ninguém representa (ou outra música), muita gente contenta-se em tomar café.

Aqueles que, como é o vosso caso, persistem, mesmo assim, em compôr e em interpretar música enfrentam muitos e desgastantes obstáculos, como sabemos. Penso que, apesar de tudo, alguma coisa mudou nos últimos anos. Ainda é só um começo, mas já é um começo. Temos de prosseguir no caminho da educação artística e da formação cultural, que principia na escola. Esta é uma responsabilidade de todos nós.


Caros Amigos
Minhas Senhoras e Meus Senhores

Sei que este Congresso, analisando embora com profundidade e especificidade os problemas de uma classe profissional, não perde de vista o horizonte mais amplo da defesa da nossa música, da nossa cultura, da nossa língua. Felicito-vos por terem também estas preocupações. Ao desejar o maior êxito aos vossos trabalhos, renovo as minhas saudações afectuosas a todos os presentes. Como Presidente da República, quero dizer-vos que o país precisa do vosso talento e do vosso trabalho. Como pessoa que, desde a infância, gosta de música e não imagina a vida sem ela, testemunho-vos o meu apreço e a minha dívida de gratidão.