Discurso de SEXA o PR por ocasião do banquete em honra do Presidente da Roménia, Ian Iliescu


30 de Outubro de 2003


Senhor Presidente
Minhas Senhoras e meus Senhores

É com grande satisfação que recebo Vossa Excelência em Portugal, retribuindo assim a visita que tive a honra e o prazer de efectuar à Roménia em Março de 2000 e da qual guardo uma bela recordação. A presença de Vossa Excelência entre nós é testemunho da amizade que une a Roménia e Portugal e uma ocasião importante para renovar e aprofundar os nossos laços.

Nos três anos e meio decorridos desde a minha visita, é-me grato constatar o caminho percorrido pela Roménia para se integrar nas estruturas euro-atlânticas. Foram concluídas, com sucesso, as negociações para a adesão do vosso país à Aliança Atlântica, que se deverá concretizar no próximo ano. Por sua vez, a União Europeia fixou a data indicativa de 2007 para a adesão da Roménia e as negociações nesse sentido, iniciadas durante a Presidência portuguesa, estão bastante adiantadas. São passos decisivos para consolidar a opção da Roménia pela democracia, que contribuirão de forma significativa para a estabilidade do nosso continente e servirão de estímulo a uma crescente aproximação entre os nossos dois países.

Este foi também um período em que se estreitaram as nossas relações bilaterais, embora haja ainda muito a fazer para realizar todo o seu potencial. Foram trocadas visitas a diversos níveis que contribuíram para um melhor conhecimento recíproco. As nossas Forças Armadas consolidaram a sua cooperação. As relações comerciais e os investimentos recíprocos cresceram a um ritmo apreciável, embora não atinjam ainda valores de grande monta. Desenvolveu-se também o quadro contratual que rege o nosso relacionamento.

Outro factor importante que crescentemente nos liga é a presença em Portugal de uma importante comunidade romena, que conta já mais de dez mil pessoas e é a quarta mais numerosa no nosso país. Apreciamos o contributo dos vossos cidadãos e desejamos a sua integração plena na nossa sociedade. Para que tal seja possível, importa que esta imigração seja regulada e enquadrada. Só assim se poderão prevenir abusos e situações de exploração criminosa dos imigrantes que queremos evitar.

Partilhamos, naturalmente, uma matriz cultural latina, que, por si só, estabelece entre os nossos povos uma natural corrente de simpatia. Conhecemos e apreciamos, em Portugal, a importante contribuição da Roménia para a cultura europeia. Nomes como Ionesco, Cioran ou Mircea Eliade e Lucian Blaga, que serviram ambos como diplomatas em Lisboa, são testemunho eloquente da criatividade romena. Sabemos também como os romenos apreciam a cultura portuguesa e o prestígio de que desfrutam no vosso país personalidades como António Lobo Antunes — recentemente galardoado com o mais importante prémio literário da Roménia.

Por todas estas razões, estou convicto que Portugal e a Roménia estão agora em condições de vencer as barreiras da geografia e da história para se aproximarem de forma crescente e duradoura. É esse o meu desejo ao receber Vossa Excelência em Portugal.


Senhor Presidente

A União Europeia atravessa tempos de mudança. Agora que está prestes a realizar-se o maior alargamento da sua história, realização de grande alcance de que nos devemos orgulhar e pela qual Portugal sempre desinteressadamente se bateu, vamos entrar numa nova e decisiva fase do processo de construção europeia, que é para milhões de europeus, a quem durante décadas foi negada a liberdade, motivo de enorme esperança, mas que contém também alguns desafios que é inútil escamotear.

Alguns princípios básicos devem, no meu entender, nortear a acção da União Europeia nesta nova e mais exigente fase do seu desenvolvimento. Quero identificar três que me parecem de decisiva importância.

Em primeiro lugar, a União Europeia deve encontrar um justo equilíbrio institucional que possa reflectir a sua unidade e diversidade, bem como a sua dupla natureza de união de Estados e união de povos. Em particular, o princípio da igualdade entre os Estados deve encontrar adequada expressão no texto e nos mecanismos instituídos pelo novo tratado constitucional presentemente em discussão.

Em segundo lugar, o princípio da coesão económica e social — em particular agora que o alargamento vai agravar as disparidades entre o nível de vida no seio da União — deve continuar a figurar no topo das nossas prioridades. O aprofundamento da união política precisa de encontrar correspondência em políticas solidárias desenvolvidas a nível europeu. Não podemos consentir que se cavem as desigualdades no grande espaço europeu. Elevar o nível de vida de todos os cidadãos da União aos padrões dos países mais ricos é um objectivo central, que só pode naturalmente ser atingido de forma gradual, mas do qual a União não deve abdicar, sob pena de hipotecar o seu futuro colectivo.

Em terceiro lugar, a União Europeia necessita de se dotar dos mecanismos para se afirmar no mundo, de forma a defender os seus interesses e promover os seus valores. Alargar o espaço da democracia, primeiro que tudo no continente europeu, mas sem esquecer as zonas circundantes, é um objectivo central. Promover um processo de globalização mais justo e equitativo, alicerçado num multilateralismo eficaz, é outro objectivo essencial. Restabelecer com os Estados Unidos da América, seu parceiro natural, uma sólida relação de confiança — que foi um tanto abalada pela crise do Iraque — é essencial para que estes objectivos possam ser plenamente atingidos.


Senhor Presidente

A União Europeia que estamos a construir assenta essencialmente numa comunidade de valores entre os seus povos que transcende todas as diferenças que os separam. O respeito pelos direitos humanos, a democracia e o Estado de direito são princípios essenciais que todos os países candidatos precisam de respeitar e interiorizar.

Sabemos, por experiência própria, que existem legados históricos dificeis de superar. Acreditamos todavia que, com paciência, determinação e uma visão esclarecida, é possível transformar hábitos e práticas enraizadas e construir, onde existia opressão, medo e passividade, um espaço de liberdade, confiança e iniciativa individual.

É esse o sentido da história, movida pelas aspirações de milhões de seres humanos que aspiram a uma vida melhor, mais digna e mais realizada. Confio, Senhor Presidente, que a Roménia continuará a trilhar esse caminho, o caminho da liberdade, que há de a levar ao lugar a que legitimamente aspira no concerto das nações.

É pois com um voto de confiança no futuro que levanto o meu copo para brindar à saúde de Vossa Excelência, à prosperidade do povo romeno e ao desenvolvimento das relações entre os nossos dois países e povos.